terça-feira, 26 de julho de 2011







Badulaques 132


* Por Rubem Alves

Você nunca leu Guimarães Rosa? Pois trate de fazê-lo antes que morra. Porque na entrada do céu, quando o seu destino eterno estiver sendo decidido, basta você falar esse nome para que S. Pedro o deixe entrar. Como aperitivo vão aí esses aforismos, alguns, palavras do próprio Guimarães, outras que disse o jagunço Riobaldo, entendido nas coisas de Deus e o Diabo.
Hem? Hem? O que mais penso, texto e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura.
A alegria de deus anda vestida de amarguras.
Felicidade se acha é só em horinhas de descuido...
Acho que o espírito da gente é cavalo que escolhe estrada: quanto ruma para a tristeza e morte, vai não vendo o que é bonito e bom.
Divirjo de todo o mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!
O que um dia vou saber, não sabendo já sabia.
Se descreves o mundo tal qual é, não haverá em tuas palavras senão muitas mentiras e nenhuma verdade. (Tolstoi)
O mal está apenas guardando lugar para o bem. O mundo supura é só a olhos impuros. Deus está fazendo coisas fabulosas. Para onde nos atrai o azul? Escreva-se na teoria da alma.

O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre mudando.

O diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro — dá gosto! A força dele, quando quer — moço! — me dá medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho — assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza.
Ah, a gente, na velhice, carece de ter sua aragem de descanso.
Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso.
O corpo não translada, mas muito sabe, adivinha se não entende.
Perto de muita água, tudo é feliz.
Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o prato...
No sertão até enterro simples é festa.
Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver - a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo.
Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
O senhor deve de ficar prevenido: esse povo diverte por demais com a baboseira, dum traque de jumento formam tufão de ventania. Por gosto de rebuliço. Querem-porque-querem inventar maravilhas glorionhas, depois eles mesmos acabam temendo e crendo. Parece que todo mundo carece disso.
Cada hora, de cada dia, a gente aprende uma qualidade nova de medo.

Muita coisa importante falta nome.
Ser ruim, sempre, às vezes é custoso, carece de perversos exercícios de experiência.
Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem nos lugares.
Toda saudade é uma espécie de velhice.
A vida é integrada no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo no meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado.
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza!
Ah, para não se ter medo é que se vai à raiva.
A gente só sabe bem aquilo que não entende.
Cada homem tem seu lugar no mundo e no tempo que lhe é concedido. Sua tarefa nunca é maior que sua capacidade para poder cumpri-la. Conheço o meu lugar e a minha tarefa. Muitos homens não conhecem ou chegam a fazê-lo...
Sou escritor e penso em eternidades. O político pensa apenas em minutos. Eu penso na ressurreição do homem.
O idioma é a única porta para o infinito, mas infelizmente está oculto sob montanhas de cinzas.
Meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só.
Para poder ser feiticeiro da palavra, para estudar a alquimia do sangue do coração humano, é preciso provir do sertão.
A poesia é também uma irmã tão incompreensível da magia...
O diabo não existe: por isso ele é tão forte.
A filosofia é a maldição do idioma. Mata a poesia desde que não venha de Kierkegaard ou Unamuno, mas então é metafísica.
A Estória não quer ser História. A Estória, em vigor, deve ser contra a História


* Rubem Alves é escritor, teólogo e educador

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