segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Meu amigo, Charlie

*** Por Márcia Savino

Você vai ficar na saudade, minha senhora*. Não sei de quem a letra fala, não dá pra saber. Sei que ver um teatro lotado de gente cantando as músicas do repertório de um show, emociona. Mais ainda quando acontece no interior. Nunca me imaginei sentada na plateia de um show de Benito de Paula. Se bem que naquela fase da vida em que a canção de fundo foi minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro**, eu, guardasse, perdido comigo, em alguma gaveta**, o bordão do friburguense apaixonado: “Eu sou homem da montanha...*

Esperava conhecer um pouco mais do repertório, mas vi que sabia muito pouco. No entanto, minha ignorância não atrapalhou a experiência, que teve novidades. A massa sentada no escuro deixou de lado o habitual recato e deu vazão a emoção, cantando harmoniosamente música após música, verso após verso. O que foi muito bom, por, pelo menos, dois motivos: o coro estava suave e afinado; o som estava péssimo. Mas tudo bem, “hoje é carnaval”**.

Desde a abertura, as caixas de som vibravam ruidosamente. E o artista repetiu a entrada. Constatei, subitamente, que ele não tem uma voz maravilhosa e está longe da vocação para showman, embora fizesse umas piadinhas engraçadinhas das quais o público ria muito. Mas deixo claro que gostei, se não, não escreveria sobre, até porque, como bem diz um dos versos, se não for amor, não diga nada, por favor*. Lindo, não? É, como eu disse, bonito, ver as pessoas na plateia cantando as músicas de Benito. Há versos muito inspirados que ficam na saudade.

No balanço das ondas a gente se equilibra e, no embalo do palco, navega. Minha visão de plateia de cidade do interior como a minha é que ela aplaude até espirro de artista. Não haveria mesmo de ser diferente com o músico que ainda hoje melhor representa sua terra. Venho muito aqui, mas não canto, disse ele sorrindo. E repetiu a entrada pra ver se o som se acertava, claro. E também para sentir de novo o calafrio da acolhida. Foi bonito.

Família acompanhando no palco, familiares na plateia e... de surpresa, entra o filho do artista, compositor e pianista tímido e talentoso, generoso nas palavras, que trata o ambiente pelo viés do parentesco, como um neto crescido que pede à audiência: Bença, vó! A grande família de Benito de Paula reúne um pedacinho do coração de cada friburguense. Ficou claro ali. É por isso que repetiu, algumas vezes, que já sabe aonde vai gravar seu dvd. E avisou sutilmente: preparem os gogós! Ou, como diz o verso de outra canção: prepare o seu coração...**

Se nunca tinha me visto na audiência de um show do cantor, os anos vieram e me fizeram um pouco mais acostumada com a vida que, de tempos em tempos, nos dá a chance de rever nossos valores e fazer coisas que nunca pensamos fazer antes. Ou, de gostar de coisas, de pessoas, de livros, de ideias, de músicas e melodias que, algumas vezes, detestamos ontem. “Vou levando a vida do jeito que ela me levar”*, diz outro verso cantado pela multidão.

No meio das surpresas, percebi o mérito maior no talento do artista. Ele é sambista. Como há um hiato de muitos anos desde o lançamento dos sucessos, disso eu não me lembrava. E se, como diz outra letra de um baiano, cantado por um compositor vizinho, chamado Martinho - “quem não gosta de samba, bom sujeito não é”** - então, gente, Benito é um bom sujeito. E que foi trazido ao palco aqui por um certo Jaburu para cantar e embalar sua terra. 

Moço, aumente esse samba que o verso não para!*. Bonito, Benito!

* Frases com um asterisco são versos de canções de Benito de Paula.
** Frases ou expressões com dois asteriscos são, pela ordem: Tom Jobim em Samba do Avião; Milton Nascimento e Ferreira Gullar em Bela, Bela; Zé Keti e Pereira Matos em Máscara Negra; Geraldo Vandré e Theo de Barros em Disparada; Dorival Caymmi em Samba de Minha Terra, cuja memória que tenho é da letra na voz de Martinho da Vila.


*** Jornalista, formada em História e Comunicação. Trabalhou na Assessoria de Comunicação da Firjan, Regional Friburgo.

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