segunda-feira, 1 de maio de 2017

Nada só queria ser tudo


* Por Giacomo Mastroianni


"Livre pensar é só pensar" (Millôr Fernandes).


Era uma vez um nada. Ele nasceu do nada, nada se criou e seu maior sonho era ainda um dia chegar a ser tudo.

Mas, para isso, teria que viajar muitas estrelas, muitas galáxias, zilhões e zilhões de anos-luz, à procura de um buraco negro, o que seria praticamente impossível.

Nosso nada já ouvira falar da lenda do arco-íris, que uma vez transposto, poderia mudar a essência das coisas, aqui na terra. Mas não botava muita fé em histórias de fantasia. Para ele, além da ciência, nada é possível. Tudo é difícil.

O nada levava, pois, uma vida desolada, em companhia de outros amigos de infortúnio, como o zero à esquerda, a ausência, o silêncio absoluto, o espaço vazio, a solidão e a saudade.

Nada era filho de ninguém com nenhuma pessoa e vagava nas trevas, viajando sem rumo de um ponto qualquer em direção ignorada e incerta. Não se submetia a nenhuma lei, além da inércia.

Seus valores não eram nem positivos nem negativos. Não chegando a ser imoral, tampouco era moralista. Nada era amoral, no que residia seu paradoxo. Pois se nada era amoral, tudo poderia sê-lo.

Os homens mais sábios não ousavam fazer qualquer prognóstico sobre o destino de nada. Pois se ele não tinha nada de tudo, por outro lado, ele, somente ele, tinha tudo de nada.

Na sua infinita misericórdia, Deus então se apiedou do nada. E resolveu recompensá-lo com alguns privilégios. Nada de trabalho, nada de fome, nada de filhos para sustentar e nada de mulher para aturar.

Ainda assim, nada satisfeito, ele queria era amar. É... tudo é muito bom, quando desejado. Pois que seja.

Então... do nada, Deus criou sua Eva. Do nada, fez-lhe um trabalhador. Do nada, colocou-lhe um fardo nos ombros e do nada fez dele um sonhador. Um homem que ama e que sofre.

Para quê? Para nada.


* Publicitário, assessor de comunicação e escritor (ex-Propeg, Norton, Denison, McCann e CBC&A). Atualmente, reside em Fortaleza, onde termina de escrever o livro "Advogados Cearenses", editado pelo jornalista e advogado Sabino Henrique, a ser lançado neste mês de fevereiro, com 50 biografias de advogados mais admirados do Estado, apontados pela classe através do site www.direitoce.com.br



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