sábado, 27 de junho de 2015

A centenária matrona de "Cem anos de solidão"


O escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez teve, em sua vitoriosa carreira literária – que lhe valeu, entre outros tipos de reconhecimento, o Prêmio Nobel de Literatura – como uma de suas principais e melhores características (entre tantas), a criação de personagens fortes, um tanto exóticos, todavia inesquecíveis. Seu romance “Cem anos de solidão” foi catalogado, pelo jornal francês “Le Monde” como um dos cem melhores livros do século XX. Sua vasta obra, de mais de trinta volumes, entre ficção e não-ficção, é originalíssima e única. Nunca pecou pela mesmice, como ocorre com tantos excelentes escritores que, em algum momento da carreira, se tornam repetitivos, posto não reconheçam.

Por tudo isso, não estranho que a décima quarta mulher citada na série “Catorze personagens femininas inesquecíveis”, organizada pelo site “Homo Literatus” (WWW.homoliteratrus.com), seja criação dele. Trata-se de Ursula Iguarán, protagonista do premiadíssimo romance “Cem anos de solidão”. Ficaria surpreso se não fosse essa centenária matrona, pitoresca e original. Ela é a feliz escolha de Ygor Speranza que, apesar de ser formado em Matemática Aplicada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ama Literatura (além de filosofia, várias outras artes, lógica e linguagem), e é aspirante a escritor. E muito bom, se levarmos em conta que foi selecionado pelo Prêmio OFF Flip 2013, na categoria contos.

Como a regra da pesquisa do site Homo Literatus – que reúne catorze especialistas em Literatura que têm que escolher apenas uma única personagem feminina que considere inesquecível – impõe que os convidados justifiquem a opção, Ygor explicou assim por que fez tal escolha: “Úrsula Iguarán é a chefe da casa dos Buendía em ‘Cem anos de solidão’, romance de quinhentas páginas e sete gerações de Gabriel García Márquez. É a viga mestra de sua família e sua cidade. É (e sempre será) a ‘multimulher’”..

Ygor enfatiza as principais características dessa personagem, que o levaram a escolhê-la como a sua protagonista literária inesquecível: “Úrsula é forte, pragmática, inseparável de suas convicções. É descrita como ‘ativa, pequena, severa, mulher de nervos inquebráveis, a quem em nenhum momento de sua vida ouviu cantar, parecendo estar em todas as partes desde o amanhecer até muito adiantada a noite’. Ela cuidou de todos mesmo além da sepultura. E até o leitor mais distraído ao terminar o romance percebe que foi Úrsula quem manteve Macondo de pé. Se ‘Cem anos de solidão’ pode ser lido como metáfora para a história da América Latina, Úrsula é então a mãe metafórica, a mãe de todos, a mãe sul-americana platônica, a mãe de todas as mães”.

O curioso é que o escritor preferido de Ygor Speranza nem é Gabriel Garcia Marquez – embora o tenha entre seus prediletos – mas o argentino Jorge Luís Borges (que considero meu “guru” literário). Isso valoriza ainda mais a escolha de Ursula Iguarán como uma das personagens femininas inesquecíveis da literatura mundial. Ela não poderia faltar nesse tipo de pesquisa. E... de fato, não faltou (felizmente). Destaque-se que Gabo criou outras mulheres notáveis, que mereceriam figurar nessa pesquisa. Poderia citar várias, mas cito duas, a título de exemplo. Uma é Nena Daconte, protagonista do conto “O rastro do teu sangue na neve”, do livro “Doze contos peregrinos”. Trata-se de uma mulher que comanda seu destino e que seria capaz, até, de governar o planeta, com sua inteligência e doçura.

O conto, com sua característica de brevidade, torna essa figura feminina ainda mais poderosa. Nena Daconte não sobrevive sequer até a metade da história. Contudo vive sua agonia com rara dignidade e classe. É, pois, sem sombra de dúvida, personagem inesquecível na “multidão” das figuras de ambos os sexos e de várias idades e diversas condições sociais que Gabo criou e que deixou para a posteridade como seu tão precioso legado literário. A outra mulher de que leitor algum se esquece é Firmina Dazza, de “O amor nos tempos do cólera”. Separada pelo pai da sua paixão de adolescência, Florentino Arriza, obrigada a se submeter a um casamento arranjado com o Dr. Juvenal Urbino, ela retoma, já cinquentona, após a morte do marido, o romance interrompido por décadas, como se não tivesse sofrido interrupção.

Mas nenhuma das personagens femininas de Gabriel Garcia Marquez é tão completa, e tão complexa, como Úrsula, que viveu entre 115 e 122 anos e que influenciou, decisivamente, na criação e na educação de várias gerações da família, como filhos, netos, bisnetos e trinetos e é figura onipresente em todo o desenrolar do romance. Portanto, não poderia ficar ausente de uma pesquisa dessa natureza, como a feita pelo site Homo Literatus, excelente pretexto para tratar de livros consagrados e de escritores que já são ou estão a caminho de ser “clássicos”.

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk    
  


Um comentário:

  1. Com a velhice, a matriarca fica tão pequena, que, numa passagem os netos escondem Úrsula dentro da gaveta da cômoda.

    ResponderExcluir