Dra.
Adair, a grande dama de Canoinhas
* Por
Urda Alice Klueger
(Para Dra.
Adair Dittrich, de Canoinhas/Brasil)
Muitas e muitas
cidades não têm uma grande dama – há muitas que sequer sonham com o que pode
ser isto, e eu acho que fica bastante difícil de explicar em palavras comuns o
que é ser uma grande dama – grande dama é aquela pessoa que não precisa dizer
nada nem fazer nada para sê-la – grande dama é alguém perceptível diretamente
pelos olhos do coração, e as palavras são coisas bobas diante delas.
Então no ano que
passou fui à cidade de Canoinhas/SC, lá no extremo norte do Estado, e lá estava
aquela mulher inigualável a me atender. A princípio ela parecia normal, uma
mulher da minha idade, médica, educada e delicada quanto tantas, cuidando para
dirigir muito devagar para evitar que eu enjoasse no caminho do que queria me
mostrar, conversando agradavelmente, inteligentemente, mas até aí tudo parecia
normal. Levou-me ao seu lugar, onde nascera e crescera, à localidade de
Marcílio Dias, e lá mostrou-me muitas coisas: a casa onde se criara (há uma
sobrinha dela ainda morando lá na casa vetusta, de madeira, onde juro que deve
haver fantasmas escondidos sob as escadarias e entre as paredes duplas e,
portanto, pudemos entrar e conhecer a casa); as diversas outras casas de
formatos e construções únicas da região, o leito da antiga estrada de ferro, a
velha estação, ao lado da casa de moradia e de comércio da sua nona, que tantas
coisas na vida ensinara à menina Adair, enquanto atendia autoridades que o trem
trazia até ali, sendo a mais ilustre o presidente Getúlio Vargas; contou-me
muitas coisas da Guerra do Contestado e da Madeireira Lumber, uma desgraça que
aconteceu ao Brasil lá no começo do século XX, com seu Ogro chamado Paschaol
Farquhar.
Canoinhas ainda é uma
cidade bastante pequena, mas Dra. Adair havia decidido me dar um city-tour, e
em seguida lá fomos nós para a Cervejaria Canoinhense, onde o inigualável
cervejeiro Rupprecht Loeffler produz cerveja e gasosa há mais de 80 anos, ele
pessoalmente. Acabei ganhando uma coleção de cervejas e comprando uma coleção
de gasosas, das vermelhas e das brancas, as inigualáveis gengibiras que
degustaria depois, em casa. Doutora Adair contou prazerosamente como seus pais
compravam, nas festas de final de ano, engradados inteiros daquelas gasosas, e
como os irmãos e primos dela (decerto ela também) aproveitavam para esconder muitas
garrafas nos mais inacessíveis esconderijos da casa, para que sobrassem para
depois – sobravam para o ano inteiro; era um nunca acabar de se achar gasosas
por todo o ano dentro daquelas paredes duplas onde agora, com certeza, devem
morar muitos fantasmas!
E nos dias em que
fiquei lá (não só em Canoinhas, como também em Três Barras e Bela Vista do
Toldo) fazendo palestras nas escolas cujos alunos haviam lido os meus livros e
também participando de uma noite de autógrafos na Livraria Santa Cruz, Dra.
Adair esteve todo o tempo a me acompanhar, sem contar as duas vezes em que me
convidou para almoçar na sua casa. Então, aos poucos eu fui conhecendo,
desvendando seus mistérios de grande dama e outros, e um pouquinho da sua
biografia. Ela era médica desde os 25 anos, e já completou seus 50 anos de
medicina há algum tempo atrás, o que significa que... céus, mas aquela mulher
linda que parece ter a minha idade não tem a minha idade? Não, acabei por saber
– aquela mulher linda e tão jovem já passava dos 75 anos! Como fez ela para se
manter assim cheia de vigor, de beleza e de juventude? Penso que por conta do
muito trabalho da sua vida, e de ter escolhido fazer exatamente o que gostava
de fazer – mas também por ter seguido seu coração e suas convicções sem se dar
trégua, e ter vivido de acordo com eles sem esmorecer. Fiquei a admirá-la
silenciosamente quando, numa reunião pública onde estávamos, ouvi sua indagação
para a qual ainda não se tem resposta:
- Então que faço com
os vinte anos que a ditadura me roubou? Faço de conta que eles não existiram, e
digo que agora só tenho 50 e tantos anos?
Grande Dra. Adair, que
não permitiu que se lhe arrancassem os sonhos e ideais da juventude! Continua
convivendo com eles com a mesma intimidade com que sempre viveu – nunca deixou
de acreditar nas suas crenças, nunca deixou de levar muito a sério o que acha
que é justo! Seria este o segredo que a tornou uma grande dama?
É bem possível e
provável que sim. É, pelo menos, um dos fatores. Dra. Adair nunca transigiu,
nunca deixou de perseguir os seus ideais, fossem eles os de mitigar o
sofrimento alheio ou de sonhar com um mundo melhor. Nunca prestou atenção, ela,
aos arautos da Apocalipse que ficaram anunciando a chegada do desânimo, a ruína
dos sonhos, o fim dos tempos da esperança – única e perfeita, ficou na sua
pequena cidade defendendo que o tempo de sonhar nunca se acaba, e então se
tornou grande, a grande dama de lá!
Querida Dra. Adair, a
grande dama de Canoinhas, que bom que foi ter tido o privilégio de conhecê-la!
Blumenau, 29 de março
de 2011.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR,
autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de 2016), entre os
quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12
edições).
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