domingo, 7 de junho de 2015

Insatisfação criadora



* Por Pedro J. Bondaczuk


A insatisfação é a mola propulsora de todas as realizações humanas, seja em que campo for. Afinal, o sujeito satisfeito com tudo, que não sente nenhuma vontade de ter ou de fazer qualquer coisa e nem nutre nenhuma espécie de ambição, se acomoda. Marca passo. Torna sua vida medíocre, cinzenta e vazia. Não se sente motivado a buscar o mais e nem o melhor.

É certo que muitas pessoas levam sua insatisfação a extremos. Por isso, convivem com a infelicidade, gerada pela frustração, já que nem tudo o que se deseja nos é acessível. Aliás, poucas coisas são. Tais indivíduos querem porque querem tanto o possível quanto o impossível. Não se satisfazem, nunca, com nada e com ninguém. Claro que se vêem mergulhados em interminável frustração. Não é a esse tipo de insatisfação, pois, que me refiro. Não estou pensando nessa que é, “compulsiva”, extrema, exacerbada. Afinal de contas, tudo o que é exagerado é ruim. Até a virtude.

Na economia, a insatisfação é essencial. As empresas recorrem à propaganda para estimulá-la e levar as pessoas a adquirirem os produtos que fabricam e comercializam, precisem deles ou não. Centram suas técnicas de convencimento no estímulo ao máximo consumo, em especial do que é supérfluo. O essencial não precisa ser alardeado (embora não raro seja). A própria necessidade induz as pessoas a adquiri-lo. A propaganda, no caso, destina-se a induzir o consumidor a comprar além do necessário.

A insatisfação, queiram ou não, é um dos raros comportamentos do homem que atravessou todos os ciclos de civilização, desde as cavernas primitivas, e está mais vivo do que nunca nas sociedades contemporâneas. Os gregos, por exemplo, nunca se contentaram com suas extraordinárias conquistas intelectuais. Queriam mais, sempre mais, cada vez mais. Com isso, criaram o teatro, a filosofia e a poesia. Desenvolveram a escultura e a arquitetura. E produziram outros tantos frutos do intelecto. Só não foram além, porque foram conquistados e subjugados por uma civilização intelectualmente inferior, porém militarmente mais forte.  

Já a insatisfação romana foi basicamente física, material, sensorial. Referia-se ao gozo da carne. Produziu muitos poetas, mas também gerou sátiros e compulsivos adoradores de Baco. Os romanos tinham obsessiva fixação pelo poder, e a qualquer custo. Não se satisfaziam com as tantas conquistas militares que promoviam. Queriam sempre mais territórios, mais povos a submeter, mais terras a conquistar. Com isso, fizeram de Roma a única superpotência da Antiguidade. Seu império abrangia praticamente todo o mundo conhecido de então. Porém, como viveram cultuando a violência, se extinguiram, como Estado organizado, também por ela.

A insatisfação dos povos da Idade Média, por seu turno, era espiritual. Era a da prevalência do espírito, no sentido transcendental, sobre os sentidos. Para tanto, foram a extremos. Instituíram dogmas que impediram, ou retardaram, a busca da verdade. Vejam o que fizeram com Galileo Galilei Galileu, somente porque este ousou afirmar o óbvio: que a Terra orbitava o Sol e não o contrário, como os dogmáticos asseguravam. Pior foi o que fizeram com Giordano Bruno, queimado numa fogueira por razões semelhantes. Os autonomeados “donos da verdade” buscaram impor suas crenças e convicções (equivo9cadas) a ferro e fogo. O extremo dessa obsessão foi a Inquisição, com seus exageros, ditados pela ignorância, superstições e violência. Não por acaso esse período é conhecido como Idade das Trevas.

E o homem contemporâneo, é insatisfeito? Mais do que nunca! A este, no entanto, materialista por excelência, nenhum bem satisfaz de maneira suficiente. É essa insatisfação que move a economia, gerando necessidades (reais ou imaginárias), que as pessoas empreendedoras e dinâmicas buscam, em vão, satisfazer. Com isso, criam-se indústrias, produzem-se objetos, geram-se empregos e faz-se circular a riqueza, em um "moto perpétuo".

É certo que a fúria consumista do homem contemporâneo tem seu preço que, convenhamos, não é baixo. Tende a ser proibitivo, se não catastrófico. Traz, como subproduto, a depredação acelerada do meio ambiente e o esgotamento dos recursos do Planeta, que são finitos. Ameaçam, ao fim e ao cabo, a própria sobrevivência da espécie.

Um ex-manager da General Motors, dos Estados Unidos, Charles Kettering, definiu com precisão as vantagens desse comportamento, mas impôs-lhe uma regra. Afirmou: "A chave para a prosperidade econômica é a criação organizada da insatisfação". E como se organiza isso? Mediante a propaganda!

Daí esse ramo, hoje, ser mais do que mera disciplina do campo das comunicações. Transformou-se em arte por excelência, englobando disciplinas tão variadas quanto a psicologia, a antropologia, a etologia (ciência do comportamento) e até a filosofia. O satisfeito (se é que existe algum) é, antes de tudo, um perdedor. Os gregos já sabiam disso...Mas cuidado com sua insatisfação!!!


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 
   



Um comentário:

  1. Ando ligeiramente insatisfeita, porém mais para o lado daqueles de vida cinzenta.

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