quinta-feira, 2 de março de 2017

Indecisos


* Por Gustavo do Carmo



Nasceu às oito e onze da manhã do dia 29 de fevereiro de 1976. Seu aniversário será comemorado no dia 28 de fevereiro ou primeiro de março? Ou só fará aniversário nos anos bissextos? Esta é a segunda dúvida que persegue Arnaldo Augusto na hora do nascimento de seu primeiro filho. A primeira, que durou até a hora do parto, já foi resolvida: é um menino. A terceira será escolher o nome da criança. Durante a gravidez, pensou em vários nomes masculinos e femininos: Rafael, Marcos, Ricardo, Roberto, Reynaldo, Ronaldo, Flavia, Luciana, Marcela, Mariana, Daniela...Como nasceu um menino, Arnaldo Augusto optou, pelo menos, em começar o nome com a letra R.

Arnaldo Augusto era um moreno claro de trinta anos, alto, cabelos castanhos, compridos e lisos, bigode pequeno e costeleta. A mãe do bebê é Joanna, uma moça de cabelos cacheados negros, repartidos ao meio e penteados para trás. Olhos verdes, pele lisa e clara. Cinco anos mais jovem do que ele. Mãe de primeira viagem. Ainda não eram casados porque o rapaz não sabia se casava ou não

No quarto, após o parto, Arnaldo Augusto está acompanhando a sua namorada deitada na cama com a roupa azul do hospital quando entra a enfermeira, uma senhora loira e gorda, com o bebê no colo e o entrega à nova mamãe.

“Oh”, “Que gracinha”, “Meu filho”, “Vem cá com a mamãe”, “Ó o papai aqui” foram as palavras que dominaram o quarto. Depois de acalmar a emoção dos pais, entrou outra enfermeira, uma mulata de corpo violão com uma prancheta na mão, que começou a pedir informações sobre a criança para o livro de registro do nascimento no hospital.

— Nome do pai? — Arnaldo Augusto Gomes Mendes.

— Nome da mãe?

— Monique — Joanna. Respondem ao mesmo tempo Arnaldo e Joanna.

A enfermeira estranha e pergunta:

— É Monique ou Joanna?

— É Joanna, enfermeira! Joanna Marques Campos! Ô Arnaldo! Você fala o nome da minha rival bem na minha cara e na frente dos outros?

— Desculpa, meu bem.

Monique, na verdade, é a outra namorada de Arnaldo. Loira de cabelos lisos, tem a mesma idade de Joanna de quem era amiga. Mesmo com o nascimento do filho, ele ainda não decidiu se ficava com Joanna ou Monique. A princípio, venceu Joanna que teve o único filho dele. Monique é estéril.

— Nome do bebê?

— A gente ainda não se decidiu. Responde Arnaldo.

— Mas a gente tem que colocar no livro do hospital. Insiste a enfermeira.

— Então é Ricardo. Decide Arnaldo.

— Mas você não disse que ia pôr Ronaldo? Pergunta Joanna.

— Olha, eu estou com um pouco de pressa. Reclama a enfermeira  cordial. — Vamos fazer o seguinte: vocês não querem escolher depois?

— Põe Ronaldo ou Ricardo. Assim mesmo. Com o “ou”. Sugere Arnaldo.

— Arnaldo? Repreende Joanna.

— Qual o problema? É um nome diferente.

— Eu vou colocar assim mesmo. Se houver problema eu volto para corrigir. Até lá o nome da criança estará definido, não estará? Encerra a enfermeira.

— Ronaldo ou Ricardo? Está maluco? Está achando que eu sou idiota, rapaz! Esbraveja aos gritos o gordo escrivão do cartório.

— Estou no direito de escolher o nome do meu filho. Eu quero Ronaldo ou Ricardo, sim! Exige Arnaldo também aos berros, indignado.

— Baixe o tom comigo que você não está em sua casa, rapaz!

— Está bem, meu senhor. Podemos negociar então?

E após subornar o escrivão, a criança foi registrada como Ronaldo ou Ricardo Campos Mendes.

Ronaldo ou Ricardo cresceu com o carinho da mãe e do pai. Sempre morou com a mãe. Mas nunca soube dizer se o pai morou ou não com ele. É que Arnaldo Augusto voltou a namorar Monique e o menino acostumou-se a ver o pai dividido entre a amante e a sua mãe. Mesmo assim, tem o pai como o seu herói. Monique, por sua vez, fez um tratamento de fertilidade e, quatro anos depois do nascimento de Ronaldo ou Ricardo, conseguiu ter a sua primeira filha. Com Arnaldo Augusto. O nome da criança? Maria ou Isabel. Assim mesmo. Com o “ou”.

Ronaldo ou Ricardo e Maria ou Isabel são irmãos que cresceram sabendo da existência um do outro, mas sem convivência. Ronaldo ou Ricardo, quando adulto, herdou a aparência do pai, o mesmo rosto fino, a mesma altura, mas com cabelos curtos, sem costeletas e bigode.

Os dois irmãos distantes têm uma história em comum. Ambos viraram motivos de chacota por colegas e professores na escola durante a infância. Mas tiveram reações diferentes. Maria ou Isabel revoltou-se, fez terapia e entrou na justiça para mudar o nome que passou a apenas Maria Isabel. Ficou curada e transformou-se em uma mulher normal. Também nascida em ano bissexto e na data quadrienal, foi registrada como nascida no dia primeiro de março.

Ronaldo ou Ricardo assumiu a dubiedade do seu nome como a sua marca. Cresceu indeciso. Demorava a escolher os presentes. Sempre levava quatro horas para escolher uma roupa em casa ou na loja. No supermercado demora seis horas. Não sabe em que data marcar a festa de aniversário para os amigos tendo mantido a data de 29 de fevereiro em sua certidão. Ficou confuso na hora de escolher o time de futebol. Torce pelo Flamengo e pelo Fluminense. Foi difícil dar o primeiro beijo quando criança e perder a virgindade quando adolescente. As namoradas que tinha se foram devido à sua ambigüidade.

Seu caso preocupou a mãe, que o levou ao psicólogo infantil. O psicólogo o ajudou ao menos a ser produtivo nos estudos. Quando virou homem, ficou indeciso na hora de trocar de terapeuta. Na hora do vestibular, ficou em dúvida: odontologia ou direito? Formou-se nos dois. Dentista e advogado. Bom profissional, para alívio de seus pacientes e clientes.

Em cada faculdade conheceu uma bela garota. Na de direito, conheceu Paula, uma morena de cabelos curtos. Na de odonto, Paula, também. De cabelos curtos, mas loira.

Antes de ter a alegria de ser pai, porém, teve a tristeza de perder o seu. Arnaldo Augusto teve um enfarte fulminante aos 58 anos.

No velório, Ronaldo ou Ricardo conheceu a irmã paterna Maria Isabel. Nesta hora, ambos faziam-se a mesma pergunta: cremar ou enterrar? Antes de morrer Arnaldo decidiu em cartório: quis ser cremado. Mas Ronaldo ou Ricardo queria um túmulo para lembrar sempre do pai. Isabel cremou o corpo e Ronaldo ou Ricardo enterrou seus restos mortais num jazigo. 

Perdeu a virgindade com a Paula do direito. No dia seguinte, transou com a Paula de odontologia. Mas engravidou somente a namorada advogada. O mesmo obstetra que trouxe Ronaldo ou Ricardo ao mundo fez o parto de Paula. O doutor Cláudio trabalhou em seu último dia antes de se aposentar: 29 de fevereiro de 2004.

No quarto, Ronaldo ou Ricardo recebeu o filho da mesma enfermeira que o registrou na maternidade quando nasceu. Ela agora uma senhora gorda.

— Nome do papai?

— Ronaldo ou Ricardo.

— Você está gozando com a minha cara? Pergunta a enfermeira após um riso sarcástico.

— Não. É esse mesmo o meu nome: Ronaldo ou Ricardo Campos Mendes.

— Então você é o bebê que eu registrei anos atrás porque o seu pai não tinha resolvido o nome?

Ronaldo ou Ricardo responde balançando a cabeça.

— E ficou assim mesmo?

Resignada, anotou o nome do pai, da mãe e pediu o nome do bebê.

— Ronaldo ou Ricardo Campos Mendes Júnior ou Filho.


* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
 Bookess - http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe -http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
Seu  blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores



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