O melhor investido no pior
A guerra é, certamente, a atitude mais estúpida do único animal inteligente da natureza. Nada a justifica, embora os que a promovam apontem “n” justificativas, que até convencem (desgraçadamente) os tolos e os alienados. Trata-se do mais rotundo fracasso da diplomacia e da arte do diálogo. Um escritor – não me recordo agora qual – afirmou que é onde o homem aplica o que tem de melhor (sua inteligência) no que há de pior: na violência planejada, no ato de matar, de destruir, de estuprar, de humilhar etc.etc.etc.
Como tema literário, é um dos mais explorados. Escritores de todos os tempos escreveram livros e mais livros, muitos magníficos e inesquecíveis, a esse propósito, como “Adeus às armas” e “Por quem os sinos dobram”, de Ernest Hemmingway, ou como “Armagedon”, “Colinas da ira”, “Exodus”, “Grito de guerra” e “QB VII”, de Leon Uris, para citar, apenas, dois dos mais ilustres autores e obras que me vêm de imediato à memória.
Já pensei, óbvio, em explorar também o tema, embora me repugne todo e qualquer tipo de violência e, em especial, este. Falta-me experiência pessoal no assunto – e Deus me livre de tê-la algum dia! – que confira verossimilhança às minhas eventuais histórias a propósito, embora tenha muitas, muitíssimas informações a respeito. Fui, durante 15 anos da minha já longa carreira jornalística, editor de política internacional do Correio Popular, além de redator do noticiário da Rádio Educadora – atual Bandeirantes Campinas – e também comentarista. Nesse período todo, utilizei tanto as páginas do jornal, quanto os microfones dessa tradicional emissora, para comentar, todos os dias, os dramas, tragédias e comédias ocorridos no mundo. E entre eles, claro, as guerras.
Não me lembrava, porém, de ter escrito nada sobre o tema que, reitero, me repugna e que abomino e considero o supremo ato de estupidez do bicho homem. Vasculhando, todavia, velhos papéis, no intuito de esvaziar gavetas e livrar-me do que já não tinha mais serventia, encontrei um texto datilografado, com as folhas de papel jornal já amarelecidas pelo tempo, que era um comentário que fiz sobre a Guerra das Malvinas em 2 de junho de 1982. Na ocasião, Argentina e Inglaterra preparavam batalha decisiva pela posse do vilarejo de Port Stanley, capital do disputado arquipélago. Todas as tentativas para evitar esse confronto fracassaram.
Na ocasião, eu tinha um espaço reservado, de cinco minutos (uma eternidade em rádio) para comentar os principais acontecimentos internacionais do dia. Escrevi, na oportunidade (e “interpretei” no microfone tradicional da Educadora) o seguinte, que peço licença ao paciente leitor para reproduzir, se não todo, pelo menos o seguinte trecho:
“... Os campos nevados da Ilha Soledad, a "Ilha da Solidão" em nosso idioma, já quase nos limites da inóspita Antártida, vão se tornar rubros com o sangue de jovens que, no cumprimento do seu dever de executar o que seus superiores hierárquicos ordenarem, lá deixaram, estão deixando ou vão deixar seu bem mais precioso: a vida. E tanto sacrifício por nada. Morrerão anônimos.
Seus corpos serão enterrados em valas comuns, alguns tão deformados, que jamais virão a ser sequer identificados. Restarão esquecidos, sós, sem nome, na solidão gelada da "Ilha da Solidão". Terão, certamente, mães, esposas e filhas esperando pela sua volta, que nunca irá acontecer. Os parentes jamais terão certeza se morreram ou permanecem vivos em algum lugar. Enquanto a guerra estiver em andamento, for manchete nos noticiários de rádios, televisões, jornais e revistas, seu sacrifício pela pátria será citado, enfatizado e glorificado, com palavras bombásticas, sonoras, retóricas, mas despidas de sinceridade e de conteúdo, por políticos oportunistas, de olho apenas na manutenção do poder.
Alguns, neste caso oficiais (coronéis ou generais), poderão até ganhar monumentos ou dar nomes a ruas ou praças. Os poderosos precisam, posto que temporariamente, enfatizar o seu sacrifício. Não que acreditem na sua necessidade, mas para justificar o injustificável: a sua insensibilidade, cinismo e intransigência. No entanto, tudo isso apenas será possível – homenagens, cerimônias religiosas e reverência nacional –, enquanto a guerra for destaque na imprensa.
Depois, quando os acontecimentos do Atlântico Sul forem superados por novas questões e por novos conflitos – que serão "consumidos", como todos os outros, por um público ávido por desgraças, bestializado e imerso num egoísmo ferrenho e sem limites, encarando as carnificinas como se fossem de mentirinha, mera ficção –, desses jovens soldados, que lutam por alguma coisa que sequer sabem definir o que é, não restarão sequer lembranças. Nenhum pensamento vai mais se voltar para o seu sacrifício inútil, evitável e insensato. Seus nomes e experiências serão apagados da memória popular, como se jamais tivessem existido.
Em suas covas rasas, talvez marcadas apenas por uma tosca cruz de madeira, se tanto, em todas as primaveras, nesse recanto gelado e cinzento, na solitária Ilha da Solidão, nas Malvinas, brotarão delicadas e frágeis flores rubras, da cor do seu sangue generoso. Ninguém as plantou.
Os moradores da região evitarão até de passar pelo local, por temerem os "fantasmas" da sua ingratidão. A natureza, apenas ela, não esquecerá o sacrifício anônimo desses jovens. E a vida vai continuar. Até o dia em que a loucura dos homens atingir o paroxismo e levá-los a plantar gigantescos "cogumelos" de fogo nos quatro quadrantes do mundo. Ou, o que é improvável, até que a razão venha a preponderar sobre os instintos, quando só então a violência terá uma chance (posto que mínima) de ser banida da Terra e do espírito humano. Caso dê a lógica, no entanto, este planeta azul e frágil será todo ele uma inóspita e silenciosa "Ilha da Solidão", na imensidão do espaço...”.
Qual a razão dessa reprodução? Não é apenas uma, mas são várias. Cito, pela ordem, as três principais. Primeira, é uma forma de render homenagens àqueles jovens que, em tão tenra idade, à sua revelia, sacrificaram suas vidas no cumprimento de um dever que nem deveria existir. Ou seja, o de lutar, àw sua revelia, contra pessoas que nunca viram, que portanto não odiavam por não haver motivo para ódio, em uma guerra supostamente em defesa da pátria, mas defendendo, de fato, causa injustificável, uma insânia determinada por seus respectivos líderes nacionais.
A segunda razão é a de enfatizar a estupidez de se lutar por nada, por um delírio de algum ditador safado, maluco e megalomaníaco. E a terceira, entre tantas outras, para mostrar que, ao tratar de temas ostensivamente escabrosos, ainda assim podemos ser construtivos, se mostrarmos o quão negativa e perversa é a guerra, em que o homem aplica o que tem de melhor (inteligência, coragem, vigor) no que há de pior. E põe pior nisso!
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
A guerra é, certamente, a atitude mais estúpida do único animal inteligente da natureza. Nada a justifica, embora os que a promovam apontem “n” justificativas, que até convencem (desgraçadamente) os tolos e os alienados. Trata-se do mais rotundo fracasso da diplomacia e da arte do diálogo. Um escritor – não me recordo agora qual – afirmou que é onde o homem aplica o que tem de melhor (sua inteligência) no que há de pior: na violência planejada, no ato de matar, de destruir, de estuprar, de humilhar etc.etc.etc.
Como tema literário, é um dos mais explorados. Escritores de todos os tempos escreveram livros e mais livros, muitos magníficos e inesquecíveis, a esse propósito, como “Adeus às armas” e “Por quem os sinos dobram”, de Ernest Hemmingway, ou como “Armagedon”, “Colinas da ira”, “Exodus”, “Grito de guerra” e “QB VII”, de Leon Uris, para citar, apenas, dois dos mais ilustres autores e obras que me vêm de imediato à memória.
Já pensei, óbvio, em explorar também o tema, embora me repugne todo e qualquer tipo de violência e, em especial, este. Falta-me experiência pessoal no assunto – e Deus me livre de tê-la algum dia! – que confira verossimilhança às minhas eventuais histórias a propósito, embora tenha muitas, muitíssimas informações a respeito. Fui, durante 15 anos da minha já longa carreira jornalística, editor de política internacional do Correio Popular, além de redator do noticiário da Rádio Educadora – atual Bandeirantes Campinas – e também comentarista. Nesse período todo, utilizei tanto as páginas do jornal, quanto os microfones dessa tradicional emissora, para comentar, todos os dias, os dramas, tragédias e comédias ocorridos no mundo. E entre eles, claro, as guerras.
Não me lembrava, porém, de ter escrito nada sobre o tema que, reitero, me repugna e que abomino e considero o supremo ato de estupidez do bicho homem. Vasculhando, todavia, velhos papéis, no intuito de esvaziar gavetas e livrar-me do que já não tinha mais serventia, encontrei um texto datilografado, com as folhas de papel jornal já amarelecidas pelo tempo, que era um comentário que fiz sobre a Guerra das Malvinas em 2 de junho de 1982. Na ocasião, Argentina e Inglaterra preparavam batalha decisiva pela posse do vilarejo de Port Stanley, capital do disputado arquipélago. Todas as tentativas para evitar esse confronto fracassaram.
Na ocasião, eu tinha um espaço reservado, de cinco minutos (uma eternidade em rádio) para comentar os principais acontecimentos internacionais do dia. Escrevi, na oportunidade (e “interpretei” no microfone tradicional da Educadora) o seguinte, que peço licença ao paciente leitor para reproduzir, se não todo, pelo menos o seguinte trecho:
“... Os campos nevados da Ilha Soledad, a "Ilha da Solidão" em nosso idioma, já quase nos limites da inóspita Antártida, vão se tornar rubros com o sangue de jovens que, no cumprimento do seu dever de executar o que seus superiores hierárquicos ordenarem, lá deixaram, estão deixando ou vão deixar seu bem mais precioso: a vida. E tanto sacrifício por nada. Morrerão anônimos.
Seus corpos serão enterrados em valas comuns, alguns tão deformados, que jamais virão a ser sequer identificados. Restarão esquecidos, sós, sem nome, na solidão gelada da "Ilha da Solidão". Terão, certamente, mães, esposas e filhas esperando pela sua volta, que nunca irá acontecer. Os parentes jamais terão certeza se morreram ou permanecem vivos em algum lugar. Enquanto a guerra estiver em andamento, for manchete nos noticiários de rádios, televisões, jornais e revistas, seu sacrifício pela pátria será citado, enfatizado e glorificado, com palavras bombásticas, sonoras, retóricas, mas despidas de sinceridade e de conteúdo, por políticos oportunistas, de olho apenas na manutenção do poder.
Alguns, neste caso oficiais (coronéis ou generais), poderão até ganhar monumentos ou dar nomes a ruas ou praças. Os poderosos precisam, posto que temporariamente, enfatizar o seu sacrifício. Não que acreditem na sua necessidade, mas para justificar o injustificável: a sua insensibilidade, cinismo e intransigência. No entanto, tudo isso apenas será possível – homenagens, cerimônias religiosas e reverência nacional –, enquanto a guerra for destaque na imprensa.
Depois, quando os acontecimentos do Atlântico Sul forem superados por novas questões e por novos conflitos – que serão "consumidos", como todos os outros, por um público ávido por desgraças, bestializado e imerso num egoísmo ferrenho e sem limites, encarando as carnificinas como se fossem de mentirinha, mera ficção –, desses jovens soldados, que lutam por alguma coisa que sequer sabem definir o que é, não restarão sequer lembranças. Nenhum pensamento vai mais se voltar para o seu sacrifício inútil, evitável e insensato. Seus nomes e experiências serão apagados da memória popular, como se jamais tivessem existido.
Em suas covas rasas, talvez marcadas apenas por uma tosca cruz de madeira, se tanto, em todas as primaveras, nesse recanto gelado e cinzento, na solitária Ilha da Solidão, nas Malvinas, brotarão delicadas e frágeis flores rubras, da cor do seu sangue generoso. Ninguém as plantou.
Os moradores da região evitarão até de passar pelo local, por temerem os "fantasmas" da sua ingratidão. A natureza, apenas ela, não esquecerá o sacrifício anônimo desses jovens. E a vida vai continuar. Até o dia em que a loucura dos homens atingir o paroxismo e levá-los a plantar gigantescos "cogumelos" de fogo nos quatro quadrantes do mundo. Ou, o que é improvável, até que a razão venha a preponderar sobre os instintos, quando só então a violência terá uma chance (posto que mínima) de ser banida da Terra e do espírito humano. Caso dê a lógica, no entanto, este planeta azul e frágil será todo ele uma inóspita e silenciosa "Ilha da Solidão", na imensidão do espaço...”.
Qual a razão dessa reprodução? Não é apenas uma, mas são várias. Cito, pela ordem, as três principais. Primeira, é uma forma de render homenagens àqueles jovens que, em tão tenra idade, à sua revelia, sacrificaram suas vidas no cumprimento de um dever que nem deveria existir. Ou seja, o de lutar, àw sua revelia, contra pessoas que nunca viram, que portanto não odiavam por não haver motivo para ódio, em uma guerra supostamente em defesa da pátria, mas defendendo, de fato, causa injustificável, uma insânia determinada por seus respectivos líderes nacionais.
A segunda razão é a de enfatizar a estupidez de se lutar por nada, por um delírio de algum ditador safado, maluco e megalomaníaco. E a terceira, entre tantas outras, para mostrar que, ao tratar de temas ostensivamente escabrosos, ainda assim podemos ser construtivos, se mostrarmos o quão negativa e perversa é a guerra, em que o homem aplica o que tem de melhor (inteligência, coragem, vigor) no que há de pior. E põe pior nisso!
Boa leitura.
O Editor.
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Atingiu seu objetivo, Pedro. Por mais que nos cause asco, ainda assim ficamos sem saber o que dizer. E você conseguiu nos dar vóz. Muito bem!
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