Leitura, a base da Cidadania
* Por
João Luiz de Almeida Machado
"Dora
é professora aposentada. Vive sozinha em um pequeno apartamento de classe média
no Rio de Janeiro. Como o dinheiro é insuficiente, escreve cartas para
analfabetos na estação Central do Brasil. Cobra R$ 1 pela redação e mais R$ 1
pelo envio. Via de regra, as histórias de vida que leva ao papel traduzem o
desassossego e as esperanças de pessoas apartadas de suas famílias e de sua
terra. E não resultam em comunicação, pois quase sempre terminam na lata do
lixo. Ponto de partida de Central do Brasil (1998), filme de Walter Salles
ganhador do Urso de Ouro em Berlim, a história de Dora (Fernanda Montenegro) e
Josué (Vinicius de Oliveira), a quem ela socorre na busca pelo pai (...),
espelha algumas questões centrais do acesso a leitura e ao letramento no Brasil".
(Trecho do texto "Leitura - A grande travessia da Educação", Artigo
de Rubem Barros, publicado na Revista Educação, nº 121, 05/2007)
Quando assisti
"Central do Brasil" pela primeira vez senti o impacto que a produção
apresentava enquanto elemento definidor de realidades de nosso país que muitos
de nós, freqüentadores de cinemas, raramente conhecemos. Questões sociais e
culturais emergiam da tela a partir do enfoque crítico e consciente de um
privilegiado e sábio leitor da realidade chamado Walter Salles Jr. Não é a toa
que o filme se tornou uma das referências do cinema brasileiro em nível mundial
e que, de certa forma, alavancou a carreira de muitos outros cineastas dessa
recente geração nacional de moviemakers.
Enquanto educador
atuante e idealista, a imagem da professora Dora, com sua banquinha de cartas,
posicionada estrategicamente na Central do Brasil, a "vender" o seu
saber e a sua habilidade para escrever cartas para analfabetos que por ali
circulavam foi deprimente e comprobatória de alguns importantes dados sobre o
país.
O primeiro deles
refere-se a desvalorização do trabalho dos professores no Brasil. A recente
meta de base salarial nacional para os professores na casa dos R$ 950
(novecentos e cinqüenta reais) a ser atingida até 2010 já demonstra o quanto
estamos distantes de uma realidade na qual a educação seja realmente
considerada prioridade... Qualquer vendedor de cachorro-quente, manicure ou
funcionário público que exerça funções de escriturário (ou cargos afins) ganha
salários equivalentes a essa meta do governo federal...
Salários baixos não
permitem atualização, estudo, pesquisa e maior comprometimento com a qualidade
na educação. Para sobreviver, os professores assumem outros compromissos
profissionais (dão aulas em várias escolas, vendem Avon, negociam
tuppeware,...) e mal têm tempo de dar conta do básico em suas atividades nas
escolas...
O segundo ponto
marcante da produção de Walter Salles é o analfabetismo que obriga as pessoas
na Central do Brasil a contratarem os serviços de Dora (pelos quais pagam e tem
apenas parte do que lhes é prometido sendo cumprido, já que as cartas não são
enviadas). Muitas foram as pessoas que me confessaram descontentamento com o
fato de que o filme repercutia no exterior tendo grande número de espectadores...
Diziam que essa imagem negativa do Brasil apresentada no filme pioraria ainda
mais a já desgastada visão do país pelos estrangeiros...
O analfabetismo é uma
realidade contundente em nosso país. Não há como negar esse fato. Até mesmo
vários daqueles que foram alfabetizados têm dificuldade e desinteresse pela
leitura e pelo conhecimento. O lugar comum em nosso país é a alienação e o
conformismo. A educação de baixa qualidade que não permite aos nossos
conterrâneos a plena aprendizagem da leitura de mundo preconizada por Paulo
Freire nos condena a um eterno ostracismo entre as nações...
Não temos a
consciência de que a educação constitui o elemento essencial da dignidade, do
acesso ao trabalho, da criticidade e da inclusão política e social. Não entendemos
que a leitura (das letras e do mundo) é a base da cidadania.
*
Doutor em Educação pela PUC-SP; mestre em Educação, Arte e História da Cultura
pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); professor universitário e
pesquisador; autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte –
Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).
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