quinta-feira, 23 de março de 2017

A cultura engolida por templos


* Por Francisco Simões


Fiquei triste quando vi uma tradicional livraria, em Ipanema, no ano de 1999, ser fechada, entrando no seu lugar uma loja de roupas femininas. Esta ainda está lá. Fica na Av. Visconde Pirajá indo para a rua Aníbal de Mendonça. Felizmente agora já temos mais duas novas e excelentes livrarias no bairro.

Na época escrevi uma poesia com o título CULTURA DE SAIA CURTA. Podem lê-la no meu site pessoal.

Isso, entretanto não era tudo ou significava muito pouco diante do que veríamos mais pra frente. Quando me refiro à Cultura (com C maiúsculo, sim senhor) não relaciono apenas livrarias, mas também teatros, cinemas etc. O fato acima ocorreu em 1999 e depois vimos que também outros estavam a engrossar o desmonte de símbolos culturais nossos. Estes já o estavam fazendo... em nome da fé!!

Templos já eram abertos por todo canto, em todo tipo de prédio, dos mais modestos aos mais luxuosos. Outro dia li um artigo de certo jornalista, creio que da Folha de S. Paulo, onde, usando de humor e ironia, ele dizia “estar abrindo uma religião”, ou uma igreja. Pretendia “se beneficiar” das inúmeras facilidades fiscais entre outras benesses concedidas por nossas leis para as igrejas.

Era um sarro realmente muito bem humorado, mas profundamente sério, praticamente uma denúncia que infelizmente a muitos deve ter passado despercebido ou nem ter despertado algum interesse. Na matéria ele apresentou uma relação imensa de 113 nomes verdadeiros de “novas igrejas”, que estão por aí, alguns muito exóticos, extravagantes e outros ridículos, com todo o respeito.

Voltando ao começo, nas minhas andanças pela Europa quando lá morei por quatro longos períodos, fui encontrando templos de igrejas “nascidas” no Brasil e que já fincavam algumas raízes em Portugal e também em Espanha. Não se surpreendam, mas na França também já havia alguns sinais desses “novos tempos” (ou seriam “novos templos”?). Confesso que fiquei surpreso.

Enquanto no Brasil alguns cinemas e até teatros eram fechados, comprados por particulares e transformados em “templos religiosos”, no ano de 1998, quando passeávamos por Cascais, Portugal, em companhia de um casal amigo, de repente vi aquele prédio muito bonito, com vidros enormes, uma fachada elogiável, e lá no alto escrito com todas as letras: “Templo da Igreja Universal”, etc e tal.

Antes eu já soubera que aquilo estava ocorrendo por outras cidades portuguesas e também espanholas. Um dia, creio que em 1995, assisti em reportagem da televisão RTP que estaria havendo uma forte pressão para que a cidade do Porto vendesse seu principal e histórico teatro, uma obra prima de arte, justamente para os donos da mesma igreja. Ocorre que aquele teatro era, e é ainda hoje, felizmente, patrimônio nacional, portanto pertence ao povo, se posso dizer assim.

Noutra reportagem, em outro dia, fiquei chocado com o que assisti pela TV portuguesa. Alguns artistas e intelectuais lusos decidiram defender aquele patrimônio e se instalaram com mesas e cadeiras, em frente ao referido teatro. Através daquela manifestação e de um abaixo-assinado eles tentavam chamar a atenção do governo local para o fato. Até aí tudo bem, exerciam seu sagrado direito na defesa do belo patrimônio público e o faziam pacificamente.

De repente as portas do teatro se abriram e lá de dentro algumas pessoas, “armadas” de vassouras e outros apetrechos, avançaram contra os intelectuais e artistas tentando agredi-los. Eram adeptos da tal igreja que por pouco não provocaram uma sangrenta luta entre irmãos. Felizmente a polícia estava por perto e evitou o pior. Fiquei muito triste, decepcionado e preocupado.

Em nosso país continua a compra de cinemas e teatros, dos poucos que restam, e também de emissoras de TV e de rádio por pessoas que se identificam como pastores, missionários, ou algo assim e donos de tal e tal igreja. Nunca vi tanta gente falando em nome de algum deus, sendo que uns operam “milagres” ao vivo pela TV. Também “expulsam demônios” agindo sempre em nome d’Ele.

Na nossa TV a cabo, aqui em Cabo Frio, correndo pelos canais encontramos às dúzias os que ou pertencem a eles ou transmitem, em vários horários, programas daqueles senhores. Isso em diversas cidades e em diferentes Estados da Federação.

Não pensem que ao tratar deste assunto irei defender alguma das nossas religiões, talvez a católica, já que fui aluno de Colégio Marista além de ter sido criado em família extremamente religiosa. Não se trata disso não. Muito pelo contrário. Já de há muito tenho uma visão bem diferente da que fui, digamos, catequizado.

Não quero polemizar com ninguém, respeito a posição de cada um. Afinal em minha vida tenho sido atingido por várias vezes pelas regras, pelos dogmas desta Igreja. Meu relacionamento com a católica é de há muito bem distante, distante mesmo, e nem preciso dizer de quantos motivos eu tenho para me manter assim. Um dia eu contarei tudo.

Ao escrever este texto não pretendi tomar partido de nenhuma delas, muito menos desconsiderar qualquer uma, para além do horizonte das merecidas críticas. Todavia, sobre a católica então eu teria certamente que escrever um livro, não apenas uma crônica.

Sei, porém, que não teria competência para manter polêmica com quem quer que fosse, mas razões não me faltam para queixas e muitas críticas, afinal os assuntos estão na mídia internacional, diariamente, e a história da mesma tem manchas que não recomendam quem vive a ditar regras para a sociedade e a querer defender os mais pobres. Desculpem, mas vejo muita hipocrisia a abusar da boa fé das pessoas.

Não julguem que sou ateu. Já o disse e repito novamente, não sou, e nem poderia ser, tendo um contato maravilhoso com a natureza como temos aqui. Acredito sim em algo maior, talvez uma mente pensante, ou sei lá o que, mas que reina justo na Natureza, como, aliás, já o admitiam importantes e renomados filósofos, jamais em templos ou com procuração para homens falarem em seu nome.

Enquanto isso nossa cultura com certeza vai continuar a ser engolida por templos e pastores vão penetrando na política nacional formando uma força à parte que ali estará sempre para defender os interesses, não dos adeptos, mas deles próprios.


(Fevereiro/2011)

•      Jornalista, poeta e escritor


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