segunda-feira, 29 de junho de 2015

Do choque estético às medalhas

* Por Adailton Medeiros


Nos últimos meses venho me dedicando ao projeto Cine Literário como se fosse um achado – e olhe que ele teve início em 2004. Desde o seu lançamento ele vem sofrendo várias arrumações, aparos de arestas, lapidações, até que no ano passado (2011) achávamos – eu e a equipe do Ponto Cine – que ele havia ganhado o formato perfeito. Finalmente o Cine Literário passou a ser compreendido como um projeto com duas vertentes.

A primeira como uma Mostra de Filmes Brasileiros baseados em Livros da Literatura Brasileira, onde as exibições aconteceriam seguidas de debates com os respectivos diretores dos filmes e escritores dos livros que os originaram. Cada um falando do seu processo criativo, circunstâncias históricas, políticas, sociais e geográficas que os influenciaram; e suas técnicas para adequar a sua criação ao suporte adotado, ou seja, um o livro; outro, o filme.

A segunda, com distribuição de Midiotecas às Escolas Públicas, onde nelas seguiriam um acervo com cinquenta títulos de livros e cinquenta filmes em DVD construídos a partir dos livros, todos duplicados (cem e cem). Um catálogo contendo informações sobre os livros e filmes. Uma TV de alta definição de 47” e um Blue-Ray Player. E dez programas de auditório filmados e editados. Ou seja, aqueles debates com escritores e diretores falando dos seus processos criativos. E aí nos deparamos com mais uma surpresa, o projeto não estava tão redondo ainda.

Lembramos que durante os debates constantemente havia perguntas, tanto para os escritores quanto para os diretores, que os deixavam de saias justas. Ou seja, cansamos de registrar respostas dadas por eles do tipo: “quando eu escrevi não pensei nisso que você está falando”, ou “o que você enxergou eu nunca vi no meu filme, pra mim é uma novidade”.

Percebemos que tínhamos que dar voz e imagem a mais um inventor neste processo, a plateia – leitores e cinéfilos, ou aspirantes a esses dois segmentos. Desta forma os programas ficariam completos e estimularia ainda mais os professores e estudantes a realizarem debates em suas escolas após as leituras e exibições promovidas por eles. E, por outro lado, desmistificaríamos as figuras dos escritores e diretores: alunos e professores perceberiam que eles são pessoas comuns, que assim como qualquer mortal são capazes de fazer coisas inconscientemente, mesmo dentro de algo tão pensado, como escrever um livro ou dirigir um filme.

Aprimorado mais uma vez, projeto arredondado, agora era embalar e vender. O que foi feito. Mas aí entra a Vale, a Fundação Vale, nossa primeira investidora nesta nova edição do projeto, e nos faz uma provocação: executar o Cine Literário nas suas Estações Conhecimento de Deodoro e do Engenhão, em Engenho de Dentro, para um público de atletas, ou melhor, futuros atletas. Meninos e meninas em idade escolar que vêm superando as adversidades de suas vidas pobres e de poucas oportunidades. Em curtas palavras, o desafio era juntar cultura e esporte.

De doer o fígado. Depois de tudo pronto, mais essa. O que se há de fazer! Partimos para cima e para a nossa surpresa o quanto vimos aprendendo. Que troca! Atleta tem disciplina, é focado, obstinado por superação, quer vencer, mas de forma justa, honesta. O superar-se é uma medida encontrada sempre no outro. Por isso que é importante vencer o outro quando este está na sua melhor forma. E às vezes o outro é si mesmo, é o tempo da sua melhor prova, é o seu próprio recorde. Que fantástico.

Aqueles meninos e meninas do Estação Conhecimento só querem saber de medalhar – termo que nos fascinou, que engenhosidade em transformar em ação aquilo que é mais substantivo para eles: a medalha -, e nós ali, um corpo estranho. “Medalhar”, “Corpo estranho…” é neste momento que a lampadazinha acendeu de novo. A liga dos nossos ingredientes estava aí. O Corpo Estranho não somos nós e sim a Literatura e o Cinema Brasileiro. Nós somos apenas os indutores desses corpos estranhos que estão provocando um choque estético nesses meninos e meninas, que pouco ou nenhum contato tiveram com estes dois segmentos da arte brasileira.

Como o Cine Literário é um projeto de estímulo à leitura através do cinema e do cinema através da leitura. E como aqueles meninos e meninas são obstinados, cada dia mais querem livros e filmes. Chegamos à conclusão que devemos medalhá-los, também, por isso – outro achado e um grande link com o esporte.

Quem receberá as medalhas – ouro, prata e bronze -, na verdade, serão suas escolas. Não porque estes garotos estão competindo entre si como quem leu mais obras que o outro ou quem assistiu a mais filmes que o amigo, mas porque eles são verdadeiramente vencedores em todos os aspectos. Estão superando a média anual de leitura por brasileiro e estão assistindo a mais títulos de filmes brasileiros que a maioria dos seus compatriotas.

Suas escolas, em breve, tornar-se-ão exemplos, não como instituições que encerram em si o conceito de Educação, mas como Instituições agregadoras e abertas, conectadas em rede, capazes de associar todos os conjuntos de informações, conhecimentos e práticas internas e externas.

Ah, e da parte do Cine Literário, quando uma escola estiver com seu quadro de medalhas virtuais cheio não significa o fim, apenas o encerramento de um ciclo. Neste momento ela mudará de faixa, da branca para a laranja, por exemplo, como os vencedores nas artes marciais, e esta simbologia estará lá no site do projeto para todo mundo ver. Mais ai já é outro papo.

Hoje o Cine Literário conta, também, com os patrocínios do ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico -, e Chemtech. O projeto acontece no Rio de Janeiro, mas em breve seguirá para Recife, Brasília e Florianópolis. Ainda faltam captar algumas cotas. Estamos na cara e na coragem, no risco e na crença. Assim como aqueles meninos e meninas, seremos vitoriosos.

* Fundador e Diretor do Cinema Ponto Cine – 1ª Sala Popular de Cinema Totalmente Digital do Brasil -, e único cinema no mundo a só exibir filmes brasileiros. Recebeu da Ancine – Agência Nacional de Cinema – o Prêmio Adicional de Renda em 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011. E pela Secretaria de Estado da Cultura do Rio de Janeiro o Prêmio de Estímulo à Exibição Cinematográfica, em 2009, 2010 e 2011. Adailton Medeiros foi ganhador do Prêmio Faz Diferença do Jornal O Globo, 2008, Categoria Segundo Caderno/Cinema, pelo trabalho de difusão e democratização do acesso ao cinema brasileiro.



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