Encontros
e desencontros
A memória, vira e mexe, nos prega cada
peça! Coloca-nos em situações às vezes engraçadas, é verdade, quando analisadas
depois de haverem passado, mas, não raro, nos mete, também, em algumas
embrulhadas que são bastante constrangedoras.
Uma das suas características é a
seletividade. Desconhecemos, todavia, quais são os critérios que utiliza nessa
seleção. A memória é, pois, caprichosa e, às vezes, até capciosa. Há ocasiões
em que nos lembramos com extrema facilidade de tudo, até de algum poema que
decoramos quando tínhamos onze anos idade, para ser declamado em alguma dessas
festinhas da escola, e que julgávamos ter esquecido por completo. Em outras,
todavia... Esquecemo-nos, até, de como se executa determinado trabalho, que
aprendemos a fazer a somente alguns meros dias e nos vemos em sérios apuros por
isso.
Não se trata de ser desmemoriado. São
situações meramente fortuitas e ocasionais, talvez ligadas ao estresse, talvez
à afobação, sei lá. Lembramo-nos, por exemplo, de determinado fato, ou de certa
pessoa, que julgávamos sem importância e nos esquecemos de outros, que um dia
chegamos a julgar importantíssimos, mas que o tempo e as circunstâncias se
encarregaram de provar que não tinham toda essa importância (quando não,
rigorosamente, nenhuma).
São mistérios da nossa mente. Quantas
vezes fui surpreendido por esses súbitos lapsos de memória, por esses
constrangedores esquecimentos! Não raro, na rua, no trabalho, no shopping ou em
algum outro lugar público qualquer, alguém parte em minha direção, com os
braços abertos, pronto para me dar um abraço, com um largo sorriso nos lábios e
gritando, com entusiasmo, o meu nome e, no entanto... nem sei de quem se trata.
Simplesmente, não me lembro!
Nessas circunstâncias, sou obrigado a
fingir, o que contraria tudo o que acredito. Detesto fingimento, mas há
momentos em que ele se faz necessário. Afinal, ninguém gosta de ser esquecido.
Eu, pelo menos, detesto. Evito, claro, de dizer o nome dessa pessoa (e nem
poderia, pois na verdade nem sei quem é) e busco agir com a maior naturalidade,
como se, de fato, me lembrasse de quem se trata e estivesse feliz de revê-la.
Até aqui, a tática sempre deu certo. Mas que é constrangedor, não há como
negar.
Há, também, o outro lado da questão,
quando as posições se invertem. A gente se lembra de alguém, de quem gosta,
reconhece-a na rua e parte, feliz, em sua direção. No entanto, percebe, por seu
olhar, que essa pessoa não nos reconhece. Seus olhos, surpresos e indagadores,
revelam isso com absoluta verdade. Algumas fingem nos ter reconhecido (da mesma
forma que nós fazemos com outras), mas percebemos que não reconheceram coisa
nenhuma. Outras... nem isso. Simplesmente nos dizem, na lata, não raro com inusitada
agressividade, que não sabem quem nós somos e seguem seu caminho, rumo (agora
sim) ao eterno esquecimento, não sem antes nos fazer passar um carão daqueles!
Existe, ainda, uma outra situação. É a
de algumas pessoas que conhecemos de passagem, nos vemos por somente uma ou
duas vezes, trocamos algumas palavras e nos separamos. Todavia, há tanta
afinidade entre ambos, tamanha empatia, que passados cinqüenta anos ou mais,
uma lembra da outra, com carinho e com saudade. E quando se reencontram, se isso
porventura acontece, tratam-se com tamanha intimidade, com tanta afeição
recíproca, que é como se tivessem prolongada amizade, de anos a fio, sem
nenhuma separação, e que se sintam acumpliciadas por esse sentimento.
Cheguei a apaixonar-me nessas circunstâncias.
Fiquei com a imagem dessa mulher por meses no pensamento. Essa lembrança, tão
cara e meiga, chegou, mesmo, a ser uma obsessão para mim. Acreditei, porém, que
se tratasse de mero capricho de moço, ávido por encontrar sua “cara metade”.
Custei a tirá-la da memória. Nunca, porém, a tirei por completo. Mesmo depois
de alguns anos, uns dez ou mais, me lembrava dela e sempre com carinho e saudade, mas, também, com
indisfarçável frustração.
O tempo passou, segui meu rumo e nunca
mais vi aquela mulher. Qual não foi minha surpresa, porém, quando mais de
quarenta anos depois, descobri que ela se lembrava nitidamente de mim e mais,
que o sentimento de afeto era recíproco. Ou seja, que eu também havia
conseguido “balançar” seu coração. Por que, então, não deu certo e não acabamos
juntos, como nessas histórias incríveis, com infalível “happy end”? Atribuo o
fracasso (se é que possa caracterizar esse desencontro dessa forma) às
circunstâncias, que juntaram, por breves momentos, nossos caminhos, mas os
separaram a seguir, por tantos e tantos anos.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Li um paralelo entre a nossa memória e a pasta de documentos do computador. Quanto mais coisa tem, mais demora para abrir.
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