Leitura e absorção
Absorvemos
muito pouco do conteúdo de um texto se o lermos sem método, mesmo
que nos concentremos ao máximo no que estivermos fazendo. Querem uma
prova? Façam o teste. Releiam um livro, qualquer um, que vocês
tenham lido, digamos, há dez anos, sem fazer anotações à margem e
muito menos ficha de leitura. Qual o resultado? Ele lhes parecerá
inédito. Apenas um trecho ou outro lhes soará como vagamente
familiar. Não precisam acreditar em mim. Façam vocês mesmos a
experiência.
Pior
será se o conteúdo contiver ideias que divirjam das suas. Aí vocês
não absorverão absolutamente nada mesmo. Por isso, não exagerei
quando publiquei, recentemente, uma crônica em que defendo a tese de
que “leitura é um ato de fé” (que tem, propositalmente, este
título). Você tem que acreditar no autor para ler o livro até o
fim. E, principalmente, para fazer a leitura de outras obras que ele
tenha escrito.
Lemos,
basicamente, por três motivos. O primeiro como uma forma de lazer (e
para mim não há nenhuma outra que se lhe compare sequer de longe).
Para tanto, escolhemos leitura amena, que não nos exija muito
raciocínio, como um romance de aventura, por exemplo, ou um conto
policial ou alguma novela de amor.
O
segundo motivo que nos leva a ler é o desejo de enriquecimento
intelectual e, sobretudo, espiritual. É a busca por beleza e
transcendência. É o confronto de ideias que nos induz à reflexão
e a descobertas tanto do mundo que nos cerca e das multidões que o
habitam, quanto de nós mesmos. Aliás, esta última descoberta pode
ser compensadora ou traumática, dependendo de como somos de fato.
Pablo
Neruda advertiu a propósito: “Algum dia, em qualquer parte, em
qualquer lugar, indefectivelmente, encontrar-te-ás a ti mesmo e
essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas
horas”. E pode mesmo.
Neste
caso, quando a leitura se destina ao enriquecimento intelectual,
espiritual e, não raro, moral, quanto mais método tivermos, melhor
proveito tiraremos do que viermos a ler. É aqui que entra a questão
da “fé” no autor.
E,
finalmente, lemos exclusivamente para aprender. Para tanto recorremos
aos livros didáticos e paradidáticos. Aqui, se nos limitarmos
apenas à leitura, sem um estudo metódico, acurado e atencioso, não
aprenderemos coisíssima alguma. Seremos reprovados na escola ou na
faculdade e perderemos tempo, dinheiro e, pior, oportunidades de
crescimento profissional na vida.
Comportamento
pitoresco, referente à leitura, para o qual eu não havia atinado,
levantado pelo escritor austríaco Robert Musil, em seu livro “Homem
sem qualidades”, é o fato de suprimirmos, automática e
subconscientemente do texto que estivermos lendo o que não nos
convém.
Fiz
o teste e constatei que esse autor tem razão. Ele afirma, em
determinado trecho: “O que você faz quando lê? Vou dar-lhe já a
resposta: a sua leitura deixa de lado o que não lhe convém. O mesmo
já fez o autor antes. Omitem-se também coisas nos sonhos e na
imaginação. Daqui concluo: a beleza ou a excitação aparecem no
mundo por omissão”.
Curiosa
essa observação, posto que, no meu entender, verdadeira. Espero,
pois, não ter escrito, nestas considerações de hoje, nada que não
lhe convenha. E que, sobretudo, você deposite “fé” no que
escrevo e não fuja nunca dos meus textos, por mais extensos e
aparentemente complexos que sejam.
A
leitura de determinados livros deve ser feita, como destaquei, sempre
com método e organização, para que se aproveite o melhor do seu
conteúdo, sua essência, a mensagem que o autor pretendeu passar e
que motivou sua redação e publicação. Nem toda obra pode ser lida
da mesma forma, com a atenção concentrada apenas no enredo, sem se
atentar para nuances e sutilezas.
Por
exemplo, não se pode ler um ensaio da mesma forma que se lê um
romance. Esse gênero, por si só, já sugere reflexões, ideias,
informações que, se bem aproveitadas, tendem a nos ser úteis não
apenas em nossa atividade, mas, sobretudo, em nossa vida. O mesmo
ocorre com um livro de poesias.
Poemas
precisam ser “sentidos”, para serem valorizados, e não podem e
nem devem ser lidos às pressas, sob pena de deixarmos escapar o que
têm de melhor e, dessa forma, não fazermos justiça ao autor.
Mesmo
alguns romances têm conteúdo que vai muito além do mero enredo, da
ação, daquilo que o leitor desavisado entende que seja a sua
essência. Muitos deles trazem citações fantásticas, que nos podem
ser sumamente úteis em vários sentidos.
Ao
ler um livro, com as características que destaquei, convém ter à
mão uma caneta e um bloco de anotações (de preferência uma agenda
destinada a esse fim). Anote, meticulosamente, as coisas
interessantes que encontrar. Verá que seu proveito dessa leitura
será muito maior do que se você se limitasse a fazê-la de um só
“sopro”, sem interrupções.
Alguns
costumam grifar o que lhes interessa no próprio livro e fazer
anotações à margem. Também vale. Todavia, recomenda-se, como mais
adequadas, as anotações em papéis à parte. Afinal, todas as vezes
que você copia um texto, mesmo que não se aperceba, o memoriza, se
não na totalidade, pelo menos em boa parte dele. Pense nisso.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Como tenho lido mais na internet, perdi o hábito de grifar. O aproveitamento é bem menor. Quanto a poemas, aprendi com você. Leio duas vezes cada um, e sempre em voz alta. O entendimento é diferente em cada leitura.
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