domingo, 17 de julho de 2011







A praça é do povo


* Por Pedro J. Bondaczuk


As praças, nas grandes cidades, vêm perdendo a função para a qual foram originalmente criadas. Ou seja, a de servirem de referências, de pontos de concentração do povo, onde as pessoas iam para se distrair, para reivindicar, para protestar, para rever amigos, para entabular namoros etc. Atualmente, dada a violência urbana, esses locais se tornaram perigosos, especialmente à noite, e são cada vez menos freqüentados. Tornaram-se enormes calçadões, grandes espaços vazios, ilhados entre avenidas, por onde as pessoas apenas transitam, apressadas e distraídas e onde camelôs montam suas banquinhas e apregoam seus produtos, não raro pirateados ou contrabandeados. Pelo menos as de Campinas são assim. Há, claro, um ou outro aposentado que se arrisca a se sentar em seus bancos para apreciar o movimento ou ler calmamente seu jornal.

Mesmo estes corajosos (ou distraídos), todavia, escasseiam cada vez mais, muitos por terem passado por experiências traumatizantes, como assaltos em plena luz do dia. No período noturno...Nem é bom falar. Só os malucos se arriscam a freqüentá-las. Hoje, as praças (há exceções, claro), transformaram-se em pontos de traficantes e de viciados, de travestis e de prostitutas, em focos de vícios, de violência e conseqüentemente de perigo. Deixaram de ser do povo, para se tornar dos marginais. Em algumas cidades do interior elas ainda têm coretos, mas sem retretas. Estes servem-lhes somente de bizarros ornamentos.

O tempo das bandinhas já passou, como o de tantas outras coisas boas que, por uma razão ou outra, foram abandonadas e substituídas por outras piores ou simplesmente esquecidas. Namoros já não começam nesses jardins. O chamado "footing" há tempos não existe mais e a moçada de hoje sequer sabe o que a palavra significa. Aliás, nem mesmo se namora hoje em dia, no sentido que a minha geração e as anteriores emprestavam a esse ritual de conquista. As regras tácitas nesse sentido estão completamente alteradas. A iniciativa, por exemplo, não cabe mais ao homem. Ou não a ele exclusivamente. E a dinâmica antiga, quando se levava uma eternidade para a ocorrência dos primeiros contatos físicos entre os casais, há muito deixou de existir. Atualmente, entre a apresentação e a cama é questão de horas, quando não de minutos.

Mas nosso tema não é bem este. Platão, em seus escritos, defendia que a população ideal de uma cidade era de 5.440 habitantes. Ou seja, o total de pessoas que preenchiam a principal praça de Atenas, tamanha era a importância que dava a esses locais. Era neles que os decretos dos governantes eram divulgados aos cidadãos, em um período em que as comunicações eram orais, diretas, boca-a-boca. Era ali que notícias sobre expedições militares vinham a público, dando conta dos sucessos e insucessos das guerras (que nunca faltavam) ou do que se passava em outras comunidades vizinhas ou países. Nesses lugares prestígios eram firmados ou derrubados. Poetas e menestréis divulgavam as suas obras ao povo. Reivindicações e reclamações populares ganhavam vida e consistência.

Castro Alves tem um poema célebre a respeito, (transformado em letra de uma musiquinha de Carnaval muito cantada na Bahia). Em certo trecho, o poeta acentua: "A praça! A praça é do povo/como o céu é do condor!/É o antro onde a liberdade/cria guias em seu calor./Senhor, pois quereis a praça?/Desgraçada a populaça!/Só tem a rua de seu.../Ninguém vos rouba os castelos,/tendo palácios tão belos.../Deixai a terra ao Anteu". Hoje, nem isso o povo possui. A não ser os pobres entre os pobres, os indigentes, os "humilhados e ofendidos", que fazem das praças seu lar.

Outro ponto a destacar é a ausência de monumentos exaltando os heróis populares. O rádio, inicialmente, e a televisão, de 1950 para cá, quando foi inaugurado o primeiro canal no País (a TV Tupi de São Paulo), criaram vários deles, entre cantores, atores, jogadores de futebol etc. Ou seja, gente verdadeiramente ligada ao povo e amada por ele. No entanto, apenas "vultos" da história, muitos dos quais absolutamente desconhecidos para a atual geração, continuam merecendo estátuas e bustos de bronze nos locais públicos. A vontade popular não é respeitada sequer nesses lugares que teoricamente pertencem ao cidadão anônimo. Por isso, ninguém se identifica com as praças como ocorria há não muito tempo. Por essa razão elas perdem mais e mais suas funções. Afinal, são as pessoas humildes, e não os figurões, que fazem de fato a história e consagram ou derrubam reputações.

Faltam em nossas praças estátuas de uma Carmem Miranda, de um Chico Alves, de um Orlando Silva, de uma Ellis Regina, de um Garrincha, de um Heleno de Freitas, de um Ayrton Senna, de um Tom Jobim e de tantos outros brasileiros, que com seu talento e suas vidas, bem ou mal, ajudaram a erigir a cultura e o esporte deste País. Já é tempo dos governantes entenderem que para a população, os verdadeiros heróis não são os que fazem a guerra, mas os que promovem e consolidam a paz.


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

Um comentário:

  1. Interessante postagem, caro Pedro. Dei risadas sobre as suas considerações de namoro. E das praças, aqui em Montes Claros ainda há uso normal da Praça da Matriz no domingo, onde pessoas de bem se juntam para comer arroz com pequi e comprar artesanato. Espero que se mantenha, pois é um passeio agradável.

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