Viagem
* Por
Emanuel Medeiros Vieira
(Para Célia – que foi
comigo)
No túmulo de Kafka, em
Praga, eu pedi: “Orai, por nós”! Foi súplica, imprecação. Antes, agora. Sempre.
No cemitério “Père
Lachaise”, em Paris, escrevi no (túmulo) de Proust: “Merci, Marcel”. (Não, não
fui apenas a cemitérios). E bati perna por Paris, fique contemplando o
movimento nas escadeiras da “Opera”.
Ir e vir de gentes. (No
metrô – contemplando a mocinha com boina e meias grandes – ela lia, não mexia em celular – pensei: não verei nunca mais
esse rosto, nem os outros, pessoas que
vão e que vêm).
Andar – e andar mais
ainda – é um dos prazeres maiores que sinto em Paris. (Mas em relação às
viagens da década de 70 – na época, com escasso dinheiro e fugindo da ditadura
brasileira –, havia agora turista demais – chineses, japoneses, brasileiros
etc., todo mundo querendo comprar e não VER. Os
lugares cheios de gente).
Registrar: não ver. O
viajante vê – o turista registra. E fugia dos locais mais turísticos – por
exemplo, andando e andando pela beira do Sena.
Não, desta vez nada do
Louvre, Palácio de Versalhes (só andei pela cidade e pelo seu mercado).
No Portão de
Brandemburgo, em Berlim, “ouvia” o som de paradas – vi pedaços do Muro. E revi,
numa longa e iluminada conversa, o meu velho amigo Flávio Aguiar.
E lembrei que – num
inverno europeu há tantos anos (1971) –, eu o atravessara, e passara um dia em
Berlim Oriental, com o meu saudoso amigo Alberto Albuquerque e, à noite, Luiz
Travassos nos esperava para tomar um
vinho.
Lembrança de tanto
sangue derramado: mas havia também Beethoven e Goethe. Violência e beleza.
Um concerto: era
Mozart em Viena. Em Bruges, senti mais beleza. Era uma cidade revisitada. (Na
primeira vez, década de 70, senti as pessoas menos estressadas e mais
simpáticas, como aconteceu em Madri e Roma – no geral, elas – em alguns países
– estavam mais irritadas e antipáticas.)
Tantos outros lugares
não citados: como Santiago de Compostela. O que dizer? Já disseram tanto.
Restam-me qualificativos que são lugares-comuns: linda, impactante. Mais que
isso: cheia de uma energia que não sei definir.
E revistei o Porto –
cidade que muito amei, e fiquei na casa de um querido casal amigo, revendo a
querida Manaíra, conhecendo o André – ambos tão sensíveis e cultos, além de
dialogar de novo com o combativo e humanista Carlos Mota.
Como Lisboa –
conhecendo o cotidiano da cidade, as pessoas, a vida real -, parando no
apartamento alugado pelo querido Fábio, sobrinho sensível, preparado, tão amigo
e generoso que lá estudava. Ele já está de volta a Porto Alegre.
Queria “segurar” a
vida. Um instante. Uma eternidade. O rio que flui. Driblamos a morte,
“esquecendo” que – sem prorrogação, sem recursos, sem embargos – ela,
inelutavelmente, nos alcançará na soleira da morte. (Eu sei: só capto
fragmentos, andando às pressas, numa narrativa quebrada – sempre em busca
intensa de uma verdade humana. Consigo captar algo, não a totalidade. É da
humana lida).
Viajamos para o
esquecimento. Mas “precisamos” viajar. Em Dresden, sentei num banco à beira do
rio –, e parecia inacreditável que a bela cidade barroca alemã tivesse sido
completamente destruída na Segunda Guerra.
É preciso escutar um
fado, e contemplo o Tejo. Ah, Lisboa revisitada de Pessoa! Viajamos para
encontrar o que já sabemos?
Chovia muito em
Veneza, e fazia frio. Em Londres, caminhei por parques. E “enxergar”, ir além é
fundamental (navegar é preciso) –: ver (e aprender) é sempre necessário. Se
você está sempre preocupado em ensinar, nunca vai aprender.
–Na Picadilyy Circus
(junção de estrada e de espaço público da Londres’s West na cidade de
Westminster), num sábado à noite (acho que nunca vi tanta gente junta e de
tantas nacionalidades), um casal
indagou-me se sabia o endereço de certa rua.
Em Amsterdã andei por
canais, contemplando tantas pessoas andando de bicicleta, e (re) visitei o
Museu Van Gogh. Em Pompéia, pensei novamente na História (será ele sempre um
pesadelo?), na vida e em todos os impérios que sempre passarão – apesar de
considerarem-se eternos.
Onde estou? No quintal
da minha casa? Atravesso mares para descobrir o que um menino, lá atrás, já
sabia – encanto, finitude, sangue, esperança. A vida como um breve sopro que
precisa ser vivido, a cada dia, sempre. Até.
(Brasília, novembro de
2014, e Salvador, maio e junho de 2015)
* Romancista, contista, novelista e
poeta catarinense, residente em Brasília, autor de livros como “Olhos azuis –
ao sul do efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos caminham comigo nos
domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava simpósios”, entre
outros.
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