quarta-feira, 3 de maio de 2017

Estou casada com o Sistema


* Por Mara Narciso
 

Conheci a palavra Sistema e seus dois sentidos iniciais na infância. Fui primeiro apresentada ao Sistema Solar e seus magníficos nove planetas (hoje oito, quando Plutão foi rebaixado a “planetóide”) e satélites, que sempre me causaram aflição, especialmente Júpiter, o maior planeta e ainda por cima gasoso. Vi a foto dele com um buraco maior do que a Terra, causado pela queda de um corpo celeste. Causou-me medo a ideia de infinito. Soube também que meu avô Petronilho e meu pai Alcides eram sistemáticos. No caso, o adjetivo serve para indicar intolerância à variação das rígidas determinações deles. Era a época dos pais intratáveis.
 
Quando conheci a informática, em janeiro de 2000, soube do Sistema. Daqui do Aurélio, destaco duas definições: 1) conjunto de elementos, materiais ou ideais, entre os quais se possam definir alguma relação.  2) Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si e que funcionam como estrutura organizada. Dentro da TI – Tecnologia da Informação, após cursar a Faculdade de Sistemas da Informação, o acadêmico torna-se projetista de Sistemas de Informação. “Sistema é um conjunto de softwares cujas partes interligadas interagem, atingindo um objetivo comum: a execução de diversas funções”. (Profissionais TI - André Celestino)
 
Devido à LER - Lesão por Esforço Repetitivo de escrever manual e digital (uma moléstia incapacitante e incurável que os médicos dizem não existir), estou há quase dois anos com restrições para o trabalho. Desde dezembro de 2016 converso com profissionais da área de TI. No dia 29 de abril, feliz possuidora de um Sistema, passei a utilizá-lo para atender consultas. Papagaio velho não aprende a falar, mas tive que aprender.
 
Compreendo a navegação desse Sistema, mas não gosto dele. Acho-o arcaico, sem recursos, numa época em que tudo no mundo virtual parece inteligente, dedutível, acoplado, fluido. Regredi, voltei aos primórdios das telas duras que não falam entre si. Decepção! Em vez facilitar a minha vida, deixou-me mais cansada. O tempo de uma consulta que era de meia hora, quase dobrou. Não me sobra tempo para olhar o rosto do cliente, falar com ele sobre o momento em que vive, primordial no diagnóstico e no tratamento, pois fico agarrada ao Sistema, casada com ele. Então, mesmo contrariada pela ineficácia desse produto caro, não tenho como me livrar dele. Estou pregada nessa coisa monstruosa, um Frankenstein nebuloso, que me arranca o tempo e a paciência. Atrapalha pensar. “Escrava da Matrix”, como diria o meu filho.
 
Preciso encontrar um Sistema que tenha lógica, flexibilidade, no qual um “enter” me possibilite mudar para o item seguinte, sem clicar com o cursor e que, estando numa página, eu possa navegar por todas elas. As partes deveriam estar interligadas e não funcionar como algo estanque, isolado, em que é preciso fechar uma página para entrar na outra, mesmo que tudo esteja, aparentemente, dentro de uma única pasta.
 
Quando o Sistema do banco está fora do ar, o mundo financeiro para. Assim é esse artefato. Cheio de vontades, e mesmo quando funciona nos deixam burros. Anos atrás, no Bairro Savassi em Belo Horizonte, numa boutique de sanduíche num shopping, na qual o produto mais barato custa mais de R$30,00 aconteceu algo ilustrativo. O atendente esperava minha decisão, enquanto eu corria o cardápio. Escolhi, observando pão, carne, queijo, molho, salada, e falei que queria aquela opção, porém com o queijo da outra. E ele: não, não pode ser substituído. Garçom, eu não posso pagar todo o sanduíche escolhido “mais” o outro queijo, à parte? Não, o Sistema não permite. Assim como não aceita um desconto de mais de 5% para qualquer compra em qualquer lugar com pagamento em dinheiro.
 
Para quem não sabe, Sistema é isso, algo que foi criado para solucionar problemas, mas que trava seu mundo, dentro de limitações absurdas. Nesse mundo, avô e pai sistemáticos, fazem sentido. Infelizmente, também esse Sistema não me atende.


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


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