O contrário da peça
As
palavras, quando expressam algum compromisso – explícito ou
tácito, público ou privado (não importa) – perdem o sentido se
não vierem acompanhadas dos respectivos atos. Posso dizer as coisas
mais belas que existam à pessoa à qual jurei amor eterno (em prosa
ou verso), elaborar as mais rebuscadas metáforas, compará-la, quem
sabe, a Beatriz, de Dante Aligheri, mas esse exercício vocabular não
terá qualquer sentido se, no dia a dia, tratá-la como pessoa
vulgar. Se for ríspido ou indiferente aos seus agrados e, o que não
raro ocorre em muitos relacionamentos, agredi-la, se não física,
pelo menos verbalmente.
Claro
que esse é apenas um dos milhares de exemplos de que nem sempre o
que se diz e o que se faz se casam e complementam. Na vida pública,
isso é, desgraçadamente, o mais comum. Observem que nenhum golpe de
Estado é classificado como tal por seus autores. Estes preferem,
para dissimular a ilegalidade do seu ato, classificá-lo de
“revolução”. Não importa que silenciem a imprensa,
desrespeitem os direitos humanos, rasguem as Constituições e
abarrotem as prisões de adversários.
Quanta
torpeza já não se cometeu em nome da liberdade?! Quanta vilania não
se praticou em nome da democracia?! Quanto atentado às leis e bons
costumes não se fez em nome da defesa da moral?! Quanta gente boa
não morreu em fogueiras em nome da fé?! Palavras, palavras,
palavras. Ou, para posar de sofisticado: “words, words, words...”,
como escreveria William Shakespeare.
Em
jornalismo há um princípio que determina que o título de qualquer
matéria não pode nunca contrariar seu teor (alguns contrariam). O
mesmo vale para quem escreve crônicas, contos, poesias, livros,
peças teatrais etc. Todavia, na vida... a todo o instante essa
regra é violada, para desespero dos incautos e dos crédulos.
Em
vésperas de eleições, quem assiste a um comício e ouve os
discursos dos candidatos, se for dos que acreditam em tudo o que
ouvem, podem chegar a crer que ali está o próprio Jesus Cristo, que
retornou à Terra para redimir a humanidade. Prometem, com a cara
mais deslavada do mundo, de tudo, principalmente o que não terão a
mínima condição de cumprir, dada a natureza do cargo que disputam.
Se bobear, são capazes, até, de prometer a revogação da “lei da
gravidade”, se acharem que é o que os ouvintes esperam e que lhe
renderá os votos necessários para se elegerem.
Claro
que estou generalizando (mas não exagerando, creiam). Há sim,
também, embora escassos (tão raros de se encontrar como achar uma
agulha em um palheiro), políticos idealistas, sinceros, que tratam
seus eleitores com respeito, respeitando, principalmente, sua
inteligência. Estes, porém, dificilmente se elegem. E quando
conseguem a façanha de se eleger, passam o mandato todo malhando em
ferro frio. E, para seu desespero, ainda acabam classificados pela
imprensa como “improdutivos”.
Como
seria bom se “todas” as palavras nobres que são proferidas, as
que simbolizam valores que dão nobreza e grandeza ao homem, fossem
acompanhadas das respectivas ações! Obviamente, não são. No
teatro da vida, a peça que se representa raramente corresponde ao
que anuncia o cartaz.
Os
irmãos Jules e Edmond Goncourt, que escreviam seus livros sempre em
parceria, deixaram registrado um desabafo a esse respeito, que parece
sumamente pessimista, mas não é. Trata-se de constatação que não
exige nenhum esforço nosso para ser feita. Afirmaram, em um de seus
ensaios: “Palavras, palavras, só palavras. Têm se acendido
fogueiras em nome da caridade. Tem-se guilhotinado em nome da
fraternidade. No teatro das coisas humanas, o cartaz é quase sempre
o contrário da peça”.
É
impossível de determinar qual dos dois, se Jules ou se Edmond,
chegou a esta amarga constatação. Mas não é verdade? As fogueiras
da Inquisição, que consumiram os corpos de Joana D’Arc, João
Huss, Jerônimo, Giordano Bruno e tantos outros ilustres pensadores,
não foram acesas em nome da caridade?
O
banho de sangue que ocorreu na França, no período conhecido como de
terror (e põe terror nisso), justo da Revolução Francesa, que
manchou os ideais dos que a promoveram, com milhares de pessoas
talentosas e úteis (e provavelmente inocentes dos delitos que lhes
foram imputados) sendo guilhotinadas – entre as quais o notável
químico Antoine Laurent de Lavoisier – não foi perpetrado em
nome da fraternidade?!
Por
isso, leitor amigo, fique atento àquilo que disser e que implique em
algum tipo de compromisso (explícito ou tácito). Faça com que suas
palavras tenham plena correspondência em atos. Se não tiver
condições disso... não fale nada. Afinal, não é somente o peixe
que morre pela boca.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Chama-se a isso de contradição.
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