Autossuficiência perigosa
Nada
é mais perigoso para qualquer pessoa, não importa a atividade que
exerça, do que o ingênuo sentimento da autossuficiência. Quem
achar que sabe tudo de tudo, ou mais do que os outros, e não der a
menor importância à opinião alheia, estará semeando urtigas de
decepções nos vastos campos da vida. E estes têm solo sumamente
fértil. E as “plantas” que dele nascerem serão enormes,
espinhentas e dolorosas.
Em
Literatura, o sentimento de autossuficiência pode ser fatal. Não
adianta você dizer: “escrevo à minha maneira, não tenho que dar
satisfações a ninguém, meu modo de escrever me satisfaz, pois
tenho talento e vocação”.
Ocorre
que essas características não lhe são exclusivas. Todos seus
competidores também as têm. Afinal, como tudo na vida, a Literatura
também é atividade altamente competitiva. E como! Por melhor
escritor que você seja, sempre irá competir com outros iguais ou
melhores do que você: por espaços na mídia, por presença nos
catálogos de editoras, por prêmios literários, por cadeiras em
alguma academia etc.etc.etc.
Se
você quiser escrever “apenas” para o próprio deleite, sem se
preocupar com estilo, conteúdo ou correção, escreva um diário ou
faça um blog pessoal e estará tudo bem. Não precisará suar a
camisa para elaborar texto algum, nem para aprender métodos que lhe
facilitem a tarefa e sequer ser cuidadoso na revisão dos seus textos
etc.
Mas
se pretender escrever “profissionalmente”, vender seus livros ou
textos avulsos, creia, apenas o talento, a vocação e a tal da
“inspiração” não lhe bastarão. Você será presa fácil dos
críticos ferozes. Será encalhe certo nas prateleiras das livrarias.
E acabará banido da atividade pelo único personagem que deve nos
importar sempre e sempre, em qualquer circunstância ou ocasião: o
leitor.
Você
terá, sim, crises de criatividade ao longo da carreira, e muitas.
Você cometerá, sim, erros, muitos erros, por haver eventualmente se
descuidado do essencial: uma criteriosa revisão. Você encontrará,
sim, como todo o mundo, dificuldades em criar e desenvolver
determinados personagens, em descrever certos cenários, em
estabelecer diálogos naturais e verossímeis e assim por diante.
Afinal, por melhor que você escreva, você não é gênio. Você é
só um escritor. E há, mundo afora, milhões iguais ou melhores que
você.
O
escritor, além de precisar ser criativo e sempre exato em seu
linguajar, necessita da mesma precisão quando se refere a lugares,
fatos, pessoas etc. que menciona em seus textos. Para isso, todavia,
tem que cultivar o saudabilíssimo hábito da pesquisa. Quem confia
só na memória, quase sempre resvala para o irremediável ridículo.
Muitas
vezes, o escritor arruína um bom livro por falta de capricho, apenas
por causa de mero detalhe que deixou escapar e que estava ao seu
alcance corrigir. Mas os críticos, e principalmente os leitores,
detectam esses senões, que poderiam ser evitados com um tiquinho, um
pouquinho a mais de cuidado.
Fontes
de pesquisa é que não faltam. O ideal é contar com boa e variada
biblioteca, que tenha um pouco (se possível muitíssimo) de todos os
assuntos. Uma hemeroteca bem organizada tende, igualmente, a ser
providencial “pronto-socorro” nos momentos mais inesperados.
Reitero, não confie cegamente na memória. Não é preciso. Hoje há
fartura de informações e você não pode ser preguiçoso e deixar
de acessá-las.
Se
você não tiver biblioteca nem hemeroteca, não será por isso que
ficará na mão. Há inúmeras alternativas para suprir essa
deficiência. Mas você terá que se deslocar, que andar um
pouquinho. Vá, por exemplo, à biblioteca pública da sua cidade.
Ali encontrará auxílio nas horas de necessidade. Algumas (as
melhores, obviamente) contam com coleções dos principais jornais do
País para consulta. Consulte-as, sobretudo as mais antigas. Faça
anotações. Se possível, tire cópias do que estava procurando.
Ah,
você não tem biblioteca e nem hemeroteca e em sua cidade não há
biblioteca pública? Não é motivo para desespero. Você tem seu
computador que, se bem utilizado, lhe traz toda e qualquer informação
que lhe der na veneta. Há uma infinidade de sítios de consulta. Da
minha parte, prefiro o “Google”, que nunca me deixou na mão.
Apenas
a título de exemplificação, peço licença para narrar outro caso
pessoal que, creio, irá servir para muitas pessoas que enfrentem as
mesmas circunstâncias que enfrentei. Estou concluindo meu primeiro
romance (até aqui, minhas “especialidades” tinham sido o conto,
a crônica, a poesia e o ensaio), já em fase de revisão, mas ainda
sem título.
A
história se passa na Holanda dos anos 90. Quando comecei a
empreitada, confrontava-me com um obstáculo gigantesco, que me
parecia intransponível: nunca estive, nem em sonhos, nesse país.
Como dar, pois, cor local aos cenários, personagens e costumes se
não os conhecia? E o enredo, da maneira que o concebi, só poderia
se passar ali, em solo holandês, mais especificamente na cidade de
Roterdã.
Quanto
aos personagens e costumes, a dificuldade não era tão grande.
Afinal, moro em Campinas, praticamente vizinha de Holambra, município
de colonização holandesa. Passei a frequentar, pois, essa cidade,
enturmei-me com o pessoal de lá, perguntei tudo o que me veio na
veneta (e muito mais) sobre esse país e sua gente e anotei, louca,
compulsiva e furiosamente tudo o que me diziam.
Tive
sorte. Consegui, em Holambra, um bom vídeo promocional de Roterdã.
Fui a diversas agências de turismo e trouxe tudo quanto era folheto
de viagem que se referisse à Holanda. Minha sorte foi maior ainda:
deram-me um guia completo da cidade de Roterdã, com tudo quanto era
mapa de ruas, praças, avenidas, canais etc. dali. Estudei todo esse
material com o máximo cuidado antes de começar a elaborar o texto
final de cada capítulo. Previamente, havia feito, claro, um
“copião”, resumindo toda a história, como se faz com roteiros
de cinema (que há um bom tempo havia aprendido a fazer).
Quando
pensava que não precisaria de mais nada para escrever, afinal, meu
romance, percebi que não era bem assim. Recorri, pois, ao “Google”.
Não uma e nem duas vezes, mas dezenas, centenas, milhares de vezes.
Não fiquei na mão uma única ocasião.
Em
resumo, dei os originais não-revisados (muita coisa será
evidentemente cortada, pois o romance previsto para 250 páginas,
ficou com 500) para um amigo holandês ler e este caiu de costas. Não
acreditou que nunca fui à Holanda e que não tenha nenhuma
ascendência holandesa (não tenho mesmo, pois meu pai e minha mãe
são russos).
Por
que o livro saiu tão bom? Por causa do meu eventual talento? De
jeito nenhum!! Foi por causa da pesquisa. Vá por mim, portanto,
amigo escritor: pesquisar o que quer que seja para seu novo livro não
é, em absoluto, nenhum luxo e muito menos perda de tempo. Dá um
trabalhão dos diabos, não tenha dúvidas, mas compensa. Creia-me, é
uma providência de primeiríssima necessidade que você terá que
tomar. E, ao longo da pesquisa, tenho certeza de que você ficará
fascinado e irá gostar demais dessa trabalhosa, mas fascinante e
compensadora aventura.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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