sábado, 8 de julho de 2017

O contrário da peça


As palavras, quando expressam algum compromisso – explícito ou tácito, público ou privado (não importa) – perdem o sentido se não vierem acompanhadas dos respectivos atos. Posso dizer as coisas mais belas que existam à pessoa à qual jurei amor eterno (em prosa ou verso), elaborar as mais rebuscadas metáforas, compará-la, quem sabe, a Beatriz, de Dante Aligheri, mas esse exercício vocabular não terá qualquer sentido se, no dia a dia, tratá-la como pessoa vulgar. Se for ríspido ou indiferente aos seus agrados e, o que não raro ocorre em muitos relacionamentos, agredi-la, se não física, pelo menos verbalmente.

Claro que esse é apenas um dos milhares de exemplos de que nem sempre o que se diz e o que se faz se casam e complementam. Na vida pública, isso é, desgraçadamente, o mais comum. Observem que nenhum golpe de Estado é classificado como tal por seus autores. Estes preferem, para dissimular a ilegalidade do seu ato, classificá-lo de “revolução”. Não importa que silenciem a imprensa, desrespeitem os direitos humanos, rasguem as Constituições e abarrotem as prisões de adversários.

Quanta torpeza já não se cometeu em nome da liberdade?! Quanta vilania não se praticou em nome da democracia?! Quanto atentado às leis e bons costumes não se fez em nome da defesa da moral?! Quanta gente boa não morreu em fogueiras em nome da fé?! Palavras, palavras, palavras. Ou, para posar de sofisticado: “words, words, words...”, como escreveria William Shakespeare.

Em jornalismo há um princípio que determina que o título de qualquer matéria não pode nunca contrariar seu teor (alguns contrariam). O mesmo vale para quem escreve crônicas, contos, poesias, livros, peças teatrais etc. Todavia, na vida... a todo o instante essa regra é violada, para desespero dos incautos e dos crédulos.

Em vésperas de eleições, quem assiste a um comício e ouve os discursos dos candidatos, se for dos que acreditam em tudo o que ouvem, podem chegar a crer que ali está o próprio Jesus Cristo, que retornou à Terra para redimir a humanidade. Prometem, com a cara mais deslavada do mundo, de tudo, principalmente o que não terão a mínima condição de cumprir, dada a natureza do cargo que disputam. Se bobear, são capazes, até, de prometer a revogação da “lei da gravidade”, se acharem que é o que os ouvintes esperam e que lhe renderá os votos necessários para se elegerem.

Claro que estou generalizando (mas não exagerando, creiam). Há sim, também, embora escassos (tão raros de se encontrar como achar uma agulha em um palheiro), políticos idealistas, sinceros, que tratam seus eleitores com respeito, respeitando, principalmente, sua inteligência. Estes, porém, dificilmente se elegem. E quando conseguem a façanha de se eleger, passam o mandato todo malhando em ferro frio. E, para seu desespero, ainda acabam classificados pela imprensa como “improdutivos”.

Como seria bom se “todas” as palavras nobres que são proferidas, as que simbolizam valores que dão nobreza e grandeza ao homem, fossem acompanhadas das respectivas ações! Obviamente, não são. No teatro da vida, a peça que se representa raramente corresponde ao que anuncia o cartaz.

Os irmãos Jules e Edmond Goncourt, que escreviam seus livros sempre em parceria, deixaram registrado um desabafo a esse respeito, que parece sumamente pessimista, mas não é. Trata-se de constatação que não exige nenhum esforço nosso para ser feita. Afirmaram, em um de seus ensaios: “Palavras, palavras, só palavras. Têm se acendido fogueiras em nome da caridade. Tem-se guilhotinado em nome da fraternidade. No teatro das coisas humanas, o cartaz é quase sempre o contrário da peça”.

É impossível de determinar qual dos dois, se Jules ou se Edmond, chegou a esta amarga constatação. Mas não é verdade? As fogueiras da Inquisição, que consumiram os corpos de Joana D’Arc, João Huss, Jerônimo, Giordano Bruno e tantos outros ilustres pensadores, não foram acesas em nome da caridade?

O banho de sangue que ocorreu na França, no período conhecido como de terror (e põe terror nisso), justo da Revolução Francesa, que manchou os ideais dos que a promoveram, com milhares de pessoas talentosas e úteis (e provavelmente inocentes dos delitos que lhes foram imputados) sendo guilhotinadas – entre as quais o notável químico Antoine Laurent de Lavoisier – não foi perpetrado em nome da fraternidade?!

Por isso, leitor amigo, fique atento àquilo que disser e que implique em algum tipo de compromisso (explícito ou tácito). Faça com que suas palavras tenham plena correspondência em atos. Se não tiver condições disso... não fale nada. Afinal, não é somente o peixe que morre pela boca.


Boa leitura!


O Editor.


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