Estou
casada com o Sistema
* Por
Mara Narciso
Conheci
a palavra Sistema e seus dois sentidos iniciais na infância. Fui
primeiro apresentada ao Sistema Solar e seus magníficos nove
planetas (hoje oito, quando Plutão foi rebaixado a “planetóide”)
e satélites, que sempre me causaram aflição, especialmente
Júpiter, o maior planeta e ainda por cima gasoso. Vi a foto dele com
um buraco maior do que a Terra, causado pela queda de um corpo
celeste. Causou-me medo a ideia de infinito. Soube também que meu
avô Petronilho e meu pai Alcides eram sistemáticos. No caso, o
adjetivo serve para indicar intolerância à variação das rígidas
determinações deles. Era a época dos pais intratáveis.
Quando
conheci a informática, em janeiro de 2000, soube do Sistema. Daqui
do Aurélio, destaco duas definições: 1) conjunto de elementos,
materiais ou ideais, entre os quais se possam definir alguma
relação. 2) Disposição das partes ou dos elementos de um
todo, coordenados entre si e que funcionam como estrutura organizada.
Dentro da TI – Tecnologia da Informação, após cursar a Faculdade
de Sistemas da Informação, o acadêmico torna-se projetista de
Sistemas de Informação. “Sistema é
um conjunto de softwares cujas partes interligadas interagem,
atingindo um objetivo comum: a execução de diversas funções”.
(Profissionais TI - André Celestino)
Devido
à LER - Lesão por Esforço Repetitivo de escrever manual e digital
(uma moléstia incapacitante e incurável que os médicos dizem não
existir), estou há quase dois anos com restrições para o trabalho.
Desde dezembro de 2016 converso com profissionais da área de TI. No
dia 29 de abril, feliz possuidora de um Sistema, passei a utilizá-lo
para atender consultas. Papagaio velho não aprende a falar, mas tive
que aprender.
Compreendo
a navegação desse Sistema, mas não gosto dele. Acho-o arcaico, sem
recursos, numa época em que tudo no mundo virtual parece
inteligente, dedutível, acoplado, fluido. Regredi, voltei aos
primórdios das telas duras que não falam entre si. Decepção! Em
vez facilitar a minha vida, deixou-me mais cansada. O tempo de uma
consulta que era de meia hora, quase dobrou. Não me sobra tempo para
olhar o rosto do cliente, falar com ele sobre o momento em que vive,
primordial no diagnóstico e no tratamento, pois fico agarrada ao
Sistema, casada com ele. Então, mesmo contrariada pela ineficácia
desse produto caro, não tenho como me livrar dele. Estou pregada
nessa coisa monstruosa, um Frankenstein nebuloso, que me arranca o
tempo e a paciência. Atrapalha pensar. “Escrava da Matrix”, como
diria o meu filho.
Preciso
encontrar um Sistema que tenha lógica, flexibilidade, no qual um
“enter” me possibilite mudar para o item seguinte, sem clicar com
o cursor e que, estando numa página, eu possa navegar por todas
elas. As partes deveriam estar interligadas e não funcionar como
algo estanque, isolado, em que é preciso fechar uma página para
entrar na outra, mesmo que tudo esteja, aparentemente, dentro de uma
única pasta.
Quando
o Sistema do banco está fora do ar, o mundo financeiro para. Assim é
esse artefato. Cheio de vontades, e mesmo quando funciona nos deixam
burros. Anos atrás, no Bairro Savassi em Belo Horizonte, numa
boutique de sanduíche num shopping, na qual o produto mais barato
custa mais de R$30,00 aconteceu algo ilustrativo. O atendente
esperava minha decisão, enquanto eu corria o cardápio. Escolhi,
observando pão, carne, queijo, molho, salada, e falei que queria
aquela opção, porém com o queijo da outra. E ele: não, não pode
ser substituído. Garçom, eu não posso pagar todo o sanduíche
escolhido “mais” o outro queijo, à parte? Não, o Sistema não
permite. Assim como não aceita um desconto de mais de 5% para
qualquer compra em qualquer lugar com pagamento em dinheiro.
Para
quem não sabe, Sistema é isso, algo que foi criado para solucionar
problemas, mas que trava seu mundo, dentro de limitações absurdas.
Nesse mundo, avô e pai sistemáticos, fazem sentido. Infelizmente,
também esse Sistema não me atende.
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
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