quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Essencial e detalhe


A definição do que é essencial, em qualquer atividade, e sua distinção do que não passa de mero detalhe, ou seja, daquilo que se não for observado não nos causará maiores prejuízos (na maioria das vezes não causa nenhum), é muito importante para o sucesso da nossa empreitada. Economiza tempo e esforços e confere objetividade à nossa ação. Isso é mais válido do que nunca na vida cotidiana. Ou seja, o saber, com exatidão, o que não pode deixar de ser feito.

O poeta, filósofo e crítico suíço do século XIX, Henri-Frédéric Amiel, lembra que “todos nós somos em geral estorvados pelos mil e um empecilhos e deveres que nos enrolam com seus fios de teia de aranha e agrilhoam os movimentos de nossas asas”. Caso não consigamos superar determinado obstáculo ou deixemos de cumprir alguma dessas obrigações enfadonhas e quase sempre desnecessárias, nos afligimos, como se o mundo fosse se acabar.

Assustamo-nos com abismos, principalmente quando nos parece que caminhamos na direção deles e nos dá a impressão que não há alternativas, que não existem outros caminhos a trilhar. Em geral, contudo, salvo raras exceções, nos equivocamos. Afligimo-nos por pouca coisa, à qual damos dimensões que ela na verdade não tem. Identificamos o mero detalhe como essencial, quando, em verdade, não passa do supérfluo, do mero floreio, do incidental.

E se estivermos, de fato, caminhando rumo a algum abismo, caso não detenhamos nossos passos, e não busquemos, serenamente, soluções, despencaremos, sem dúvida, no vazio e esse será o fim da nossa jornada (e talvez da nossa vida). Será que não há alternativas? Não existem explicações para nossas dúvidas, temores e contradições? Sempre há alguma.

E se não houver, se não compreendermos o que nos aflige e atormenta, deixemos tudo por conta da intuição, que nunca falha e do tempo, que tudo cura. Em geral, após uma análise serena, concluímos que não é a essência que nos aflige, mas são os detalhes. Descobrimos que o abismo não é tão fundo e sequer é o fim do caminho. E que, para superá-lo, não precisamos nos lançar, desesperadamente, nele. O sensato, prudente e sábio é contorná-lo, mesmo que a caminhada se torne mais longa.

O poeta Mauro Sampaio nos dá indicações de como proceder nestes casos. Antes, peço licença ao leitor para abrir um parêntese e falar desse inspirado escritor. Tenho recebido algumas críticas (que reputo injustas e descabidas) pela minha insistência em recorrer tão amiúde aos seus versos em boa parte dos meus textos. E por que o faço? Por dois motivos básicos: um objetivo e outro subjetivo.

A primeira razão (a objetiva) é que Mauro foi ótimo poeta que, no entanto, ganhou pouca visibilidade pública, se atentarmos para a qualidade superior da sua obra. Mereceria muito maior divulgação e, sobretudo, reverência. Quem perde com essa omissão é, evidentemente, o amante de literatura e, sobretudo, o de poesia.

O motivo subjetivo é que esse escritor tão criativo, e homem de suprema generosidade, foi meu amigo até a sua morte. Tenho orgulho dessa amizade que tanto me enriqueceu e ilustrou. Ganhei dele todos os livros que publicou (e foram muitos) e quanto mais leio o que escreveu, mais pasmo fico com a falta de visão dos críticos literários e dos editores de artes dos grandes jornais e revistas do País. Ademais, Mauro foi a pessoa que me convenceu a me candidatar a uma vaga na Academia Campinense de Letras, que então presidia. E foi graças à sua inegável influência que fui eleito, em 1992, por unanimidade.

O poeta nos ensina, a propósito do assunto em tela, nos versos do poema “Justificar-me”:

Tanta compreensão que não compreende nada,
que o melhor
é a não explicação de explicação alguma.
É sentar-se à beira de um abismo
e vê-lo como o caminho natural para a planície!”.

E não é?

Espantamo-nos, e não tenho razões para afirmar que esse espanto não seja sincero, com a vileza, cupidez, egoísmo, violência e corrupção de alguns e com a nobreza, altruísmo, perspicácia e santidade de outros, sem atentarmos que temos as mesmíssimas características de ambos.

Somos misto do animal mesquinho e desprezível com toques da divindade. Alguns conseguem domar os maus instintos e se tornar nobres e dignos de imitação. Mas as características de maldade não desaparecem. Estão vivas e latentes, posto que dominadas. O potencial de bondade, justiça e transcendência também estão presentes.

O essencial, no caso, é a vontade de sermos bons, generosos e construtivos. Tudo o mais... são detalhes, meros detalhes, que podem ou não nos servir de subsídios, ou de obstáculos, mas que não são determinantes do sucesso ou do fracasso.

Amiel recomenda, no texto citado, extraído de um dos seus célebres ensaios: “A fim de simplificar seus deveres, seus negócios e sua vida, um homem deve saber separar o que é essencial do detalhe em que isso vem envolto, porque nem tudo pode ser considerado da mesma forma. É a falta de ordem que nos torna escravos, a confusão de hoje reduz a liberdade de amanhã”.

Organização e método são essenciais. Não podemos ser bagunçados nem com as coisas e muito menos com pensamentos. Afinal, não conheço ninguém que tenha prazer em abrir mão de sua liberdade e submeter-se à escravidão de deveres que não são (e jamais deveriam ser) da nossa competência e responsabilidade. E são tantos!


Boa leitura!

O Editor.



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Um comentário:

  1. Eu me incomodo em saber que há quem marque as citações que você pode fazer.

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