Passado e futuro, dor e
delícia
* Por
Anna Lee
O Profeta,
a novela das seis que a Globo estreou há pouco, é um remake
e uma trama de época. Uma fórmula que a emissora repete,
certamente, porque funcionou em Sinhá
Moça – a
antecessora – e em outras experiências recentes, e que, agora,
também tem tudo para dar certo, apesar da evidente inexperiência do
protagonista, Thiago Fragoso. O profeta – Marcos – é um jovem
que tem o dom da clarividência e que terá de aprender a lidar com a
dor e a delícia de ser o que é (para citar Caetano Veloso).
A novidade – boa, por sinal
– é que a Globo transportou para os anos 50 a história original,
escrita por
Ivani Ribeiro (1922-1995) nos anos 70 e veiculada pela TV Tupi. Anos
50: tempos de glamour embalados pelo som do rock
and roll,
a nova música que surgia. Tempos esses em que James
Dean fazia sucesso como o garoto rebelde que usava blusão de couro e
jeans no filme Juventude
Transviada (1955).
E Marlon Brando, de camiseta branca, exibia-se displicente em Um
Bonde Chamado Desejo
(1951). Tempos esses em que as garotas gastavam metros e metros de
tecido para confeccionar vestidos amplos, de cintura bem marcada e na
altura dos tornozelos. Luvas e outros acessórios luxuosos, como
peles e joias, compunham o visual. Grace Kelly, Audrey Hepburn, Rita
Hayworth, Marilyn Monroe e Brigitte Bardot, cada uma no seu estilo:
chique, ingênuo ou sexy, eram referências.
A Globo é especialista em
retratar épocas. O clima dos anos 50 reproduzido para a novela O
Profeta foi sem
dúvida um acerto e encheu meus olhos. Mas o que ficou na minha
cabeça depois que acabou o primeiro capítulo foram os gritos
angustiados do profeta:
“De que adianta saber, se eu
não posso entender? Olha para mim, Deus. Olha, meu coração está
sangrando, eu perdi meu irmão. (...) Eu não quero esse poder. Eu
não quero ter sonhos, intuições. De que adianta saber se eu não
posso impedir? O senhor cortou a minha própria carne. Tira de mim
esses olhos. Tira de mim essa luz, senhor”.
Marcos havia sonhado com um
barquinho de papel solto num rio caudaloso, mas, quando Lucas, o
irmão menor, pede para que ele recolha as ovelhas sozinho porque
quer remar um pouco, não associa os fatos. Apenas diz que não gosta
que o irmão entre no rio por causa das corredeiras, porém, diante
da insistência do menino, cede. A canoa de Lucas vira e ele bate com
a cabeça em uma pedra. Marcos, de repente, se lembra do barquinho e,
ao intuir o que está para acontecer, corre desesperadamente para
tentar alcançar o irmão e salvá-lo, mas não consegue.
A chave da trama está aí. É
justamente ao deparar-se com a impossibilidade de controlar a vida
que o público se identifica, aprecia a história e ajuda a manter os
índices de audiência acima dos 30 pontos no ibope, considerados
bons para o horário das 18h. Afinal, quem nunca quis saber sobre o
futuro? Se há alguém que nunca quis, que jogue a primeira pedra. E
que também conteste o fato de que é reconfortante descobrir que
mesmo a pessoa que tem a capacidade de anunciar os desígnios divinos
e predizer acontecimentos por inspiração de Deus, como é o caso do
profeta, não pode interferir no que está por vir. Isso nos põe
todos, profetas e simples mortais, numa mesma vala e me obriga ao
lugar-comum de que somente a Deus (ainda que não se acredite nele) o
futuro pertence. A nós, restam nossas dores e delícias. Seja nos
anos 50, 70 ou quaisquer outros.
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Texto publicado na Revista Flash
*Jornalista, mestranda em
Literatura Brasileira, autora, com Carlos Heitor Cony, de "O
Beijo da Morte"/Objetiva, ganhador do Prêmio Jabuti/2004, entre
outros livros. Colunista da Flash, trabalhou na Folha de S. Paulo e
nas revistas Quem/Ed.Globo e Manchete.
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