sábado, 25 de março de 2017

Sobre prédios, pomares e modernidade

* Por Clóvis Campêlo


Passa o tempo e os hábitos e costumes sociais vão mudando. O que antes era proibido e condenado socialmente passa a ser aceito. Do mesmo modo, o anteriormente permissível passa a ser visto como retrógado e superado. E assim caminha a humanidade.

Na maioria das vezes, isso tudo é movido por interesses pecuniários e comerciais. Nem sempre as mudanças significam evolução nos hábitos e melhorias nas condições de vida dos cidadãos. E isso, às vezes, é complicado.

Há 50 anos atrás eu estudava no Ginásio Pernambucano e tinha como professor de música um senhor chamado Miguel Barkokebras. As suas aulas eram sempre interessantíssimas e repletas de discussões amplas, gerais e irrestritas. Não apenas estudávamos a sua matéria, como discutíamos sobre tudo e sobre todos. Já naquela época, o professor Barkokebras dizia que a saída para as cidades modernas seria a verticalização. Que num futuro bem próximo as pessoas se amontoariam em prédios altos para resolver a questão habitacional. E ele estava certo. Esse tempo já chegou.

Para quem, como eu, teve uma infância repleta de quintais e espaços livres para brincar, isso pode parecer terrível. Meus filhos ainda alcançaram uma fase de transição, entre as casas e os apartamentos. Meus netos, porém, já nasceram e estão crescendo em apartamentos. Isso modifica todo um modo de vida. Até mesmo as brincadeiras infantis se modificam e precisam ser adaptadas aos novos tempos e espaços. Deixam-se de lado as atividades físicas e predominam os jogos e brincadeiras em computadores. Mudam as crianças e mudam os seus relacionamentos e as suas visões do mundo. E isso parece ser irreversível.

Se no Recife esse processo de mudanças foi mais lento, em cidades brasileiras mais evoluídas, como o Rio de Janeiro, ele aconteceu bem mais antes. Nos anos 70, a verticalização já atingia de forma contundente bairros nobres cariocas, como Ipanema. Lembro que, naquela época, o Pasquim já fazia uma campanha cerrada contra essa verticalização desenfreada e contra a especulação imobiliária que tomava conta de bairros diversos do Rio de Janeiro.

O escritor Rubem Braga, considerado por muitos como um dos maiores cronistas brasileiros de todos os tempos desde Machado de Assis, por exemplo, conciliou tudo isso morando na cobertura de um pequeno prédio, em Ipanema, onde cultivava jardins e várias árvores frutíferas. Rubem Braga, aliás, nasceu no Espírito Santo, na cidade de Cachoeiro do Itapemirim, onde também nasceu Roberto Carlos. Antes de se fixar no Rio de Janeiro, segundo a Wikipédia, também morou no Recife, onde dirigiu a página de crônicas policiais do Diario de Pernambuco, e onde fundou o jornal Folha do Povo. Posteriormente, efetivou residência no Rio de Janeiro, onde viveu até a sua morte, em 19 de dezembro de 1990. Ainda segundo a Wikipédia, foi inaugurada no dia 30 de junho de 2010 a terceira saída da estação General Osório do Metrô em Ipanema, que conta com duas torres com dois elevadores ligando a Rua Barão da Torre ao Morro do Cantagalo, que recebeu o nome de Complexo Rubem Braga, em homenagem ao escritor que por anos morou na cobertura do prédio vizinho à estação.

Voltando ao Recife e às moradias modernas, porém, as mudanças provocadas pelas construções verticais desenfreadas influem não só no nosso modus vivendi, mas também em problemas estruturais de ordem prática. Com o aumento da densidade demográfica que isso provoca, surge a necessidade de um maior consumo de água, de uma maior geração de dejetos e esgotos, de um estrangulamento nos sistemas viários e de transportes coletivos. Ou seja, a cidade cresce e a sua complexidade aumenta.

Recife, fevereiro 2017

* Poeta, jornalista e radialista.


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