quinta-feira, 7 de julho de 2011



O fator experiência

A experiência pessoal – ou seja, o que vimos, ouvimos, testemunhamos, lemos, fizemos ou até o que nos fizeram – é fundamental em qualquer atividade. Pode parecer afirmação acaciana, de tão óbvia, mas muitos não se dão conta disso. Todo esse acervo constitui nosso cabedal de conhecimento. Como não poderia deixar de ser, se isso é importante em qualquer atividade, é essencial em literatura.
Cada história que narramos, por mais fantasiosa e inverossímil que seja, tem sempre alguma coisa que foi “vivida” por nós, ou por alguém do nosso convívio, mesmo que não venhamos a admitir ou sequer nos dar conta. Cada personagem que criamos, embora se trate de fantasioso ET, sempre tem algum traço, algum trejeito, algum comportamento ou pensamento nosso ou de alguém que conhecemos, ou vimos mesmo que só de passagem, algum dia e em algum lugar.
Se tivermos talento para a nossa atividade, a literária, se dominarmos as regras do idioma e se soubermos nos comunicar corretamente, de maneira simples e atrativa, quanto maior for essa experiência, mais chances teremos de nos tornar escritores bem-sucedidos. Talvez não comercialmente, é verdade, pois esta é uma outra história. Mas no sentido de agradar, de entreter, de ilustrar os que eventualmente vierem a ler o que escrevermos.
Esse preâmbulo vem a propósito de um dos mais agudos, argutos e bem-sucedidos ficcionistas brasileiros. E, creiam-me, não exagero nesses qualificativos. Basta dizer que esse “personagem” conquistou o Prêmio Cervantes (o de 2003), façanha para poucos, diria, para pouquíssimos. Afinal, essa premiação literária é a maior atribuída a escritores de língua portuguesa, uma espécie de Nobel, guardadas as devidas proporções. Refiro-me a José Rubem Fonseca, mineiro de Juiz de Fora, onde nasceu em 11 de maio de 1925. E ele brilha não somente nas letras, mas também no cinema, como roteirista.
Seus roteiros, por exemplo, já conquistaram três prêmios de grande expressão e prestígio: Coruja de Ouro, o Kikito do Festival de Gramado e a premiação da Associação Paulista dos Críticos de Arte. Mas é como escritor que o acompanho mais de perto e há já alguns anos. E em literatura, sua obra é impressionante, das mais respeitáveis, quer pela quantidade, quer, principalmente, pela qualidade. Afinal, ninguém conquista um Prêmio Cervantes por acaso, não é mesmo?
Com os dois novos livros publicados por estes dias – o romance “José” e a coletânea de contos “Axilas e outras histórias indecorosas” – sua vasta produção, dada a público, ascende a 28 títulos. Destes, onze são romances, catorze são livros de contos, um é a novela “E do meio do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto”, um é volume de crônicas intitulado “O romance morreu”, além da antologia “O homem de fevereiro ou março”.
E o que tem a ver a vasta produção desse magnífico escritor com o tema desta reflexão, ou seja, a experiência pessoal? Tem muito. Poderia até dizer: tem tudo. Explico.
Rubem Fonseca, graduado em Direito, fez longa carreira na polícia. Foi, por exemplo, entre outras funções que exerceu, comissário, no 16º Distrito Policial, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Testemunhou dezenas, centenas, milhares de dramas e tragédias de toda a sorte, e por anos e anos a fio. Ouviu histórias reais tão absurdas que matariam de inveja os mais imaginativos e delirantes ficcionistas.
Além disso, foi brilhante aluno da Escola de Polícia. E destacou-se, sobretudo, na disciplina de “Psicologia”. Ou seja, aprendeu a interpretar os desvios das mentes criminosas e suas doentias motivações. E levou toda essa experiência para a literatura, aliando-a ao seu natural e indiscutível talento literário. Deu no que deu. Ou seja, no surgimento de um escritor original, preciso, meticuloso, cujos textos têm a rara virtude de prender a atenção até do leitor mais desatento e distraído, da primeira à última linha.
O roteirista veio depois. Surgiu como decorrência natural do hábil ficcionista, afeito à ação. A propósito, seus roteiros premiados foram os dos filmes “Relatório de um homem casado”, dirigido por Flávio Tambellini, “Stelinha”, que contou com a direção de Miguel Faria Junior e “A grande arte”, de Walter Salles Junior.
Além do Cervantes e dos três prêmios cinematográficos, Rubem Fonseca conquistou, ainda, o Jabuti, do Penn Clube. E não ficarei nada surpreso se algum dia souber, através da imprensa internacional, que esse escritor mineiro, criativo, mas, sobretudo, com vasta experiência pessoal, ganhou o tão cobiçado (e arredio aos brasileiros) Nobel de Literatura. Quem sabe?! Méritos para isso Rubem Fonseca, certamente, tem.

Boa leitura.

O Editor.




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