Sobre
prédios, pomares e modernidade
* Por
Clóvis Campêlo
Passa o tempo e os
hábitos e costumes sociais vão mudando. O que antes era proibido e condenado
socialmente passa a ser aceito. Do mesmo modo, o anteriormente permissível
passa a ser visto como retrógado e superado. E assim caminha a humanidade.
Na maioria das vezes,
isso tudo é movido por interesses pecuniários e comerciais. Nem sempre as
mudanças significam evolução nos hábitos e melhorias nas condições de vida dos
cidadãos. E isso, às vezes, é complicado.
Há 50 anos atrás eu
estudava no Ginásio Pernambucano e tinha como professor de música um senhor
chamado Miguel Barkokebras. As suas aulas eram sempre interessantíssimas e
repletas de discussões amplas, gerais e irrestritas. Não apenas estudávamos a
sua matéria, como discutíamos sobre tudo e sobre todos. Já naquela época, o
professor Barkokebras dizia que a saída para as cidades modernas seria a
verticalização. Que num futuro bem próximo as pessoas se amontoariam em prédios
altos para resolver a questão habitacional. E ele estava certo. Esse tempo já
chegou.
Para quem, como eu,
teve uma infância repleta de quintais e espaços livres para brincar, isso pode
parecer terrível. Meus filhos ainda alcançaram uma fase de transição, entre as
casas e os apartamentos. Meus netos, porém, já nasceram e estão crescendo em
apartamentos. Isso modifica todo um modo de vida. Até mesmo as brincadeiras
infantis se modificam e precisam ser adaptadas aos novos tempos e espaços.
Deixam-se de lado as atividades físicas e predominam os jogos e brincadeiras em
computadores. Mudam as crianças e mudam os seus relacionamentos e as suas
visões do mundo. E isso parece ser irreversível.
Se no Recife esse
processo de mudanças foi mais lento, em cidades brasileiras mais evoluídas,
como o Rio de Janeiro, ele aconteceu bem mais antes. Nos anos 70, a
verticalização já atingia de forma contundente bairros nobres cariocas, como
Ipanema. Lembro que, naquela época, o Pasquim já fazia uma campanha cerrada
contra essa verticalização desenfreada e contra a especulação imobiliária que
tomava conta de bairros diversos do Rio de Janeiro.
O escritor Rubem
Braga, considerado por muitos como um dos maiores cronistas brasileiros de
todos os tempos desde Machado de Assis, por exemplo, conciliou tudo isso
morando na cobertura de um pequeno prédio, em Ipanema, onde cultivava jardins e
várias árvores frutíferas. Rubem Braga, aliás, nasceu no Espírito Santo, na
cidade de Cachoeiro do Itapemirim, onde também nasceu Roberto Carlos. Antes de se
fixar no Rio de Janeiro, segundo a Wikipédia, também morou no Recife, onde
dirigiu a página de crônicas policiais do Diario de Pernambuco, e onde fundou o
jornal Folha do Povo. Posteriormente, efetivou residência no Rio de Janeiro,
onde viveu até a sua morte, em 19 de dezembro de 1990. Ainda segundo a
Wikipédia, foi inaugurada no dia 30 de junho de 2010 a terceira saída da
estação General Osório do Metrô em Ipanema, que conta com duas torres com dois
elevadores ligando a Rua Barão da Torre ao Morro do Cantagalo, que recebeu o
nome de Complexo Rubem Braga, em homenagem ao escritor que por anos morou na
cobertura do prédio vizinho à estação.
Voltando ao Recife e
às moradias modernas, porém, as mudanças provocadas pelas construções verticais
desenfreadas influem não só no nosso modus vivendi, mas também em problemas
estruturais de ordem prática. Com o aumento da densidade demográfica que isso
provoca, surge a necessidade de um maior consumo de água, de uma maior geração
de dejetos e esgotos, de um estrangulamento nos sistemas viários e de
transportes coletivos. Ou seja, a cidade cresce e a sua complexidade aumenta.
Recife, fevereiro 2017
* Poeta, jornalista e radialista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário