sexta-feira, 22 de julho de 2011



Querer e saber esperar


A esperança, ao lado do amor, é, provavelmente, o sentimento mais citado em literatura. Ao longo desta reflexão, mencionarei diversos escritores, com suas respectivas observações e conclusões a propósito do tema. Vocês vão notar que a maioria é constituída por poetas. Pudera! Esses “mascates de ilusões” são incorrigíveis sonhadores. Todavia, esse sentimento, que o povo jura que é o “último que morre”, aparece, implícita ou explicitamente, em todos os tipos de textos. Abordei-o vezes sem conta, quer em poemas, quer em contos, crônicas e ensaios. Mas, a despeito de tão profusas abordagens, ele nunca se esgota, sempre apresenta algum ângulo novo e original a ser apreciado.

A esperança, ao contrário do que se pensa, não é algo apenas subjetivo e, portanto, sem fundamento prático (a menos que, aquilo que esperamos alcançar, seja impossível). Ela é fruto da nossa intuição, que “sabe” que o que tanto desejamos está ao alcance das nossas mãos. Apenas desconhece “como” fazer isso. Daí esse sentimento ser tão persistente e consolador. William Shakespeare escreveu, numa de suas tantas peças: “A esperança, muitas vezes, é um cão de caça sem pistas”. E é mesmo. Ou seja, ela sente o “faro” do alvo, embora não saiba onde ele se encontra. Para encontrá-lo, requer-se persistência, constância e, acima de tudo, ação.

A esperança, desprovida de atos, é inócua. Não raro, é sucedida pelo desespero. Portanto, quem espera um amor, uma amizade, uma promoção ou um emprego (não importa), tem que se esmerar na sua procura. O “cão de caça” apenas fareja a pista. Compete ao caçador encontrá-la.

A esperança é fidelíssima companheira que nunca nos abandona, nem nos piores momentos e circunstâncias. Impede que venhamos a dar qualquer batalha por perdida – quer seja no amor, no esforço pela sobrevivência ou no empenho por um mundo melhor e mais justo – retemperando nossas forças, reacendendo o brilho e o fogo nos olhos e na alma e nos exortando a prosseguir.

Esperamos neste mundo e em outro que, mesmo que não exista no terreno concreto, passa a existir em nosso coração e mente. Abrimos mão de muita coisa, ao longo da vida, premidos pelas circunstâncias, mas jamais nos separamos dessa companheira dileta e leal, que independe de qualquer lógica ou razão, chamada esperança. E fazemos bem em agir dessa maneira. A consagrada poetisa chilena Gabriel Mistral arremata o poema “Dá-me tua mão” com estes versos a propósito: “Chamas-te Rosa e eu Esperança;/porém teu nome esquecerás,/porque seremos uma dança/sobre a colina e nada mais”.

Ninguém tem o direito de abrir mão da esperança, embora ela, isoladamente, reitero, sem uma ação concreta que a acompanhe, jamais mudará para melhor a situação de ninguém. Nos momentos cruciais, temos que agir com sabedoria, com coragem e com determinação e jamais sofrer por antecipação com as dificuldades potenciais vindouras. É preciso concentrar todas as nossas energias no hoje. O amanhã será o capítulo da biografia de cada um, que será escrito de acordo com o seu ânimo de ser forte, e não se deixar abater, ou fraco, e ser esmagado pela vida. Claro que devemos apostar na força, naquela reserva íntima que temos e que em geral sequer nos damos conta, para que possamos viver, e quando chegar a hora morrer, com coragem e com dignidade.

Algumas pessoas, em momentos de extrema aflição pelos quais todos passamos, julgam terem perdido tudo o que tinham, quer no plano material, quer no espiritual, inclusive a esperança. Estão enganadas! Desconhecem o momento seguinte, o próximo segundo, em que, à sua revelia, tudo pode mudar para melhor.

A vida é assim: constituída de imprevistos. Ademais, é essa imprevisibilidade que lhe dá encanto. A esperança, mesmo que não acreditemos, nunca nos deixa. Às vezes esconde-se, como uma garotinha travessa, à espera de ser encontrada. Mas está sempre ali, presente, nos cutucando as costas e nos forçando a agir. É fidelíssima. O poeta salvadorenho, Carlos Enrique Ungo, escreveu o seguinte poema a respeito, cujo título, obviamente, é “A esperança”: “Ela sempre esteve aí/encolhida entre nós/escondida e em silêncio/ como menina travessa/tão somente à espreita/e ansiosa para ser descoberta”.

Cultivar esperanças, pois, é um hábito saudável, mas torno a lembrar que requer algumas cautelas, sem as quais corremos o risco de descambar para frustrações, amarguras e profunda infelicidade. Por exemplo, devemos esperar o que seja possível, realizável, factível e alcançável e sem impor prazos para que isso aconteça. Mas não podemos e nem devemos nos limitar apenas a esperar. Precisamos agir, com prudência e perseverança, no sentido de conseguirmos o que tanto desejamos, já que nada cai prontinho do céu. E, sobretudo, é conveniente que nos previnamos da possibilidade de que o que tanto esperamos não se concretize nunca, para que não nos frustremos. Nesse caso, nada impede que substituamos uma esperança por outra, adotando, em relação a ela, as mesmas cautelas e cuidados que adotamos em relação à que não se realizou. Fernando Pessoa exorta e adverte a respeito: “Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas”.

Devemos cultivar, sempre, seja qual for a nossa condição material ou social ou situação emocional, muitas (se possível infinitas) e radiosas esperanças, mesmo que elas aparentem ser irrealizáveis e até absurdas. Seu antônimo, afinal, é o desespero, que é sempre maléfico e destrutivo e que desestrutura, até, as personalidades mais sólidas e invulneráveis. Aos infelizes, as esperanças constituem-se na única ponte capaz de conduzi-los à felicidade. Por isso, é uma desastrosa tolice abrir mão dessa possibilidade. Se não atingirem essa condição, pelo menos as esperanças lhes servirão de precioso (e não raro único) consolo para suas mágoas e tristezas. E aos felizes, elas também são úteis. Potencializam sua felicidade, tornando-a mais profunda, intensa e duradoura. Afinal, como o poeta espanhol, Federico Garcia Lorca, destaca: “O mais terrível dos sentimentos é o de ter a esperança perdida”. Portanto, não a percamos jamais!

Não raro nos desesperamos por pouca coisa, e achamos que, para nós, nada mais faz sentido. Raros são os que sabem lidar bem com pontuais fracassos e eventuais frustrações. Nada como um dia depois do outro! O que conta, mesmo, é a vida que, apesar dos percalços e dos sofrimentos físicos e morais que eventualmente nos imponha, sempre vale a pena. Basta que atentemos para o seu real sentido e sua sublime transcendência.

Concordo com o que diz Érico Veríssimo, através de um dos seus personagens, no romance “Olhai os lírios do campo”: “Olha as estrelas. Sempre há esperança na vida”. Num universo tão imenso – de uma grandiosidade que a nossa mente até é incapaz de abarcar e entender – e embora não passemos, nele, de infinitésima partícula, temos o privilégio de existir. E de ter noção dessa existência. Por pior que seja a nossa situação, a solução para nossos males pode estar próxima, no segundo seguinte..

O ser humano, obra-prima da criação, não foi feito, apenas, para viver um cotidiano tedioso e banal, em um mundo repleto de violência, misérias e injustiças. Todavia, para que alcance a grandeza que lhe foi destinada, para que conquiste a nobreza da qual possui pleno potencial, tem que mudar. Precisa evoluir, e muito, mental, espiritual e comportamentalmente. Tem que dominar seus instintos. Deve exercitar, em toda a sua plenitude, com constância e de forma incansável, a capacidade de amar. Precisa cultivar valores, como a bondade, solidariedade, justiça e fé e exercitá-los no dia a dia, transmitindo-os às novas gerações. O poeta Mauro Sampaio diz isso de forma sábia e bela, nestes versos do seu poema “Esperança”: “Um dia/os montes se abaterão aos nossos pés/e levantaremos do chão as estrelas caídas!”. Compete ao ser humano identificar, valorizar e viver a plena felicidade, que existe, latente, dentro de si.

Gustave Flaubert afirmou, pela boca de um dos seus personagens, que “a recordação é a esperança do avesso. Olha-se para o fundo do poço como se olhou para o alto da torre”. E o romancista francês está coberto de razão. Quando temos esperança, olhamos para o alto, na certeza de que, aquilo que tanto queremos, vai, de fato, acontecer, sendo apenas questão de tempo. Às vezes, nunca acontece. Ainda assim, a sensação que nos fica é das mais doces.

Quando recordamos, porém, pensamos em algo que já passou, que aconteceu, que foi bom enquanto durou, mas que se acabou, sem chance de retorno. Considero, pois, a recordação mais frustrante e amarga do que a esperança. Mesmo que seja agradável, traz, implícito, um sentimento de perda, de algo irrecuperável. A esperança, por seu turno, por mais louca que seja, nos abstrai da realidade, principalmente quando esta é amarga e dura, e sempre nos serve de bem-vindo consolo.

Há pessoas tão desencantadas face aos seus sofrimentos, aos tropeços que experimentam, aos fracassos que vivenciam e às decepções que colecionam, que asseguram não ter mais nenhuma esperança na vida. Estão erradas. No fundo, bem no âmago de seus corações, escondidinhas, estas ainda se fazem presentes. Não há quem não as acalente, mesmo que secretamente, ou de maneira inconsciente. Até mesmo os moribundos, que vislumbram o espectro da morte ao seu redor, esperam uma miraculosa reação do seu organismo e a recuperação. Sempre que uma esperança morre, face à dureza da realidade (e isso é bastante corriqueiro), outra nasce de imediato, silenciosa e até despercebida, porém mais forte e vigorosa.

Boa leitura.

O Editor.

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2 comentários:

  1. É "a recordação mais frustrante e amarga do que a esperança." E não é? Terrível demais!

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  2. Terrível é recordar pessoas e momentos felizes e não poder ter esperança de que eles voltem. Nessas circunstâncias, nem esse consolo nos resta. Obrigado pelo comentário, Mara.

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