segunda-feira, 8 de junho de 2015

Comichão de estrelas


* Por Daniel  Santos



Há tempos, não via o namorado que, no entanto, lhe enviou um bilhetinho: esperaria por ela, depois da janta, no banco da praça. E fosse de casaco, por causa do frio – o moço sugeriu com elegante caligrafia.

Mas saiu de ombros nus, que o calor da saudade lhe animava o organismo, não bastasse o luar pleno a levantar na sua pele ondas de  inédita eletricidade como se ela fosse capaz de levitar toda sonhos.

Naquela noite, limões verdes, pejados de impertinência, mal se suportavam nos galhos, e mesmo a atmosfera sugeria certo incômodo;  parecido, talvez, com a aflição das noviças ante o imperativo da carne.

Pouco antes de sair, quase prendeu os cabelos, mas não. Apenas realçou o brilho dos lábios e pingou uma gota de lavanda na nuca. Estava pronta. Saiu às pressas; obediente, quem sabe, a um prazo biológico.

Ao saltar uma poça em que o céu se refletia inteiro, uma comichão de estrelas, milhares delas!, subiu por suas pernas até o fundo das coxas. Então, veloz e fulva como corisco, correu a encontrar o namorado.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.



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