domingo, 9 de abril de 2017

A esposa


* Por Catulle Mendés


(Traduzido por Afonso Celso)


Ahod era pastor.
Um dia de verão
Sua esposa depondo o cântaro no chão,
À sombra adormeceu e teve de repente
Um sonho que foi este, assim:

__Primeiramente,
Pareceu-lhe acordar do seu marido à voz
Que dizia: “Mulher, levanta-te veloz...
Há um ano, de Segôr vendi aos mercadores
Cem ovelhas das quais inda são devedores...
Mas a distância é grande e velho estou. Alguém
Precisa ir a Segôr em meu lugar, mas quem?...
Diligente e fiel é raro um mensageiro;
Vai tu e cobra lá depressa o meu dinheiro”.

Ela não objetou o deserto, o temor,
Os bandidos... Mandais?... escrava sou, senhor.
E quando?” ___É por ali. Disse ele, apontando.
O seu manto de lã tomou e foi andando.

O caminho era atroz, tão áspero de andar
Que pôs-lhe em sangue os pés e em lágrimas o olhar
Andou por todo o dia... à noite andava ainda,
Sem já ouvir nem ver na imensa estrada infinita,
Quando súbito um vulto elástico saltou
Da sombra em cima dela: a boca lhe tapou,
Brutalmente arrancou-lhe o manto, e satisfeito,
Escapou-lhe um punhal cravando-lhe no peito...
Nisto, do sobressalto às vibrações febris,
Acorda...

“Estava ao lado o esposo que lhe diz:
Há um ano, de Segôr vendi aos mercadores
Cem ovelhas das quais inda são devedores...
Mas a distância é grande e velho estou. Alguém
Precisa ir a Segôr em meu lugar, mas quem?...
Diligente e fiel é raro um mensageiro;
Vai tu e cobra lá depressa o meu dinheiro”.
A mulher respondeu: “Ordenais? Pronta estou
A obedecer-vos já, meu senhor”. E chamou
Os filhos. Do maior, sobre a cabeça altiva,
Pôs um instante as mãos. Beijou a fronte esquiva
Do mais moço, que ao vê-la os bracinhos abriu...
No seu manto de lã envolveu-se... e partiu.


* Poeta francês do século XIX.

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