segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Goles acesos do Sr. Cunha


* Por Pollyana Leticia



Hoje era dia do deadline na redação. Saí de lá onze e meia da noite, andei uns três quarteirões, e fui em direção ao bar do Márcio.

Sentei, e pedi uma dose de vinho, não sei bem ao certo porque escolhi engolir isso, não sei...Mas, vai ver que realmente eu estava precisando... Na verdade, eu não queria confessar, mas... Ando meio cabisbaixo com algumas neuroses inchadas pelo meu amarelado estresse. Será que a anemia voltou a me perturbar? Sei lá! A vida de um jornalista, de vez quando, é amarela, outras vezes fica roxa pelas horas que mergulha no céu de pautas, e chega até ficar preta pelos processos jurídicos.

E, para alegrar o começo da semana, lá estava eu, na tentativa de fugir das medíocres pessoas tidas como justiceiras, a quererem processar-me por uma mediocridade, que não pretendo nem ao menos citar. Simplesmente medíocres adoradores de tamanha mediocridade.

Márcio ofereceu um cigarro, e eu pedi mais uma dose. Não hesitei, que a insônia me convidaria para mais uma madrugada a curtir desabafos, fumaças e a entregar-me a frios banhos no meu box. Oh! Que a brisa se despedia logo mais cedo. Oh! Que o inferno espera por um pouco do meu ‘eu’.

Mas, ainda no bar, reparei aquela gente toda; aquela risada á toa; aquele barulho de brindes; aqueles lamentos femininos por algum fato que alegam ser as mais infelizes das deusas; aquela algazarra toda por causa de um truco. E eu ali, parado a observar. Meus olhos deviam estar vermelhos, dane-se.

Pedi mais uma. Logo em seguida, alguém se aproximou do balcão. Era uma moça, trajada de preto, com alguns piercings no rosto. Pediu uma também. Parecia que ela queria falar algo, parecia que ela precisava de algo.

Por que eu sempre me encontro a pensar que todos precisam de mim? Por que eu sempre me encontro a carregar os problemas dos outros, pelo simples fato de confiar no meu taco? Taco esse que me engana. Ela me olhava e talvez pensasse: “O que será que esse velho tem que se debruça nos vícios?”.

Acho que acabo mesmo acreditando muito na minha modéstia, mesmo que ela venha maquiada ora pelo desânimo, ora pela desilusão. Não sei. Mas eu é que ali precisava de ajuda. E eu digo que era uma questão de urgência emocional.

Quando dei uma pausa nos meus delírios, me peguei indo embora daquele lugar. Lembrei que o Drummond estava à minha espera. Admito, como uma criança boba que não sabe mentir, que no caminho deixei cair pelo menos seis cigarros. E já ansiava por uma pouco de café.

Abri a porta, e Drummond já tinha se recolhido. Então, resolvi ir ao banheiro a ler algo de novo. As manchetes já não mais me atraiam. Acredito que seja por causa do meu estado de espírito que queriam um abrigo num segundo plano.

Ousei não cozer nada que saísse do trivial: dois ovos mexidos e um pouco de feijão de ontem poderiam fazer diminuir as minhas dores de estômago. Essas são as minhas heranças desde o tempo de escola. Relutam em perseguir o velho Cunha.

Com um barulho e outro, o Drummond deu o ar da sua graça. Talvez fosse pelo cheiro dos ovos. Aproveitei, então, pra conversar com ele, a respeito de uma adoção. Drummond abaixou a cabeça.

Nem me desafiou com um latido, nem balançou a cauda, nem colocou as patas nas minhas pernas, nem nada. Eu sei da minha idade, mas nem Buda nega-se a dizer o dia do meu fim. Pois bem, falei ao meu companheiro da Claricinha, ele nem se moveu.

Deixei de lado todo esse monólogo e fui até a estante parda de madeira. Recordei da minha família, e fingi recordar da que eu não construí. Vi alguns versos rascunhados, alguns boletos bancários, um boneco da edição anterior do jornal, um porta-retratos de alguns oito bons amigos da universidade e acabei por achar o meu tarô.

Espalhei as cartas sobre a mesa e acabei por ver os riscos do Sol mais uma vez. Falei, pra mim mesmo, que hoje era domingo, e não arrisquei a pegar a minha velha bengala e sair do portão pra fora. Resolvo cochilar, porque isso me dá fome, e em seguida, estou certo de que a fome será um bom motivo pra mais um desmaio na cama.

Só assim eu posso ser um amante da Lua. Só assim posso conspirar às regras da maioria. Só assim perceberão que eu ainda arraso, que eu troco o meu coração por um fígado, e que podem falar quanto quiserem, porque eu desfecho com um: f...-se.

Ah! E não cogitem em retrucar que, aí sim, eu mostro como se faz na minha terra.

* Jornalista do Tocantins


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