quinta-feira, 6 de abril de 2017

Os furos da Lava Jato

* Por Frei Betto


A corrupção é inerente à história humana. Até no grupo de apóstolos escolhidos por Jesus havia um corrupto: Judas Iscariotes. E quantos de nós podem dizer com sinceridade que nunca roubaram uma manta de avião, sonegaram o imposto de renda, embolsaram o troco excessivo entregue por engano pela caixa do supermercado?

A corrupção decorre da impunidade e da imunidade. Impunidade de empreiteiras, empresas, frigoríficos e bancos que, graças ao caixa dois, tinham (e muitos ainda têm) em mãos juízes, políticos e fiscais. E imunidade assegurada por essa aberração constitucional chamada foro privilegiado, que derruba o princípio angular do direito e legitima a verdade de que nem todos são iguais perante a lei.

Agora, surgiu uma pedra no meio do caminho de corruptos e corruptores: a Lava Jato. Em si, necessária e urgente. É a primeira vez na história do Brasil que políticos graduados e donos de empresas são encarcerados e obrigados a devolver aos cofres públicos parte do que roubaram.

Na Lava Jato, os promotores buscam vaidosamente a luz dos holofotes; frequentes vazamentos jamais são investigados e os responsáveis punidos; e as informações contrabandeadas dos autos para a mídia são preconceituosamente seletivas, focando uns partidos e poupando outros...

Porém, no tsunami de corrupção que assola o Brasil, a Lava Jato constitui uma exceção. Onde estão os criminosos descobertos pela Operação Zelotes? Todos soltos. Onde estão os responsáveis pela catástrofe provocada pela Samarco, em Minas? Todos em liberdade. E as maracutaias do metrô de São Paulo? Debaixo do tapete.

A Lista do Janot, enfim, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas também vazou ao cobrir os poucos metros que separam a Procuradoria Geral da República do STF. O que favorece todo tipo de especulação sobre os nomes ali registrados.

E quanto tempo levará o STF para condenar os culpados e absolver os inocentes? Até hoje o STF não levou nenhum político com mandato à cadeia. Com a demora que o caracteriza, pode ser que muitos crimes prescrevam...

Acabamos de presenciar a descoberta de mais um nicho de corrupção: os frigoríficos, que entregam carne apodrecida ao consumo da população. Muitos outros nichos existem, alguns ainda serão descobertos.

No entanto, fica uma pergunta: como toda essa montanha de dinheiro roubada pelos réus da Lava Jato transitou do Brasil ao exterior? Levada em mala de turista? A nado? Enfiada em tubos de pasta de dente?

Se o Banco Central tem olhos para qualquer quantia acima de 10 mil reais movimentada entre bancos, como justificar sua cegueira diante de vultosas quantias da corrupção?

Não basta espalhar veneno pela casa para acabar com os ratos. É preciso exterminá-los no nascedouro. Do mesmo modo, enquanto as instituições brasileiras não passarem por profundas reformas, como erradicar o foro privilegiado, os ratos continuarão à espreita, dispostos a aproveitar as múltiplas brechas hoje existentes.

O moralismo causa indignação. Mas não inibe a corrupção.

* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.


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