Ócio muito trabalhoso
A escrita é, sem dúvida, uma das
atividades mais nobres que existem. Requer, de quem queira exercitá-la bem, uma
série de aptidões, sem as quais não terá desempenho sequer aceitável. O redator
precisará, antes de tudo, óbvio, “saber escrever”. Mais de um bilhão de
pessoas, mundo afora, não sabem, pois são analfabetas.
É indispensável, a quem precise (ou
queira) se expressar por escrito, que conheça as normas essenciais do idioma em
que se expressa. Assim, tem que conhecer a grafia correta das palavras, além
das regras gramaticais básicas da sua língua. Mas, caso queira se aprofundar,
mesmo que não se trate de um escritor, será desejável que crie, desenvolva e
consolide estilo próprio de escrever.
Esse é o be-a-bá da escrita. É o
elementar, quer para o redator profissional (não importa em que especialidade,
se jornalista, advogado, juiz ou escriturário), quer para as pessoas de cultura
razoável se expressarem, sem passarem vergonha, no dia a dia. Serve, por
exemplo, para redigir um bilhete sem erros à esposa, ou um e-mail para os
amigos, ou uma mensagem no facebook e em tantos outros sítios de
relacionamentos da internet etc.
De quem vive da escrita, exigem-se
outras aptidões, claro. Por exemplo, bom nível de informação, cultura acima da
média e, sobretudo, criatividade, entre outras tantas características. Todavia,
para quem não é profissional, ou seja, não sobreviva de texto, escrever não se
constitui em
necessidade. Dá para se sobreviver sem isso (bilhões
sobrevivem). Contudo, mesmo que não se exercite a redação para se ganhar o pão
nosso de cada dia, é desejável (se não fundamental) esse conhecimento.
Escrever, porém, para quem não tenha
isso como obrigação profissional, convenhamos, é um ócio, mesmo para escritores
(a menos que tenham contrato com alguma editora que contenha cláusula que os
obrigue, por exemplo, a redigir um livro a cada seis meses ou a cada ano).
Quando escrevo, por exemplo, um romance
(ou conto, novela, poema, ensaio etc.) ninguém me obriga a fazê-lo (a menos que
haja a obrigação contratual já referida). A iniciativa é exclusivamente minha.
Se não a tomar, ninguém irá reclamar, cobrar ou me acionar judicialmente. A
rigor, portanto, é um ócio.
Não me refiro, óbvio, à importância da
literatura e nem seria irresponsável de fazê-lo, pois considero-a
importantíssima, até por coerência, porque também sou escritor. Não iria, pois,
desmerecer o que faço. Tecnicamente, todavia, trata-se de ócio.
Isso não quer dizer, reitero, que não
seja importante. E nem que seja algo fácil, que qualquer imbecil, que não tenha
o que dizer e nada acrescentar ao mundo, faça ou possa fazer. Há ócio e ócio e
este, como ressalta o poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe “é muito
trabalhoso”. E como!
Já imaginaram o mundo sem escritores?!
Consequentemente, sem livros? A civilização, tal como a conhecemos hoje, se
extinguiria. A humanidade, em pouquíssimo tempo, talvez no espaço de uma única
geração, retroagiria à barbárie. Seria o caos.
Até Johann Guttenberg descobrir os
tipos fixos, o que permitiu a reprodução impressa de textos em quantidades
virtualmente infinitas, o livro era um objeto raríssimo. As edições
restringiam-se a uns poucos e míseros exemplares que chegavam às mãos de raros
privilegiados. Dependiam de copistas, em geral monges, para serem produzidos. O
processo de produção era lento e nem um pouco seguro.
Os originais eram copiados exemplar por
exemplar e raramente as cópias eram rigorosamente fiéis aos originais. A
quantidade dos que sabiam ler, por seu turno, era ínfima, irrisória,
pequeníssima. Os escritores, igualmente, eram para lá de escassos.
As idéias de fraternidade,
solidariedade e justiça, entre outras tantas que fundamentam as sociedades
contemporâneas, portanto, não circulavam, ensejando, além de pavorosas tiranias,
a superstição, o dogmatismo (e seu “filho predileto”, o fanatismo) e a
ignorância. Não por acaso, o progresso dos povos (material, cultural,
artístico, mas, sobretudo, espiritual) se materializou somente após ampla difusão do
livro, ensejada pela invenção de Guttenberg.
Escrever, portanto, (salvo as exceções
apontadas), não deixa (pelo menos tecnicamente) de ser mesmo um ócio. Ninguém,
mas ninguém mesmo, salvo a sua consciência, obriga o escritor a fazê-lo. Isso,
todavia, em vez de desmerecê-lo, apenas engrandece-o e torna magnífica sua
ação.
É um ato de suprema generosidade em
relação à espécie. É uma generosíssima partilha de informações, sentimentos,
idéias, concepções etc. com a humanidade. É algo trabalhoso, sim, como
ressaltou Goethe. Mas é, sobretudo, o tal do “otio cum dignitate” (ócio com
dignidade) apregoado pelo romano Cícero.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Trabalho para lapidar as palavras e prazer em ler algo bem feito.
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