Conheçam a trágica e destrutiva Nina
A Literatura brasileira é riquíssima, embora pouco e muito mal
divulgada em âmbito internacional. Temos escritores notáveis, em todos os
gêneros, sobretudo em ficção. Nossos romancistas, contistas, novelistas etc.
não ficam nada a dever aos melhores do mundo. Temos romances memoráveis,
recheados de personagens muito bem elaborados, que refletem, na maior parte das
vezes, com precisão, as principais características dos homens e mulheres
brasileiros, as que nos distinguem dos demais povos. Entre tais obras,
merecedoras dos melhores prêmios, destaco o livro “Crônica da casa assassinada”,
do mineiro Lúcio Cardoso, publicado em 1959, adaptado para o cinema, com
relativo sucesso.
O enredo trata da decadência – física, econômica, afetiva e,
sobretudo, moral - dos Meneses. São descobertos parentescos há muito escondidos,
surpreendentes casos extraconjugais , atos violentos, amores proibidos,
relações incestuosas e vai por aí afora. Lúcio Cardoso cria personagens
marcantes, humanos, verossímeis, difíceis de se esquecer. Entre estes, destaco os
irmãos Meneses – Valdo, Demétrio e Timóteo, este último homossexual, prisioneiro em seu quarto e em sua loucura,
que se veste com farrapos de roupas femininas e com ricas jóias de família,
para atingir a vital libertação com a destruição dos falsos alicerces familiares
–, o jardineiro, Padre Justino e André. E também, claro, as esposas dos dois
primeiros: Ana e Nina.
Pois é esta última a sexta mulher citada na série “Catorze
personagens femininas inesquecíveis”, organizada pelo site “Homo Literatus” (WWW.homoliteratrus.com), a primeira brasileira, posto que não
a última. Outras três ainda irão aparecer nos próximos comentários, uma das
quais, a mais óbvia possível, que qualquer leitor de bom gosto certamente
também escolheria. Nina – personagem,
sobretudo, trágica, portadora de um câncer terminal que finda por lhe suprimir
a vida – porém, é a escolha do sociólogo
Marcelo Gabriel Delfino. A pesquisa do site, como o leitor já sabe, reúne
catorze especialistas em Literatura, que têm que escolher apenas uma única protagonista
feminina de ficção que considere inesquecível, justificando sua opção.
A história de “Crônicas de uma casa assassinada” é contada
por meio de cartas. É densa, cheia de ciúmes, rancores e perversões. Tem por
cenário uma velha chácara no interior de Minas Gerais. Ao longo da trama, vai
se configurando a decadência de uma família, que parecia certinha, bem
integrada, exemplar até, que ao fim e ao cabo, vemos que não é modelo a ser
seguido por nenhuma outra. Marcelo Gabriel Delfino justifica desta forma sua
escolha da personagem feminina que considera inesquecível: “Ela é descrita como
uma mulher de uma beleza rara, ofensiva até, para os padrões da cidadezinha do
interior de Minas Gerais, onde a família Meneses tem poder e influência.
Misteriosa e sedutora, num primeiro momento é reprimida pelo silêncio e
monotonia da chácara da família, mas vai aos poucos descobrindo onde encontrar
aliados e termina funcionando como um anjo exterminador”.
Todavia, o sociólogo pondera: “Mas seu grande feito não é
destruir uma família que se mantinha apenas de aparências; ela comete o pecado
supremo como ato de desobediência. Esse pecado serve como instrumento de
destruição. Ela é capaz de transformar o amor em um ato de morte, de usá-lo
para ferir, ao mesmo tempo que faz da morte (o pecado) um ato de amor. Nina é a
prova de que a beleza e as mulheres não podem ser possuídas”. Convenhamos, não
podem mesmo.
Nina é apresentada por Lúcio Cardoso sob olhar de terceiros.
É cercada por uma infinidade de mistérios a serem desvendados pelo leitor. É elemento
estranho naquela comunidade. Procede do Rio de Janeiro e tem passado no mínimo
suspeito. Seus gostos são esquisitos, na verdade extravagantes, e se deixa
enganar pela suposta riqueza (que na verdade nem mesmo existia) de Valdo
Meneses. Quando chega à chácara, encontra o que? Luxo, bom gosto e riqueza?
Harmonia e união familiar? Não! Nada disso! O que testemunha é uma família
decadente e uma casa idem e pior: em ruínas. Mas não é apenas a pobreza
material que choca. É a miséria espiritual, a indigência das almas. É a solidão
que atormenta e apavora. É a perversão moral que se abriga sob o telhado quase
em ruínas. A personagem Nina é construída a partir do discurso de todos os
demais protagonistas do romance.
Joaquim Lúcio Cardoso Filho foi um escritor, poeta,
dramaturgo e jornalista mineiro, natural da cidade de Curvelo, onde nasceu em
14 de agosto de 1912. Faleceu no Rio de Janeiro, em 28 de setembro de 1968, pouco
depois de haver completado 56 anos de idade. Integrou uma das mais tradicionais
famílias de Minas Gerais. Seu irmão, Adauto Lúcio Cardoso, por exemplo, foi
senador pela extinta UDN. Sua irmã, Maria Helena Cardoso, também é escritora,
autora dos livros “Por onde andou meu coração” e “Vida vida”, ambos de memórias
da família. Lúcio Cardoso deixou sólida obra literária, entre romances, contos,
poesias e crônicas, reconhecida (infelizmente), apenas, após a morte. Mas...
antes tarde do que nunca, não é mesmo?. A Academia Mineira de Letras
concedeu-lhe, postumamente, o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua
produção literária. Nina é uma das personagens mais trágicas, intrigantes e
complexas que já conheci. Por isso... é inesquecível.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
O romance e a personagem são bons, mas melhor é sua descrição. Anabolizou Nina. Imagino que muitos haverão de querer conhecê-la.
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