Pastoral
* Por
Marcelo Sguassábia
Pasta
o verde da fazenda no amendoal dos teus olhos. Lavoro onírico,
delírio que toma corpo e afronta o cansaço-cão. O trem da Mogiana
vem chegando e descarrila ao topar com teus desvios. Bifurcadora de
sinas, segues gestando tornados. O sol a pedir licença pra se pôr
em tua figura. Não há átomo no cosmo que, ao pressentir tua
passagem, não fique tomado de espanto e seja teu servo devoto.
O
pensamento submerso no sereno reticente, bambeio as pernas, ferido.
Ancinho gasto de recolher os escombros dos umbrais. É certo que em
algum lugar a primavera aflora solta e desavergonhada. Talvez nós
dois numa estação de águas, lívidos de cera e ávidos de ser no
meio daquilo tudo que nos aconteceria. Evoca, da tua parte, esse
tempo de contornos indecisos, sem termo e grávido da gente. Guarda
no recato do decote a lembrança do viver que não tivemos. Essa
foto aqui no colo é reles bi-dimensão no véu da tarde esquecível.
Não, não quero nunca o remorso pelo nada que ouviste, no que
faltou te dizer. Ainda mais a essa altura, reféns amorfos que somos
de um passado que não passa. Aguça o senso do sentir, e basta.
Persevero
na imperícia, desembestado em mazelas, sem freios de praga em
praga. Montado nesse alazão que a nada vai me levar, além dos
parcos domínios de me saber e de te adivinhar. Resiste o nó de
você no areião dos exílios. Que carícia na penugem das espáduas,
cá dentro o vento te esculpe no mole mármore das nuvens. Marisas
aos montes entram pelos tímpanos e reverberam nas entranhas. Eis
agora a mesa posta com os frutos dessas paragens, que nascem e jazem
escondidos nos cantos da tua boca. Deita-te sobre a música,
deixa-te sonhar também.
*
Marcelo Sguassábia
é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Desafio bastante complexo para os meus dois neurônios sessentões.
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