domingo, 7 de junho de 2015

O gosto do nada


* Por Charles-Pierre Baudelaíre


Morno espírito, antigamente afeito à luta,
a Esperança que te esporeava outrora o ardor,
não te cavalga mais! Deita-se sem pudor,
cavalo que tropeça em tudo e em vão reluta.

Dorme, ó meu coração; desiste, ó massa bruta!

Espírito vencido, em ti, velho impostor,
já não tem gosto o amor, nem o tem a disputa;
não mais a voz do cobre ou da flauta se escuta!
Deixa esta alma sombria, o Prazer tentador!

Perdeu a Primavera o seu cheiro de flor.

E o tempo me devora em marcha resoluta,
como a ampla neve um corpo rijo de torpor;
contemplo do alto o globo túmido e incolor;
e nele nem procuro o abrigo de uma gruta!
Vais levar-me, avalancha, em tua queda abrupta?

Tradução de Guilherme de Almeida..


* Poeta francês do século XIX, um dos precursores do Simbolismo.

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