O sentido de ser calouro
* Por Mara Narciso
* Por Mara Narciso
A Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, posteriormente UNIMONTES, já existia com a Fafil e a Fadir, faculdades de filosofia e direito em Montes Claros, quando surgiu a Famed, faculdade de medicina. Foi em 1969 que a primeira turma surgiu após o vestibular. Eram 40 vagas, e o ensino era pago.
Os primeiros estudantes de medicina eram trinta e oito homens e duas mulheres, e entre elas, Milena, a minha mãe. No dia do trote eu fui com ela ao Colégio Marista São José, onde a faculdade funcionaria. Para o meu pai não reclamar, ela me levou para a confusão que constava de uma cerimônia de batismo, impetrada por médicos, futuros professores, que não foi nada além de pintar os cabelos dos calouros.
Eram rapazes de 18 a 20 anos em sua maioria, e pareciam passarinhos cantando na primavera, de tão contentes que estavam. Os cabelos foram descoloridos na parte da frente e ficaram num tom amarelo ouro bem chocante. Após a sessão de pintura fizeram uma fila indiana, e a pé foram desfilar e se mostrar pelo centro da cidade. Passaram na rua Dr. Santos, em frente ao local em que é hoje o Shopping Popular. Houve queima de fogos para anunciar a passagem dos futuros médicos. Numa cidade pequena e sem grandes acontecimentos, o desfile dos calouros causou sensação.
Durante algum tempo, os acadêmicos de medicina ostentaram o amarelo na cabeça como um valioso troféu (minha mãe logo repintou os cabelos), e dessa forma ficaram conhecidos na cidade, mesmo os de fora, que eram a maior parte. As moças casadoiras ficavam de olho nos futuros bom-partidos, que na ocasião do assédio eram uma vaga promessa.
Quando os cabelos cresceram – que pena! - e foi preciso ficar sem a marca loira, eles arrumaram um plástico adesivo escrito “Medicina – D.A. Mário Ribeiro” para colocar nos carros e continuar a identificação. Usavam o jaleco longo de anatomia como um uniforme, para mostrar que seriam médicos em seis anos. Os livrões de mais de mil páginas eram carregados com vigor e energia, pois pesavam bastante.
Na hora do intervalo, cuidadosamente escolhido no mesmo horário do recreio do colégio, “os rapazes da medicina”, como eram conhecidos, desciam as escadas e iam ao pátio se exibir para as moças do Colégio São José. As estudantes do Colégio Imaculada Conceição, tidas como as mais bonitas da cidade, além de serem as mais “bem-nascidas”, eram observadas por eles, que desejavam namorar e se casar com elas. As mais afoitas passavam mais de uma vez ao dia na porta do prédio da “Sorveteria Pinguim”, onde da rua se via uma placa provocativa com o nome de uma república deles: “Puleiro dos Anjos”. E que anjos!
O fato de serem da primeira turma os fazia maiores e melhores, além de mais bonitos do que realmente eram. Podiam, e por isso escolhiam entre as moças ricas da cidade. Devido ao jogo duro do meu pai, eles quase não apareciam em minha casa, mas de vez em quando levavam ou buscavam um livro ou anotação da minha mãe, que copiava tudo o que os professores diziam, até mesmo um suspiro. Deve ter sido por isso que Milena formou-se em primeiro lugar.
Os futuros médicos eram disputados para dançar a valsa dos 15 anos das mocinhas, como se fossem artistas. Havia todo um comércio de vaidades, e muitas têm fotos dançando com homens que mal conheciam. E haja constrangimento na hora do convite. Eles aceitavam envaidecidos, sabendo que faziam parte de um mercado de belezas e importâncias.
Os pais esforçavam-se para que as filhas fossem escolhidas, e por isso aprovavam o par para a valsa. Quando o namoro ficava sério, era como se as moças tivessem ganhado na loteria. O casal desfilava pela cidade ostentando o futuro promissor.
Parece estranho? Sim, pois hoje, ninguém conhece ninguém, ninguém sabe nem quem são os médicos, quanto mais os estudantes de medicina das três faculdades que há por aqui.
A primeira turma se formou em 1974, a medicina se proletarizou, os médicos dão seus pulos para conseguir viver. Embora permaneça em alguns a falsa ideia de glamour.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-
Os primeiros estudantes de medicina eram trinta e oito homens e duas mulheres, e entre elas, Milena, a minha mãe. No dia do trote eu fui com ela ao Colégio Marista São José, onde a faculdade funcionaria. Para o meu pai não reclamar, ela me levou para a confusão que constava de uma cerimônia de batismo, impetrada por médicos, futuros professores, que não foi nada além de pintar os cabelos dos calouros.
Eram rapazes de 18 a 20 anos em sua maioria, e pareciam passarinhos cantando na primavera, de tão contentes que estavam. Os cabelos foram descoloridos na parte da frente e ficaram num tom amarelo ouro bem chocante. Após a sessão de pintura fizeram uma fila indiana, e a pé foram desfilar e se mostrar pelo centro da cidade. Passaram na rua Dr. Santos, em frente ao local em que é hoje o Shopping Popular. Houve queima de fogos para anunciar a passagem dos futuros médicos. Numa cidade pequena e sem grandes acontecimentos, o desfile dos calouros causou sensação.
Durante algum tempo, os acadêmicos de medicina ostentaram o amarelo na cabeça como um valioso troféu (minha mãe logo repintou os cabelos), e dessa forma ficaram conhecidos na cidade, mesmo os de fora, que eram a maior parte. As moças casadoiras ficavam de olho nos futuros bom-partidos, que na ocasião do assédio eram uma vaga promessa.
Quando os cabelos cresceram – que pena! - e foi preciso ficar sem a marca loira, eles arrumaram um plástico adesivo escrito “Medicina – D.A. Mário Ribeiro” para colocar nos carros e continuar a identificação. Usavam o jaleco longo de anatomia como um uniforme, para mostrar que seriam médicos em seis anos. Os livrões de mais de mil páginas eram carregados com vigor e energia, pois pesavam bastante.
Na hora do intervalo, cuidadosamente escolhido no mesmo horário do recreio do colégio, “os rapazes da medicina”, como eram conhecidos, desciam as escadas e iam ao pátio se exibir para as moças do Colégio São José. As estudantes do Colégio Imaculada Conceição, tidas como as mais bonitas da cidade, além de serem as mais “bem-nascidas”, eram observadas por eles, que desejavam namorar e se casar com elas. As mais afoitas passavam mais de uma vez ao dia na porta do prédio da “Sorveteria Pinguim”, onde da rua se via uma placa provocativa com o nome de uma república deles: “Puleiro dos Anjos”. E que anjos!
O fato de serem da primeira turma os fazia maiores e melhores, além de mais bonitos do que realmente eram. Podiam, e por isso escolhiam entre as moças ricas da cidade. Devido ao jogo duro do meu pai, eles quase não apareciam em minha casa, mas de vez em quando levavam ou buscavam um livro ou anotação da minha mãe, que copiava tudo o que os professores diziam, até mesmo um suspiro. Deve ter sido por isso que Milena formou-se em primeiro lugar.
Os futuros médicos eram disputados para dançar a valsa dos 15 anos das mocinhas, como se fossem artistas. Havia todo um comércio de vaidades, e muitas têm fotos dançando com homens que mal conheciam. E haja constrangimento na hora do convite. Eles aceitavam envaidecidos, sabendo que faziam parte de um mercado de belezas e importâncias.
Os pais esforçavam-se para que as filhas fossem escolhidas, e por isso aprovavam o par para a valsa. Quando o namoro ficava sério, era como se as moças tivessem ganhado na loteria. O casal desfilava pela cidade ostentando o futuro promissor.
Parece estranho? Sim, pois hoje, ninguém conhece ninguém, ninguém sabe nem quem são os médicos, quanto mais os estudantes de medicina das três faculdades que há por aqui.
A primeira turma se formou em 1974, a medicina se proletarizou, os médicos dão seus pulos para conseguir viver. Embora permaneça em alguns a falsa ideia de glamour.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-
Amiga Mara,
ResponderExcluirPor ter em minha família 3 gerações de médicos, me identifiquei bastante com seu texto. E concordo também com o declínio do glamour da profissão, embora a chancela do Doutor, do Médico, ainda subsista. Com todo merecimento. Um grande abraço e parabéns.
Tinha uma moça que namorava com um "médico", curioso, fui averiguar, sabe o que ele era? "Médico das canetas"rsrs
ResponderExcluirTem falsos médicos, falsos advogados, falsos... o escambau!Flagrante: "Falso médico é preso em flagrante em posto de saúde no RJ..."
E por aí vai...
Abração do,
José Calvino
RecifeOlinda
Minha mãe foi a primeira médica da família. Depois veio eu e mais oito primos e sobrinhos. Alguns mais estão na forma. Paga-se mal aos médicos, faltam médicos, pessoas ficam sem atendimento. Há muita coisa errada no lado de baixo do equador. Obrigada Marcelo e José Calvino pelas presenças e pelos comentários.
ResponderExcluirNão só a medicina, mas muitos outros cursos também perderam o glamour. Meu filho, estudante de Direito pela UFG-GO, declara, veementemente, não querer exercer a profissão de advogado. O que a maioria deseja hoje é um cargo público. E ele não foge à regra.
ResponderExcluirBelo texto Mara.
Abraços.
Mara,
ResponderExcluirGlamour ????
E o que você diria da profissão de jornalista ??? A fama " glamourosa" é muito maior. Porém, existe uma grande diferença, exerce a medicina, quem tem diploma. Hoje são mais de 190 milhões de jornalistas sem diploma. Todo mundo virou jornalista.
O tempo passa, mas ainda Medicina, Engenharia e Direito são as profissões mais " glamourosas". Nada é fácil. Sei. Preciso é , muita batalha, para sobreviver em qualquer profissão, mas só exerce a medicina, quem é medico....
bj
PS - Oitenta e oito por cento dos " futuros" advogados, não passaram na prova da OAB. Dá-lhe ensino.
Dos 106.891 bacharéis inscritos, 88,2% não passaram na prova. Conheci advogado escrevendo uma petição ao juiz: "data venha"!
ResponderExcluirMarleuza, eu também gostaria de ter tido competência para passar num concurso. Não tive. Agora é tarde para chorar. Seu filho está certo de querer um emprego fixo. Até quando isso será válido, não sabemos.
ResponderExcluirCelamar, que fez o curso de jornalismo sabe que o curso é bem mais do que ler e escrever. Em nome de uma pseudo liberdade de expressão, todos são jornalistas. Interessante é que, até quem defende o fim do diploma, como a Veja e a Rede Globo, por exemplo, não contratam os sem-diploma.
Calvino, o resultado foi um desastre. Todos precisamos estudar mais.
Obrigada gente, pelos comentários. Foi ótimo, porque ainda ontem Pedro Bondaczuk questionava: "Para quê?", após afirmar que durante cinco anos e quatro meses o Literário tinha sido atualizado todos os dias sem falhar um dia sequer. Então vamos entrar, ler e comentar, pois a falta de interação é muito frustrante.
ResponderExcluir