Caso de medo
* Por Harry Wiese
A fantástica história de Alfred Angsthase não teria repercutido, não fosse o senhor August Joseph Ewald Quasselbunde homem com uma enorme capacidade de comunicação, principalmente, quanto ao tratamento da desgraça alheia. Espalhava os boatos com uma rapidez sem precedentes. Eta, língua comprida a do fofoqueiro mordaz! Azar de quem não era amigo dele.
O causo sucedeu-se nos primeiros anos de colonização, quando Hammonia ainda era um pequeno povoado. Residia, ali, quase no centro, um homem respeitado, honesto, trabalhador e muito dedicado à família. Indivíduo honrado como ele era difícil de ser encontrado. Mas como todos os seres humanos, ele também tinha o seu ponto fraco. Apesar de todos os esforços, até vitamina tomou, Alfred não conseguiu desenvolver a capacidade absoluta e necessária naquele ambiente hostil: a coragem.
O medo, este desprezível sentimento, fê-lo, muitas vezes, enroscar-se em situações trágicas para ele e hilariantes para os outros. E então os desocupados deitavam falação nele e riam-se dele; às vezes, eram sorrisos marotos sem muita maldade e em outras, gargalhadas de segurar barriga.
Que se danassem os cabelos em pé, os frios na espinha, a rigidez nos calcanhares e as batidas cardíacas aceleradas. Que se danassem também as gozações dos amigos. Não havia solução. O medo o dominava.
─ Às vezes, tenho medo até de mim mesmo ─ dizia constrangido.
Alfred Angsthase já empreendeu fuga espetacular por causa de um assobio de um pássaro, ou de um pau parecido com cobra, ou mesmo por causa do reflexo do luar em uma roça de abóboras. Por estas e outras coisas, ele era dado a jogar corrida com o vento.
Depois de tantos desastres, estava decidido. Alfred não sairia mais à noite, exceto por motivo de força maior, como: chamar a parteira, socorrer a égua no banhado, ou pedir remédio emprestado dos vizinhos em caso de dor de barriga dos meninos.
Aconteceu que numa noite maldita, o pimpolho não dormia e não deixava ninguém dormir, por causa de uma ridícula dor no abdômen. Não havia mais óleo de rícino que desse jeito. Maldita hora e malditas jabuticabas.
A ordem cruel veio de sua esposa:
─ Alfred, vá buscar remédio no Müller.
Vestiu o paletó que era de doação, com alguns números a mais em relação ao seu corpo franzino e com a lanterna de querosene de chama frágil, pôs-se na estrada em busca do remédio milagroso. Atendido com a maior benevolência pelo farmacêutico, pôs-se no caminho de retorno e rogou aos céus a mesma proteção como fora na vinda.
Andando assim com o passo acelerado por causa de algum bicho que pudesse atravessar a estrada, ou, nunca se sabe, um salteador aparecendo detrás de um arbusto qualquer e o coração batendo rápido, por causa da preocupação com a doença do filho, percebeu algo estranho. Olhou para trás, meio mal olhado e chegou à triste conclusão de que alguma coisa muito estranha o estava seguindo.
Com a adrenalina invadindo o sangue, o corpo e o cérebro pensando o pior, Alfred agilizou os passos até o ponto máximo, limite entre andar e correr. Mesmo com toda a ligeireza, percebeu que aquela coisa ainda o acompanhava. Convicto da fatalidade, correu mais rápido que um cavalo de corrida. E nada de livrar-se daquela coisa estranha. Perdeu a lanterna e o óleo de rícino. Quando entrou na casa, jogou-se nos braços da mulher exausto, quase morto.
─ Querida, quase morri! Alguém me seguiu até o portão! Parecia que alguém com a metralhadora estava atirando em mim.
Todos se alegraram por não ter acontecido o pior. A dor de barriga do menino desapareceu como milagre só de ouvir a tragédia do pai.
No dia seguinte, Alfred já recomposto daquele episódio lamentável, encontrou seu mui amigo August Joseph Ewald Quasselbunde com um sorriso irônico de orelha a orelha. Não entendeu como ela já sabia de sua desgraça. A língua do povo é feroz, ferocíssima.
Alfred se assustara do próprio paletó que saudava a noite ao sabor do vento que vinha lá das bandas do Rio Hercílio. Quanto mais rápido se deslocava, mais barulho produzia aquela peça de roupa folgada. Mas quem poderia adivinhar tal despropósito?
O medo faz coisas! Ah, isso faz!
*O autor é professor, escritor e poeta. Reside me Ibirama/SC. Sua principal obra é o romance A sétima caverna, publicado pelo Editora Hemisfério Sul.
* Por Harry Wiese
A fantástica história de Alfred Angsthase não teria repercutido, não fosse o senhor August Joseph Ewald Quasselbunde homem com uma enorme capacidade de comunicação, principalmente, quanto ao tratamento da desgraça alheia. Espalhava os boatos com uma rapidez sem precedentes. Eta, língua comprida a do fofoqueiro mordaz! Azar de quem não era amigo dele.
O causo sucedeu-se nos primeiros anos de colonização, quando Hammonia ainda era um pequeno povoado. Residia, ali, quase no centro, um homem respeitado, honesto, trabalhador e muito dedicado à família. Indivíduo honrado como ele era difícil de ser encontrado. Mas como todos os seres humanos, ele também tinha o seu ponto fraco. Apesar de todos os esforços, até vitamina tomou, Alfred não conseguiu desenvolver a capacidade absoluta e necessária naquele ambiente hostil: a coragem.
O medo, este desprezível sentimento, fê-lo, muitas vezes, enroscar-se em situações trágicas para ele e hilariantes para os outros. E então os desocupados deitavam falação nele e riam-se dele; às vezes, eram sorrisos marotos sem muita maldade e em outras, gargalhadas de segurar barriga.
Que se danassem os cabelos em pé, os frios na espinha, a rigidez nos calcanhares e as batidas cardíacas aceleradas. Que se danassem também as gozações dos amigos. Não havia solução. O medo o dominava.
─ Às vezes, tenho medo até de mim mesmo ─ dizia constrangido.
Alfred Angsthase já empreendeu fuga espetacular por causa de um assobio de um pássaro, ou de um pau parecido com cobra, ou mesmo por causa do reflexo do luar em uma roça de abóboras. Por estas e outras coisas, ele era dado a jogar corrida com o vento.
Depois de tantos desastres, estava decidido. Alfred não sairia mais à noite, exceto por motivo de força maior, como: chamar a parteira, socorrer a égua no banhado, ou pedir remédio emprestado dos vizinhos em caso de dor de barriga dos meninos.
Aconteceu que numa noite maldita, o pimpolho não dormia e não deixava ninguém dormir, por causa de uma ridícula dor no abdômen. Não havia mais óleo de rícino que desse jeito. Maldita hora e malditas jabuticabas.
A ordem cruel veio de sua esposa:
─ Alfred, vá buscar remédio no Müller.
Vestiu o paletó que era de doação, com alguns números a mais em relação ao seu corpo franzino e com a lanterna de querosene de chama frágil, pôs-se na estrada em busca do remédio milagroso. Atendido com a maior benevolência pelo farmacêutico, pôs-se no caminho de retorno e rogou aos céus a mesma proteção como fora na vinda.
Andando assim com o passo acelerado por causa de algum bicho que pudesse atravessar a estrada, ou, nunca se sabe, um salteador aparecendo detrás de um arbusto qualquer e o coração batendo rápido, por causa da preocupação com a doença do filho, percebeu algo estranho. Olhou para trás, meio mal olhado e chegou à triste conclusão de que alguma coisa muito estranha o estava seguindo.
Com a adrenalina invadindo o sangue, o corpo e o cérebro pensando o pior, Alfred agilizou os passos até o ponto máximo, limite entre andar e correr. Mesmo com toda a ligeireza, percebeu que aquela coisa ainda o acompanhava. Convicto da fatalidade, correu mais rápido que um cavalo de corrida. E nada de livrar-se daquela coisa estranha. Perdeu a lanterna e o óleo de rícino. Quando entrou na casa, jogou-se nos braços da mulher exausto, quase morto.
─ Querida, quase morri! Alguém me seguiu até o portão! Parecia que alguém com a metralhadora estava atirando em mim.
Todos se alegraram por não ter acontecido o pior. A dor de barriga do menino desapareceu como milagre só de ouvir a tragédia do pai.
No dia seguinte, Alfred já recomposto daquele episódio lamentável, encontrou seu mui amigo August Joseph Ewald Quasselbunde com um sorriso irônico de orelha a orelha. Não entendeu como ela já sabia de sua desgraça. A língua do povo é feroz, ferocíssima.
Alfred se assustara do próprio paletó que saudava a noite ao sabor do vento que vinha lá das bandas do Rio Hercílio. Quanto mais rápido se deslocava, mais barulho produzia aquela peça de roupa folgada. Mas quem poderia adivinhar tal despropósito?
O medo faz coisas! Ah, isso faz!
*O autor é professor, escritor e poeta. Reside me Ibirama/SC. Sua principal obra é o romance A sétima caverna, publicado pelo Editora Hemisfério Sul.
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