quinta-feira, 18 de junho de 2015

A grandeza de servir


Por Pedro J. Bondaczuk


As grandes obras, tanto as legadas pelos antepassados, quanto as produzidas pelas pessoas da presente geração, que se constituem em preciosos e perpétuos patrimônios da humanidade, não são, apenas, as materiais, concretas, palpáveis, visíveis e manipuláveis. Não se restringem, portanto, ao âmbito da ciência, da tecnologia, das artes ou da indústria.

Por outro lado, não se prestam a avaliações somente pelos critérios econômicos, pelo quanto as pessoas que as desejam estão dispostas a pagar para tê-las. Isso conta, evidentemente, ainda mais numa civilização consumista, como a nossa. Todavia, não é o essencial.

Atos de solidariedade, de grandeza, de dedicação ao próximo e de desprendimento (infelizmente cada vez mais raros nestes tempos “bicudos” que vivemos), podem imortalizar os que os praticam e fazê-los respeitados, admirados e sobretudo reverenciados através dos anos, dos séculos e dos milênios. Embora seja o óbvio, raramente nos damos conta que do mundo nada levaremos, quando viermos a morrer, mas apenas “deixaremos”: obras, idéias, conceitos, exemplos, lembranças etc. Se bons ou maus, só o tempo irá mostrar.

Muitas dessas pessoas especiais, abnegadas e nobres (diria, a grande maioria), não deixaram nem mesmo registros pessoais do que fizeram. Não nos legaram nenhum escrito, nenhuma autobiografia e nem mesmo um simples diário. Foram, porém, imortalizadas por artistas de renome, como personagens de romances, de contos ou de peças teatrais ou como fontes de inspiração de crônicas, ensaios e biografias, pela impressão que deixaram, tamanha a magnitude do que fizeram. Limitaram-se a agir, sem se preocupar com o que os outros pensavam. E tornaram-se imortais.

Uma das figuras maiúsculas da nossa época, ganhadora de um Prêmio Nobel da Paz, e que entrava, com a mesma dignidade e desenvoltura, tanto em faustosos palácios dos poderosos, quanto em miseráveis e infectas choupanas, foi uma humilde e frágil monja, que trajava um hábito rústico e remendado, mas que punha “alma”, determinação e entusiasmo no que fazia. O leitor, certamente, sabe a quem me refiro. À Madre Teresa de Calcutá, claro.

Se não tivermos, pois, talento para as artes; se não contarmos com aptidões técnicas para pesquisas, para a produção de bens ou para administração, ainda assim poderemos legar à humanidade uma obra sólida, vasta, valiosa e inesquecível. Como? Dedicando-nos a servir os desvalidos, os necessitados, os doentes e os miseráveis (que não são poucos, convenhamos, mas dois terços da população mundial, algo em torno de 4,5 bilhões ou mais de pessoas).

Ocorre que a idéia predominante na sociedade é a de que os que são servidos é que têm poder. São os que podem “comprar” nossos serviços e, de quebra, posar, com ares de superioridade, como todo-poderosos, não raro humilhando e espezinhando os que os servem. Parasitas é o que eles são! Quem serve, mesmo que o faça por necessidade, para custear a sobrevivência pessoal e da família, o faz porque “pode”. Tem saúde, disposição e preparo para isso. E mais valioso ainda é o seu ato quando o faz por convicção, e não por precisão, livre e espontaneamente. Isto é força! Isto, sim, é poder, embora não seja reconhecido como tal em nossa sociedade corrupta e alienada!.

Madre Teresa exerceu sua abnegada ação nos lugares mais miseráveis e violentos do Planeta, nos confins da Índia, até dias antes da sua morte, já fragilizada pela doença (mas sem lhe passar nem de leve pela cabeça interromper sua missão), com convicção, com amor e, sobretudo, com entusiasmo. Pôs em jogo tudo o que era. Mas não em busca de dinheiro, ou de elogios fáceis ou de efêmera e enganadora glória. Agia assim porque era necessário e isso lhe bastava. Fazia o que fazia porque alguém tinha que fazer!

Fernando Pessoa, nas “Odes de Ricardo Reis”, escreveu:

“Para ser grande, sê inteiro: nada
teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
brilha, porque alta vive”.

Madre Teresa nunca correu atrás de fama e de fortuna. Pelo contrário, dividiu o pouco que tinha (que não era quase nada), e tudo o que era (tão grandioso que não existem sequer parâmetros para medir), com os desvalidos, com estranhos com os quais não tinha nenhuma obrigação ou qualquer laço de consangüinidade e que, mesmo que quisessem, não teriam como lhe retribuir.

Foi uma pessoa que pôde olhar para trás, no momento da morte, e dizer, para a obra que havia “esculpido”, o mesmo que Michelangelo Buonarrotti exclamou diante da perfeita escultura que tinha acabado de elaborar: “Parla, Moses!!!” (“Fala, Moisés!), tão perfeita era a estátua do líder hebreu que havia produzido. Em sua humildade, porém, não agiu assim. Certamente lamentou, achando pouco o muito que tinha feito!

           
   
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 
      


Um comentário: