Riscos calculados
A vida está em permanente risco, em um universo colossal, misterioso e, sobretudo, perigoso para a nossa fragilidade. Nosso instinto de sobrevivência, se funcionando adequadamente, nos leva a agir com prudência, visando à nossa segurança pessoal e a dos que dependam de nós. Induz-nos, por exemplo, a não colocarmos as mãos no fogo, para que não se queimem. Ou a não olhar diretamente para o sol, o que, se o fizermos, resultará em cegueira. Ou a não saltar do alto de uma montanha para o abismo ou do 30º andar de um prédio, achando que nada irá nos acontecer. E as ações de proteção são inúmeras que, se exercidas, nos resguardam de riscos evitáveis e desnecessários de várias naturezas. Não de todos, óbvio.
Há situações em que, mesmo sem nos arriscarmos, estamos em permanente perigo, principalmente de perder a vida. São os casos das catástrofes naturais, como terremotos, tsunamis, vulcões, tempestades devastadoras e outras tantas hecatombes. Mesmo que não venhamos a nos dar conta, jogamos, o tempo todo, uma perversa roleta-russa com o acaso. A bala sempre pode estar no giro seguinte do tambor do revólver. Ou não. Nunca sabemos. Se soubéssemos e se nossos instintos estivessem em ordem, evitaríamos de premir o gatilho. E mais ainda, não jogaríamos a absurda e suicida roleta-russa.
Há riscos menores, óbvio, que não ameaçam nossas vidas, mas que podem comprometer projetos e gerar ou muita dor, inclusive física, ou o sabor amargo do fracasso. Alguns podem ser evitados, mas nem sempre os evitamos, via de regra por superestimação de nossas forças e/ou capacidades. Outros tantos riscos são absolutamente inevitáveis. Destes, há os que nos proporcionam chances razoáveis de nos sairmos bem. São estes que recomendo, quando houver, no mínimo, 49% de possibilidade de êxito, que enfrentemos. Mas sempre com alguma estratégia muito bem elaborada que nos permita obter sucesso.
Heloísa Buarque de Holanda escreveu, certa feita, a esse propósito: “Os referenciais não existem mais. Não há em que se apoiar. Vivemos um tempo fascinante, mas de alto risco. Para ir mais fundo, eu diria que nem se trata de discutir a existência ou não de referenciais, mas sim de saber jogar com eles. O que não se pode dizer é que há um chão, quando o que existe é uma multiplicidade enorme de planos, por onde temos que transitar”.
Não raro tememos nos arriscar na conquista dos ideais. A causa mais comum disso é o medo de perder uma condição às vezes mesquinha, mas com a qual nos conformamos. Há ocasiões em que achamos que o sucesso virá naturalmente, sem que precisemos nos esforçar. Puro engano! Claro que o risco tem que ser sempre que possível calculado. Tem que nos proporcionar, reitero, pelo menos 49% de probabilidade de êxito.
Mas devemos lutar, todos os dias da vida, sobretudo, para sermos necessários aos que nos cercam: à nossa comunidade, à família, aos amigos e, por que não, ao mundo, sem esperar recompensas e nem temer riscos de decepção. O filósofo Ralph Waldo Emerson observa: “Por que renunciar ao direito de atravessar os desertos estrelados da verdade, em troca dos confortos prematuros de um quintal, uma casa e um celeiro? Torna-te necessário no mundo e a humanidade te dará o pão...Nossa vida – a vida de todos nós – é idêntica”. Eu acrescentaria que diferente é o destino que lhe damos: o da busca da verdadeira grandeza representada pelo servir ou o do conformismo covarde, simbolizado pelo comodismo de ser servido.
Cautela e medo são fatores essenciais para a nossa proteção. São manifestações do instinto de sobrevivência que nos livra de muitas encrencas e, sobretudo, da morte prematura. Mas não podem ser excessivos e nem exacerbados. Se o forem, tendem a inibir nossos melhores sentimentos e até a comprometer (ou até mesmo a impedir) relacionamentos estáveis, duradouros e que nos fariam felizes.
O temor de se ferir, por exemplo, às vezes nos retém e não deixa que nos aproximemos de determinadas pessoas, às quais, não raro, amamos em segredo. Tolice! Nesses casos, vale o risco. William Shakespeare já advertia, há cinco séculos, através de um dos personagens das tantas peças teatrais que escreveu: “O amor não prospera em corações que se amedrontam com as sombras”.
Não temamos, pois, de nos expor. Esse é um risco, reitero, (um dos poucos) que vale a pena correr. Não fechemos as portas do nosso coração àquilo que tende a nos fazer felizes caso se concretize. Temos que dar, sempre, oportunidades ao amor! Podemos, claro, às vezes nos ferir. E não raro, nos ferimos mesmo. Mas as possibilidades de conquistarmos alegrias, satisfações e a própria felicidade são concretas e infinitamente maiores.
Vivemos cercados de perigo, do despertar até a hora de deitar. É como se caminhássemos constantemente por um campo minado, sem sequer nos darmos conta. Por isso, a cada dia que terminamos incólumes, temos que agradecer a Deus por esse privilégio. Contudo, se estamos expostos a perigos (não os extremos, óbvio) é sinal que não estamos fugindo da vida, nos escondendo, inutilmente, para preservar a integridade física e/ou mental.
Claro que devemos nos prevenir, sobretudo, dos riscos desnecessários. Mas há situações que não comportam prevenção. Temos de enfrentá-las, atentos, e superá-las com inteligência e habilidade. O jornalista Joel Silveira, que por muitos anos foi correspondente de guerra, conclui desta forma seu “Poema”: “Onde estão os perigos desta vida?/Quero-os todos para mim aqui ou longe/a eles o melhor estilo e o melhor entusiasmo./E que sobre eles o amor e a alegria se debrucem/como rosas abertas num campo minado”.
Somos, como se vê, desafiados a cada momento. Alguns desafios – os que implicam em riscos para nossa integridade e que podem até resultar na nossa morte – é mister que não sejam aceitos. Outros, porém, são essenciais de se encarar. Se fugirmos deles, nossa vida perderá o sentido e terá sido em vão. Por exemplo, quando por uma infelicidade, por doença ou acidente, ficamos com alguma limitação física (paralisia infantil, hemiplegia, cegueira, surdez etc.) temos diante de nós dois caminhos. Um é aparentemente cômodo, mas de resultados desastrosos. O outro implica às vezes em esforço sobreumano.
Mas quando bem-sucedidos, somos tomados por uma sensação deliciosa de vitória que não tem preço. O primeiro desses caminhos é o da acomodação. O segundo é o da reação, do esforço, da força de vontade, da superação, da autodisciplina, da garra. Nem sempre redunda em êxito, pois depende da limitação de cada um. Mas quando dá certo... O sentimento que o acompanha é indescritível.
Desde que seja compreendido e direcionado pelo raciocínio, o instinto é útil, necessário e indispensável. Torna-se ruim quando passa por cima da razão. Quando desencadeia as forças cegas, primitivas, caóticas que existem latentes no coração humano. Quando o homem retroage ao princípio e perde de vista as conquistas éticas e morais de sucessivas gerações.
O instinto, puro e simples, despido da razão, induz a comportamentos agressivos e egoístas. Quando uma sociedade é baseada apenas nele, inexistem a solidariedade, a piedade e o sentimento do coletivo. Ela corre o risco de extinção, mergulhada no caos e na violência. Nas atuais, embora camuflado por um "verniz" civilizatório, sobrevive forte e feroz. E, mais do que isso, em muitas prevalece, impedindo sua evolução e a ameaçando de extinção.
Caso não haja outro tipo de vida, além-túmulo, somos, então, sentenciados com a mais cruel e dura das sentenças. Viemos para um universo estranhíssimo, cercados de perigos por todos os lados, submetidos a obrigações de toda a sorte, com raros e fugazes momentos de prazer. Podemos ter alguma doença incurável, em meio a atrozes sofrimentos Podemos ser decapitados por algum fanático, ou mortos por alguma fera selvagem que fuja de um circo, ou assassinados por algum maluco, ladrão ou policial que nos confunda com algum bandido, ou atropelados por algum automóvel etc.
E mesmo que escapemos dessas tragédias, e levemos vidas razoavelmente alegres e felizes, podemos ser surpreendidos, a qualquer momento, pela paranóia de algum imbecil submisso, que atenda a uma ordem suicida, de algum idiota detentor do poder, e lance algum dos milhares de artefatos nucleares que há por aí sobre nossa cidade e nos destrua. Trágico, não é mesmo? Prefiro crer noutra vida melhor. E você?
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
A vida está em permanente risco, em um universo colossal, misterioso e, sobretudo, perigoso para a nossa fragilidade. Nosso instinto de sobrevivência, se funcionando adequadamente, nos leva a agir com prudência, visando à nossa segurança pessoal e a dos que dependam de nós. Induz-nos, por exemplo, a não colocarmos as mãos no fogo, para que não se queimem. Ou a não olhar diretamente para o sol, o que, se o fizermos, resultará em cegueira. Ou a não saltar do alto de uma montanha para o abismo ou do 30º andar de um prédio, achando que nada irá nos acontecer. E as ações de proteção são inúmeras que, se exercidas, nos resguardam de riscos evitáveis e desnecessários de várias naturezas. Não de todos, óbvio.
Há situações em que, mesmo sem nos arriscarmos, estamos em permanente perigo, principalmente de perder a vida. São os casos das catástrofes naturais, como terremotos, tsunamis, vulcões, tempestades devastadoras e outras tantas hecatombes. Mesmo que não venhamos a nos dar conta, jogamos, o tempo todo, uma perversa roleta-russa com o acaso. A bala sempre pode estar no giro seguinte do tambor do revólver. Ou não. Nunca sabemos. Se soubéssemos e se nossos instintos estivessem em ordem, evitaríamos de premir o gatilho. E mais ainda, não jogaríamos a absurda e suicida roleta-russa.
Há riscos menores, óbvio, que não ameaçam nossas vidas, mas que podem comprometer projetos e gerar ou muita dor, inclusive física, ou o sabor amargo do fracasso. Alguns podem ser evitados, mas nem sempre os evitamos, via de regra por superestimação de nossas forças e/ou capacidades. Outros tantos riscos são absolutamente inevitáveis. Destes, há os que nos proporcionam chances razoáveis de nos sairmos bem. São estes que recomendo, quando houver, no mínimo, 49% de possibilidade de êxito, que enfrentemos. Mas sempre com alguma estratégia muito bem elaborada que nos permita obter sucesso.
Heloísa Buarque de Holanda escreveu, certa feita, a esse propósito: “Os referenciais não existem mais. Não há em que se apoiar. Vivemos um tempo fascinante, mas de alto risco. Para ir mais fundo, eu diria que nem se trata de discutir a existência ou não de referenciais, mas sim de saber jogar com eles. O que não se pode dizer é que há um chão, quando o que existe é uma multiplicidade enorme de planos, por onde temos que transitar”.
Não raro tememos nos arriscar na conquista dos ideais. A causa mais comum disso é o medo de perder uma condição às vezes mesquinha, mas com a qual nos conformamos. Há ocasiões em que achamos que o sucesso virá naturalmente, sem que precisemos nos esforçar. Puro engano! Claro que o risco tem que ser sempre que possível calculado. Tem que nos proporcionar, reitero, pelo menos 49% de probabilidade de êxito.
Mas devemos lutar, todos os dias da vida, sobretudo, para sermos necessários aos que nos cercam: à nossa comunidade, à família, aos amigos e, por que não, ao mundo, sem esperar recompensas e nem temer riscos de decepção. O filósofo Ralph Waldo Emerson observa: “Por que renunciar ao direito de atravessar os desertos estrelados da verdade, em troca dos confortos prematuros de um quintal, uma casa e um celeiro? Torna-te necessário no mundo e a humanidade te dará o pão...Nossa vida – a vida de todos nós – é idêntica”. Eu acrescentaria que diferente é o destino que lhe damos: o da busca da verdadeira grandeza representada pelo servir ou o do conformismo covarde, simbolizado pelo comodismo de ser servido.
Cautela e medo são fatores essenciais para a nossa proteção. São manifestações do instinto de sobrevivência que nos livra de muitas encrencas e, sobretudo, da morte prematura. Mas não podem ser excessivos e nem exacerbados. Se o forem, tendem a inibir nossos melhores sentimentos e até a comprometer (ou até mesmo a impedir) relacionamentos estáveis, duradouros e que nos fariam felizes.
O temor de se ferir, por exemplo, às vezes nos retém e não deixa que nos aproximemos de determinadas pessoas, às quais, não raro, amamos em segredo. Tolice! Nesses casos, vale o risco. William Shakespeare já advertia, há cinco séculos, através de um dos personagens das tantas peças teatrais que escreveu: “O amor não prospera em corações que se amedrontam com as sombras”.
Não temamos, pois, de nos expor. Esse é um risco, reitero, (um dos poucos) que vale a pena correr. Não fechemos as portas do nosso coração àquilo que tende a nos fazer felizes caso se concretize. Temos que dar, sempre, oportunidades ao amor! Podemos, claro, às vezes nos ferir. E não raro, nos ferimos mesmo. Mas as possibilidades de conquistarmos alegrias, satisfações e a própria felicidade são concretas e infinitamente maiores.
Vivemos cercados de perigo, do despertar até a hora de deitar. É como se caminhássemos constantemente por um campo minado, sem sequer nos darmos conta. Por isso, a cada dia que terminamos incólumes, temos que agradecer a Deus por esse privilégio. Contudo, se estamos expostos a perigos (não os extremos, óbvio) é sinal que não estamos fugindo da vida, nos escondendo, inutilmente, para preservar a integridade física e/ou mental.
Claro que devemos nos prevenir, sobretudo, dos riscos desnecessários. Mas há situações que não comportam prevenção. Temos de enfrentá-las, atentos, e superá-las com inteligência e habilidade. O jornalista Joel Silveira, que por muitos anos foi correspondente de guerra, conclui desta forma seu “Poema”: “Onde estão os perigos desta vida?/Quero-os todos para mim aqui ou longe/a eles o melhor estilo e o melhor entusiasmo./E que sobre eles o amor e a alegria se debrucem/como rosas abertas num campo minado”.
Somos, como se vê, desafiados a cada momento. Alguns desafios – os que implicam em riscos para nossa integridade e que podem até resultar na nossa morte – é mister que não sejam aceitos. Outros, porém, são essenciais de se encarar. Se fugirmos deles, nossa vida perderá o sentido e terá sido em vão. Por exemplo, quando por uma infelicidade, por doença ou acidente, ficamos com alguma limitação física (paralisia infantil, hemiplegia, cegueira, surdez etc.) temos diante de nós dois caminhos. Um é aparentemente cômodo, mas de resultados desastrosos. O outro implica às vezes em esforço sobreumano.
Mas quando bem-sucedidos, somos tomados por uma sensação deliciosa de vitória que não tem preço. O primeiro desses caminhos é o da acomodação. O segundo é o da reação, do esforço, da força de vontade, da superação, da autodisciplina, da garra. Nem sempre redunda em êxito, pois depende da limitação de cada um. Mas quando dá certo... O sentimento que o acompanha é indescritível.
Desde que seja compreendido e direcionado pelo raciocínio, o instinto é útil, necessário e indispensável. Torna-se ruim quando passa por cima da razão. Quando desencadeia as forças cegas, primitivas, caóticas que existem latentes no coração humano. Quando o homem retroage ao princípio e perde de vista as conquistas éticas e morais de sucessivas gerações.
O instinto, puro e simples, despido da razão, induz a comportamentos agressivos e egoístas. Quando uma sociedade é baseada apenas nele, inexistem a solidariedade, a piedade e o sentimento do coletivo. Ela corre o risco de extinção, mergulhada no caos e na violência. Nas atuais, embora camuflado por um "verniz" civilizatório, sobrevive forte e feroz. E, mais do que isso, em muitas prevalece, impedindo sua evolução e a ameaçando de extinção.
Caso não haja outro tipo de vida, além-túmulo, somos, então, sentenciados com a mais cruel e dura das sentenças. Viemos para um universo estranhíssimo, cercados de perigos por todos os lados, submetidos a obrigações de toda a sorte, com raros e fugazes momentos de prazer. Podemos ter alguma doença incurável, em meio a atrozes sofrimentos Podemos ser decapitados por algum fanático, ou mortos por alguma fera selvagem que fuja de um circo, ou assassinados por algum maluco, ladrão ou policial que nos confunda com algum bandido, ou atropelados por algum automóvel etc.
E mesmo que escapemos dessas tragédias, e levemos vidas razoavelmente alegres e felizes, podemos ser surpreendidos, a qualquer momento, pela paranóia de algum imbecil submisso, que atenda a uma ordem suicida, de algum idiota detentor do poder, e lance algum dos milhares de artefatos nucleares que há por aí sobre nossa cidade e nos destrua. Trágico, não é mesmo? Prefiro crer noutra vida melhor. E você?
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Sem contar com o mundo infinitesimal, microscópico que não vemos e nem sempre conseguimos nos livrar, além, é claro da genética. O texto tem um quê de auto-ajuda.
ResponderExcluirDestaco:
"é o medo de perder uma condição às vezes mesquinha, mas com a qual nos conformamos."
Mexa-se!