quarta-feira, 26 de março de 2014

Estamos aqui para melhor servi-lo

* Por Fernando Yanmar Narciso

Digam a verdade, não é assim que sempre acontece? Com a economia movimentada pela classe C, todos ávidos para torrar a grana que têm e a que não têm naquele eletrodoméstico super-moderno que anunciam no intervalo do Jornal Nacional ou nos spams do Facebook, ou naquele carrão de último tipo que tem sido a menina dos olhos de tudo que é revista automobilística. Você vai à loja, faz o test-drive no que deseja levar pra casa, assina todos os contratos que os Illuminatti esfregam na sua cara...

Até aqui, desde que mostre o dinheiro, você é o ser humano mais importante que já caminhou sobre a Terra... Mas depois de fechar o negócio, você simplesmente morre para a loja. Não querem mais saber o seu nome, reconhecer seu rosto ou ouvir suas reclamações. Só querem saber do próximo na fila. Hoje em dia, com o “minucioso e confiável” controle de qualidade do Inmetro, o mais provável é que nossas compras já estejam com defeito dentro da caixa, antes do primeiro uso.

Você põe o liquidificador novo na tomada e a máquina só falta liquefazer a si mesma. O carro, que saiu aparentemente perfeito da concessionária, começa com um irritante “nheco-nheco” no motor assim que o vendedor te entrega a chave. O forno microondas poderia tranquilamente congelar uma garrafa de Skol em dois minutos. Aquela fritadeira elétrica Philips Walita, que consegue até amaciar mármore no comercial, só funcionava direito na mão do apresentador da Polishop.

Mas e o vendedor com isso? Ele não tem culpa nenhuma, pois tem? Mesmo assim, o consumidor desapontado precisa achar um bode expiatório para expiar sua fúria. E ele, por sua vez, deixa as reclamações entrarem pelos ouvidos e saírem lá por baixo. Só se interessa pelo próximo cliente. E mesmo que ele resolva, por caridade cristã, prestar atenção nos seus calundus, o mínimo que ele pode fazer é indicar a assistência técnica ou trocar o produto por outro, que se não tiver a sorte de vir com o mesmo problema, vem com outro pior. C’est La vie!

“Ninguém tem menores preços que os nossos!” “Mais barato é só aqui!” “O patrão ficou maluco!” “Cobrimos qualquer oferta!” Blá, blá, blá... Às empresas de marketing, parece que a única coisa que importa ao freguês é o preço do produto. É evidente que a pessoa planeja sair da loja fazendo o máximo possível de economia, afinal ainda tem as prestações do que comprou mês passado para pagar, mas e quanto ao resto? E quanto à garantia, à pós-venda, o custo-benefício e, mais importante, a QUALIDADE do que está sendo oferecido?

Acreditam mesmo que o consumidor sensato não vai dar a mínima pra tais detalhes, bastando saber que aquele liquidificador Arno, custando apenas R$ 59,95 à vista, pode ser dividido em doze prestações de R$ 6,25, mesmo que isso represente um aumento de 10% no preço final... Afinal, quem é que se interessa em produzir bens duráveis hoje em dia? Meus pais são de um tempo que não existiam coisas descartáveis. O carro da família era comprado e literalmente cada filho nascido aprendia a dirigir nele. Ele pertencia ao dono por tantos anos que podia até fazer sua própria declaração de imposto de renda, tamanho o entrosamento da família com ele. Caía aos pedaços, enferrujava todo, o escapamento funcionava aos peidos de fumaça preta, mas ele se recusava a nos deixar na mão. Como diziam os ingleses da Rolls-Royce, o carro não quebrava, simplesmente “falhava em prosseguir”.

Noutros tempos, a única marca de geladeira que todos conheciam e confiavam era a Frigidaire, fabricada pela General Motors. Difícil era achar uma casa que não tivesse um exemplar da marca, pois além de potente, seu corpo era construído como um tanque de guerra. Era plugar na tomada e deixar o pau quebrar, funcionaria para sempre. Era uma máquina tão resistente que até Indiana Jones usou uma para escapar de uma explosão atômica! Cresci olhando para duas Frigidaires na casa de minha avó, e se ela ainda estivesse entre nós, estaríamos tomando sorvete saído delas. Mesmo com as grades enferrujadas, o barulho ensurdecedor e o motor soltando quilômetros de CFC na camada de ozônio, nossos titãs gélidos perdurariam mais que as baratas.

Porém, os tempos, há muito, são outros. Digo, que empresário teria interesse em produzir uma batedeira “imortal” hoje, ou um Hyundai tão durável quanto uma Rural? Não dá para aumentar os lucros se o freguês entrar na loja só uma vez, por isso praticamente todo o inventário do Bonzão e da Ricardo Eletro, mesmo fabricado na Zona Franca, tem peças produzidas na China com catarro fossilizado, projetadas para deteriorar logo ao saírem da linha de montagem. Por isso, se a TV de LCD de 50 polegadas comprada semana passada já deu prego, não deixe de nos visitar! Ninguém vende mais barato ou tem melhores prazos e planos de pagamento que a nossa rede. REDE PEGA-OTÁRIO! AQUI O FREGUÊS TEM “SEMPRE” RAZÃO!

*Designer e escritor. Sites:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
http://cyberyanmar.deviantart.com/

HTTP://www.facebook.com/terradeexcluidos

Um comentário:

  1. Verdade verdadeira, mas as lojas de eletrodomésticos, devido a veracidade dos fatos, não ficarão muito felizes com seu discurso não. Parabéns a todos, inclusive aos vendedores e principalmente aos otários.

    ResponderExcluir