sábado, 25 de novembro de 2017

Puteiro Brasil


* Por Fábio de Lima


Estávamos na pracinha no centro da cidade. Ali era o point. Muitas mulheres, muita gente bonita. Mas, por algum motivo, não estávamos agradando. Uma hora já havia se passado e não conseguíamos uma conversa consistente com nenhuma das mulheres daquela passarela improvisada. Havia de todos os tipos; loiras, morenas, negras, ruivas e até asiáticas – mas nada. Foi quando meu amigo, na sapiência de um habitante local, sentenciou:
-É o som!
-O quê?
-O som! A falta dele. Meu carro está sem som. Tirei ele do carro hoje. Vou colocar um modelo mais potente, mas só vou fazer isso amanhã. Enquanto não tivermos carro com som as mulheres não nos darão bola. É uma espécie de regra da região.

Achei uma loucura aquela conversa. Mas o Brasil é um país grande, cada Estado tem uma cultura, cada região tem hábitos considerados estranhos por habitantes de outro lugar. Códigos e regras próprias. Eu respeito isso. Estávamos em Guarabira, cidade do interior da Paraíba. Pelo menos 97 km de João Pessoa e pouco mais de 50 mil habitantes.

-Porra, Zé! Você me chamar para vir à pracinha e tirar o som do carro. Que amigo é você?
-Poxa, Fábio! Eu lá sabia que você estava vindo de São Paulo pra cá hoje?! Faz mais de 10 anos que você não aparece.

O José Inácio estava certo. Fazia tempo que eu não aparecia. A vida em São Paulo é muito corrida. Eu só estava ali, naquele momento, porque havia entrevistado umas pessoas, em João Pessoa, na noite anterior. Uns políticos influentes da região. De João Pessoa para Guarabira foram apenas 50 minutos de carro. Uma ótima oportunidade para fazer uma visita para o meu velho amigo Zé.

-Vamos num puteiro?
Depois de pensar profundamente por 2 segundos. Depois de uma análise minuciosa num piscar de olhos, eu disse:
-Vamos!

Era um puteiro de beira de estrada, se é que aquele lugar inóspito poderia ser chamado de estrada ou mesmo de lugar. Era mato por todos os lados e uma casa caindo aos pedaços, pintada com cal e lavada pelo tempo. Logo na entrada um cachorro vira-latas recebia o visitante com total demonstração de receptividade. Ele urinava na roda do carro e depois rosnava para os visitantes.
-O lugar é meio feio, Fábio, mas tem cada gatinha!

Deparei com a primeira gatinha rapidamente. Era uma garota baixinha, por volta de 1m50, cabelos lisos pretos e compridos – pele morena jambo, corpo bonito, aparentava 24 anos, mas um rosto inexpressivo, entre o feio e o sem graça.
-Eu não te falei que o lugar era bom?!

O Zé parecia animado. Foi entrando e logo fazendo gestos de tudo bem para as pessoas do lugar. Pessoas?! Bem, havia um sujeito magro de bigode atrás de um balcão e rodeado de bebidas. Ele era a cara do Sr. Madruga daquele seriado de TV chamado Chaves. Havia um velho gordo e, aparentemente, já bêbado sentado numa mesa do canto do salão com uma garota. Esta sim era bonita. Aparentava uns 25 anos, morena jambo também, por volta de 1m70 de altura, corpo bem chamativo – rosto muito bonito. E nos fundos do salão havia uma garota gordinha sentada sozinha numa mesa. Era um pouco barriguda – seios fartos, cabelo curto, uma pele morena já quase negra. Caro leitor, este era todo o público do lugar.
-Olha que peituda, Fábio!

O Zé já se encaminhava para a mesa da garota de cabelo curto e seios fartos. Eu acompanhei o Zé. Minutos depois a garota inexpressiva que eu encontrara logo na entrada já nos fazia companhia na mesa. O nome dela era Adriana. Havia nascido numa cidade próxima a Guarabira chamada Belém. Tinha 19 anos. Já era casada, mas seu marido estava na cadeia. Andava triste com a situação, mas como precisava de dinheiro estava ali, disponível. A peituda se chamava Josefina, mas preferia ser chamada de Fina – embora de fina não tivesse nada, segundo suas próprias palavras. Tinha 21 anos, era de uma cidade da Paraíba chamada Bananeiras. Dizia que era prostituta, porque gostava de sexo e o dinheiro que ganhava valia a pena. Dizia já ter ficado uns 6 meses em São Paulo e agora estava juntando um dinheiro para ficar um tempo no Rio de Janeiro.
-Eu sou carioca e ele é paulista! Estamos passando férias aqui no nordeste!

O Zé parecia apaixonado pela peituda. Embora tivesse a cabeça chata, como todo nordestino, sotaque arrastado e falasse ‘vice’ a cada frase completada e ‘oxe’ a cada comentário espirituoso, dizia a todo tempo que era carioca, que morava na praia, que os cariocas eram bons de cama etc.
-Deixa eu ver seus peitos!
-Quanto você me paga?
-Se eles forem bonitos a gente combina.
-Eles são bonitos.
-Eu te pago uma cerveja.
-Eu quero um conhaque.
-Garçom, um conhaque para esta gata aqui.

E lá veio o Sr. Madruga com o conhaque na mão. Eu tentava puxar assunto com a Adriana, mas ela parecia entediada. Eu já não agradara às meninas na pracinha e parecia que no puteiro também não fazia sucesso. Fina já estava com os peitos à mostra. O Zé estava eufórico na mesa e dizia que aquilo era grande demais e por isso só podia ser de silicone. Fina dava gargalhada e jurava que os peitos eram dela mesmo.
-Eu vou apertar para ver.
-Não vai não.
-Eu apertando sei se é silicone ou não.
-Quanto você paga?
-Eu pago outro conhaque.
-Mas agora eu quero um uísque.

Fina tentava ser fina, mas eu achava que querer uísque naquele lugar era exigência demais. Alguém fino de verdade teria bom senso. Adriana foi direto ao assunto e disse que a transa custava R$ 20,00 e o quarto era R$ 15,00 e depois perguntou se eu queria ir logo. Eu explicava para ela que estava ali só para conhecer o lugar – conversar com uma garota bonita como ela, mas que não ia transar – pois tinha que ir embora rapidamente, precisava voltar para São Paulo logo pela manhã.
-É de verdade!
-Eu te disse!
-Mas que peitão!

Enquanto o Zé se entendia com a Fina um monte de homens chegou ao lugar. Não eram clientes, eram policiais.
-Todo mundo de pé! Documento na mão! Isso aqui é uma inspeção de rotina. Quem não deve não precisa ter medo.
O Zé parou com as brincadeiras, me olhou sério e falou:
-Fica calmo e dá o documento para ele. Ele vai passar a mão no seu saco para ver se você está armado. Fica tranqüilo e deixa que eu resolvo isso.

O fato é que um policial realmente passou a mão no meu saco, enquanto outro olhou meu documento. O Zé dizia que eu era de São Paulo, que era jornalista, que estava passando férias na Paraíba e procurando conhecer umas menininhas. Os policias nem olhavam para o Zé, enquanto ele falava tanta besteira. No fim os policiais se retiraram do lugar e me desejaram uma boa noite.

-Estes caras são folgados. Eu conheço eles. Estudaram comigo na adolescência.
O Zé parecia não ter mais interesse na Fina e já perguntava se eu queria ir embora.
-Vamos trepar?! Eu dou para os dois de uma vez só e cobro apenas R$ 35,00 de vocês.
Fina tentava ganhar sua noite de trabalho, mas via que seus possíveis clientes não tinham mais interesse. Adriana havia sumido do lugar sem nem dizer tchau. O Sr. Madruga espantava as moscas de trás do balcão munido apenas de um pano de prato.
-O lugar é bom! Hoje tinha pouca menina, mas tem cada gata aí, Fábio! Você precisa vir a Guarabira mais vezes.

Enquanto deixávamos o lugar visualizei uma placa de madeira pendurada na porta de entrada. Nela estava escrito RECANTO BRASIL. Pensei na miséria nordestina, na indústria da seca, nos políticos que eu havia entrevistado no dia anterior e em jornalistas e profissionais liberais, como eu, que saem do Sul e Sudeste do país para comerem as menininhas nordestinas. Então, pensei que esse país não passa de um puteiro e mais certa seria uma placa escrita PUTEIRO BRASIL pendurada na entrada.

-Claro, Zé! Preciso vir mais vezes aqui!

Era outubro de 2003. Faz tempo que não encontro com o Zé.


*Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Atua como repórter freelancer para o jornal Diário do Comércio (SP) e é diretor de programação da Cinetvnet (TV pela WEB). Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.


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