quarta-feira, 15 de novembro de 2017

As delícias de um país doce

* Por Urda Alice Klueger

Estou voltando de uma viagem pelo Noroeste da América do Sul, e fiquei pensando sobre o que contaria primeiro para vocês. Aconteceram mil coisas e situações, vi coisas interessantíssimas, conheci inúmeras pessoas, de maneira que fica difícil escolher o que contar primeiro, mas o coração me manda falar sobre o Equador.

Nada sabemos sobre o Equador, no Brasil. Via­jei para lá com a fotocópia de um texto que dava dados técnicos sobre esse pequeno país, tipo população, área, língua, moeda, fuso ho­rário, etc., mas que nada dizia sobre a doçura que encontraria lá.

País cheio de vulcões e sujeito a terremotos (imagino que até os terremotos sejam doces por lá), o Equador é minúsculo, mas possui litoral rico (as Ilhas Galápagos fazem par­te do seu território), está sobre os Andes, e desce, do outro la­do, até à selva Amazônica, onde se situa o seu petróleo. Só co­nheci a parte andina, doce e verde parte andina, onde chove toda a tarde e tudo é de uma grande fertilidade.

A impressão que tive, é de que o Equador é um país que ainda não perdeu a ingenuidade. Vive-se, lá, à base de ilimitada confiança, de intensa alegria, de extremada simpatia. O equatoriano não pode ver uma pessoa indecisa, numa esquina, que logo se aproxima, para ver se pode ser útil, e uma primeira pes­soa puxa a segunda, e logo tem-se umas dez pessoas querendo aju­dar, dez simpáticos equatorianos cheios de riso e sem nenhuma malícia, imbuídos do mais puro sentimento de solidariedade que já vi por aí.

Andei muito de ônibus no Equador, e acho que vale contar para deixar mais claro o que estou dizendo.

Num ônibus, vai o motorista, e ao seu lado, de costas para o público, o cobrador (ou cobradora: lindas moças de meias de seda, sapatos de salto e maquilagem caprichada, como andam quase todas as equatorianas não-índias). A passagem, lá, é por quilometragem: até o ponto tal custa tantos sucres, até o outro ponto, um pouco mais caro, e assim por diante (1 dólar = 3.400 sucres). Os passageiros vão entrando, dizendo para o cobra­dor que está de costas até onde irão, entregam o dinheiro a ele, que vai empilhando notas e moedas à sua frente, e que não confere nada: não há roleta, bilhetes de controle, nada. A honestidade de toda a população faz com que tudo funcione perfeitamente, sem o menor controle. No final da linha, o cobrador entrega ao moto­rista o dinheiro recebido o motorista o coloca no bolso sem conferir nada, e a vida continua, cheia de uma doçura que pensei que não mais existisse.

Vi pessoas pobres no Equador, mas não vi mise­ráveis, dos quais o Brasil é tão pródigo. Quando saímos de Quito, em direcão ao Norte, prestei a maior atenção para ver se havia favelas nos arredores da cidade, mas não consegui ver nenhuma. Disseram-me, depois, que há favela no lado Sul afinal, nada é absolutamente perfeito.

Sei que aquele povo simples e honesto é extremamente alegre: impressionou-me a quantidade e a qualidade do seu riso. Basta estar junta uma família, ou um grupo de amigos, para que todos estejam rindo, um riso ingênuo, sem malícia, contagiante na sua alegria pura e doce, como é doce e ingênuo aquele país!

E o artesanato do Equador, ah! o artesanato do Equador! Já andei uma porção por este mundo, mas em nenhum lugar vi artesanato mais lindo do que o do Equador! Reflexo de um povo ingênuo e feliz, o artesanato equatoriano tem uma leveza, uma pu­ra alegria nas suas cores e no seu equilíbrio estético, que tira o fôlego de fascinação. De tudo há: roupas, bordados, crochês, tapetes, quadros, espelhos, madeira uma loucura para uma brasi­leira sem grana como eu, que gostaria de ter comprado tudo, mas que não tinha como fazê-lo, tanto pela falta de grana quanto pela falta de espaço para carregar tanta coisa linda! E tudo baratíssimo, por dez dólares compra-se lindíssimos vestidos bordados (é claro que trouxe um) a minha mágoa foi não ter como trazer um daqueles maravilhosos espelhos decorados, que me deixavam babando de cada vez que olhava para eles.

Querido e doce Equador, se Deus quiser, um dia eu volto. Para um mês inteiro, e não apenas para quatro dias, co­mo foi dessa vez! E muito doce estar ao embalo do teu regaço!

Blumenau, 08 de outubro de 1996.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).




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