Os comedores de carolo - I
* Por Urda Alice Klueger
(Para Valentina Moreira Monteiro)
Na primeira parte da minha vida, entre outros encantos inesquecíveis, havia o grande encanto das galinhas – e das galinhas chocas, e dos pintinhos, evidentemente. Pergunto-me agora o que me atraía tanto para aquelas aves domésticas que as pessoas costumam taxar de pouco inteligentes – eu convivia tão próxima delas, no entanto, para dizer que há galinhas pouco inteligentes, sim, mas que, por outro lado, há galinhas de inteligência tão aguçada que são capazes de nos compreender, e galinhas chocas tão boas mães que são capazes de morrer para defender seus pintinhos. Penso agora que talvez fosse o grande mistério da Vida,que podia ver através delas, que fosse o que mais me atraísse nas minhas galinhas!
Em muito poucos meses as galinhas e os galinhos (chamam-se frangos, em tal época da vida) estão prontos para a reprodução, e quando os hormônios de uma galinha velha ou nova se altera para completar seu ciclo de reprodução, ela deixa de ser chamada de galinha e passa a ser uma choca. Por mais macia e amiga que seja, uma galinha choca se transforma incrivelmente: muda de voz, enclausura-se num ninho, mesmo que sob ela não exista um ovo sequer a ser chocado, passa a comer só umas duas ou três vezes por semana – é uma mudança impressionante. Quando se dá a uma galinha em tal estado hormonal um bom ninho cheio de ovos devidamente fertilizados, coisa que eu ainda não entendia como funcionava, ela toma conta dele com tal precisão e carinho, aquecendo os ovos praticamente todo o tempo sob ela mesma, virando-os e revirando-os com o auxílio do bico, conforme o instinto lhe manda fazer, e em apenas 21 dias os transforma em... pintinhos!
Há poucas coisas no mundo mais fascinantes do que se observar tal ciclo de vida e o nascimento de um pintinho! No máximo, no máximo, põe-se sob uma choca umas duas dúzias de ovos – normalmente dá-se a elas uns 20, 21 ovos – e se tudo corre bem, nascem 20 ou 21 pintinhos. Desde a minha pré-adolescência era eu a encarregada de cuidar de tais coisas, na minha casa, de tanto que gostava de fazê-lo – e eu sabia coisas que as crianças de hoje nem imaginam, como se o ciclo dos 21 dias de incubação dos ovos coincidisse com a lua cheia, já no vigésimo dia haveria pintinhos fazendo pequenos ruídos como pios e forçando as cascas dos ovos, abrindo buraquinhos nelas para já ir saindo um dia antes do prazo. Se a lua não era cheia ... bem, aí demorava, mesmo, 21 dias para o nascimento daqueles serezinhos que eram pura magia, e que em apenas três semanas tinham como que surgido do nada e se tornado tão fortes que, tão logo abriam o primeiro buraquinho na casca do ovo com um biquinho de nada, um pedacinho amarelo de uma substância mais dura, tratavam logo de pôr em ação toda a força contida nos minúsculos corpinhos, e forçavam os pés, as pernas, as asinhas ainda implumes, e em pouco tempo, algo entre poucos minutos ou poucas horas, quebravam todo o ovo e se tornavam pequenos seres completamente novos no mundo!
Pintinhos nascem prontinhos para a vida – apenas, quando abandonam a casca do ovo, ainda estão molhados e meio tontos, coisa que uma galinha choca resolve rapidamente, puxando-os com o bico para baixo de si própria, onde eles, em poucos minutos, perdem a tontura e secam, virando aquelas bolinhas de penugem que é o que algumas crianças, hoje, às vezes vêem na televisão.
Ah! A inigualável graça, maciez e delicadeza de um pintinho nos seus primeiros dias de vida! Depois dos 10 ou 15 minutos que levam para secar, eles estão prontos para comer, para brincar, para correr – e como são doces e confiantes, assim naquele jeitinho de bebê coberto de penugens amarelas ou cinzentas, que é como normalmente nascem! Pode-se criá-los em granjas, por exemplo, aquecendo-os com o calor de uma lâmpada elétrica, por exemplo, e ainda na minha infância cheguei a viver algumas experiências assim – mas o maior fascínio de todos está na completa relação de proteção que há entre uma galinha choca e seus filhotes.
No mesmo dia em que os pintinhos nascem, a choca já sai a passear com eles por tudo onde lhe é permitido ir, e esgaravata o chão procurando minhocas ou insetos, já a ensiná-los a sobrevivência, a chamá-los com a sua voz hormonalmente alterada, e os ensina a comer ração ou uma coisa chamada carolo, que era muito usada lá no passado, que não passa de milho moído numa complexa máquina que tem o complexo nome de “máquina de fazer carolo”! Tudo vai bem até que surja qualquer sinal de perigo: pode ser um gato que apareça por ali, ou algum barulho estranho, ou apenas um susto indefinível – qualquer que seja o medo da choca, e ela dá um sinal com a sua voz de choca, e todas aquelas bolinhas de penugem num instante correm para ela e somem – nem o mais ativo gavião, se for o caso, será capaz de encontrar um pintinho numa hora assim!
Atenta, a choca espia, calcula, vigia, sente – em algum momento, ela se certifica que o perigo já passou, e então ela dá outro sinal com sua voz, e um primeiro biquinho e um parzinho de olhos espia de dentre as suas penas, e depois outros, e logo uma enfiada de pintinhos volta de novo à faina onde estava. Quando escurece, a operação se repete, e os pintinhos dormem toda a noite completamente escondidos pelas penas da choca. Algumas há que são tão cuidadosas com a prole, que eles crescem, já estão quase virando frangos, e continuam sumidos sob a mãe noite após noite, espiando por entre as penas delas já uns latagões sem nenhuma plumagem, cobertos de penas coloridas ou brancas e com duros bicos de quem já sabe muito bem se virar sozinho. Até hoje não entendo como cabem aqueles quase frangões escondidos assim sob uma galinha só!
Há muito mais a contar sobre aqueles meus amigos do passado. Volto ao assunto em outro dia.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
* Por Urda Alice Klueger
(Para Valentina Moreira Monteiro)
Na primeira parte da minha vida, entre outros encantos inesquecíveis, havia o grande encanto das galinhas – e das galinhas chocas, e dos pintinhos, evidentemente. Pergunto-me agora o que me atraía tanto para aquelas aves domésticas que as pessoas costumam taxar de pouco inteligentes – eu convivia tão próxima delas, no entanto, para dizer que há galinhas pouco inteligentes, sim, mas que, por outro lado, há galinhas de inteligência tão aguçada que são capazes de nos compreender, e galinhas chocas tão boas mães que são capazes de morrer para defender seus pintinhos. Penso agora que talvez fosse o grande mistério da Vida,que podia ver através delas, que fosse o que mais me atraísse nas minhas galinhas!
Em muito poucos meses as galinhas e os galinhos (chamam-se frangos, em tal época da vida) estão prontos para a reprodução, e quando os hormônios de uma galinha velha ou nova se altera para completar seu ciclo de reprodução, ela deixa de ser chamada de galinha e passa a ser uma choca. Por mais macia e amiga que seja, uma galinha choca se transforma incrivelmente: muda de voz, enclausura-se num ninho, mesmo que sob ela não exista um ovo sequer a ser chocado, passa a comer só umas duas ou três vezes por semana – é uma mudança impressionante. Quando se dá a uma galinha em tal estado hormonal um bom ninho cheio de ovos devidamente fertilizados, coisa que eu ainda não entendia como funcionava, ela toma conta dele com tal precisão e carinho, aquecendo os ovos praticamente todo o tempo sob ela mesma, virando-os e revirando-os com o auxílio do bico, conforme o instinto lhe manda fazer, e em apenas 21 dias os transforma em... pintinhos!
Há poucas coisas no mundo mais fascinantes do que se observar tal ciclo de vida e o nascimento de um pintinho! No máximo, no máximo, põe-se sob uma choca umas duas dúzias de ovos – normalmente dá-se a elas uns 20, 21 ovos – e se tudo corre bem, nascem 20 ou 21 pintinhos. Desde a minha pré-adolescência era eu a encarregada de cuidar de tais coisas, na minha casa, de tanto que gostava de fazê-lo – e eu sabia coisas que as crianças de hoje nem imaginam, como se o ciclo dos 21 dias de incubação dos ovos coincidisse com a lua cheia, já no vigésimo dia haveria pintinhos fazendo pequenos ruídos como pios e forçando as cascas dos ovos, abrindo buraquinhos nelas para já ir saindo um dia antes do prazo. Se a lua não era cheia ... bem, aí demorava, mesmo, 21 dias para o nascimento daqueles serezinhos que eram pura magia, e que em apenas três semanas tinham como que surgido do nada e se tornado tão fortes que, tão logo abriam o primeiro buraquinho na casca do ovo com um biquinho de nada, um pedacinho amarelo de uma substância mais dura, tratavam logo de pôr em ação toda a força contida nos minúsculos corpinhos, e forçavam os pés, as pernas, as asinhas ainda implumes, e em pouco tempo, algo entre poucos minutos ou poucas horas, quebravam todo o ovo e se tornavam pequenos seres completamente novos no mundo!
Pintinhos nascem prontinhos para a vida – apenas, quando abandonam a casca do ovo, ainda estão molhados e meio tontos, coisa que uma galinha choca resolve rapidamente, puxando-os com o bico para baixo de si própria, onde eles, em poucos minutos, perdem a tontura e secam, virando aquelas bolinhas de penugem que é o que algumas crianças, hoje, às vezes vêem na televisão.
Ah! A inigualável graça, maciez e delicadeza de um pintinho nos seus primeiros dias de vida! Depois dos 10 ou 15 minutos que levam para secar, eles estão prontos para comer, para brincar, para correr – e como são doces e confiantes, assim naquele jeitinho de bebê coberto de penugens amarelas ou cinzentas, que é como normalmente nascem! Pode-se criá-los em granjas, por exemplo, aquecendo-os com o calor de uma lâmpada elétrica, por exemplo, e ainda na minha infância cheguei a viver algumas experiências assim – mas o maior fascínio de todos está na completa relação de proteção que há entre uma galinha choca e seus filhotes.
No mesmo dia em que os pintinhos nascem, a choca já sai a passear com eles por tudo onde lhe é permitido ir, e esgaravata o chão procurando minhocas ou insetos, já a ensiná-los a sobrevivência, a chamá-los com a sua voz hormonalmente alterada, e os ensina a comer ração ou uma coisa chamada carolo, que era muito usada lá no passado, que não passa de milho moído numa complexa máquina que tem o complexo nome de “máquina de fazer carolo”! Tudo vai bem até que surja qualquer sinal de perigo: pode ser um gato que apareça por ali, ou algum barulho estranho, ou apenas um susto indefinível – qualquer que seja o medo da choca, e ela dá um sinal com a sua voz de choca, e todas aquelas bolinhas de penugem num instante correm para ela e somem – nem o mais ativo gavião, se for o caso, será capaz de encontrar um pintinho numa hora assim!
Atenta, a choca espia, calcula, vigia, sente – em algum momento, ela se certifica que o perigo já passou, e então ela dá outro sinal com sua voz, e um primeiro biquinho e um parzinho de olhos espia de dentre as suas penas, e depois outros, e logo uma enfiada de pintinhos volta de novo à faina onde estava. Quando escurece, a operação se repete, e os pintinhos dormem toda a noite completamente escondidos pelas penas da choca. Algumas há que são tão cuidadosas com a prole, que eles crescem, já estão quase virando frangos, e continuam sumidos sob a mãe noite após noite, espiando por entre as penas delas já uns latagões sem nenhuma plumagem, cobertos de penas coloridas ou brancas e com duros bicos de quem já sabe muito bem se virar sozinho. Até hoje não entendo como cabem aqueles quase frangões escondidos assim sob uma galinha só!
Há muito mais a contar sobre aqueles meus amigos do passado. Volto ao assunto em outro dia.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
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