sexta-feira, 12 de junho de 2015

Furto (s)

* Por Rodrigo Ramazzini

Era final da tarde de uma quinta-feira. E como acontecia rotineiramente neste dia da semana, Marcelo estacionou o carro por volta das 18 horas em frente ao apartamento do amigo Michel para mais um ensaio da banda de rock “As Lendas”. O nome, segundo os quatro integrantes, era alusão a eles próprios e suas peripécias na vida. Uma provocação e um exercício de imaginação do que já haviam aprontado durante as suas curtas existências.

Marcelo era o baixista da banda e, após retirar o instrumento do interior do veículo, acionou o alarme e ainda conferiu se as portas e vidros estavam realmente fechados. Subiu até o apartamento 302 e, durante mais de duas horas, ensaiando tocou de Pearl Jam a Rolling Stones, passando pelo rock nacional e gaúcho até chegar às músicas próprias da banda. O ensaio era para um show em um Pub, que aconteceria no sábado.

Depois de se despedir dos demais integrantes da banda, Marcelo deixou o apartamento de Michel, desceu com o baixo os três andares pela escada até visualizar o carro, que permanecia estacionado na rua. Aproximou-se do veículo, contornou a parte traseira até parar em frente à porta do motorista. Procurou por um breve instante a chave no bolso das calças e foi então que notou um furo ao lado da maçaneta e que a porta já estava aberta. Fora vítima de um furto.

O nervosismo tomou conta de Marcelo. Suas mãos tremiam. Suava frio. Olhou para todos os lados, ora em um estado de desconfiança, ora em uma tentativa de ainda visualizar o ladrão. Sentou no banco do carro. Respirou fundo. Levou alguns minutos para se recompor do susto. O sentimento oscilava entre a raiva e o alívio por não estar junto ao carro no momento do crime. Em uma análise rápida, notou apenas a falta do rádio. “Menos mal. Coisa pouca”, pensou conformando-se. Ligou o carro e rumou para a Delegacia de Polícia para registrar um boletim de ocorrência. Lá, o policial civil lhe explicou sobre a técnica dos criminosos utilizando um furo para realizar o destravamento da porta. Feito o registrou, partiu para casa carregando o sentimento de impotência e desolamento.

No outro dia. Marcelo relata o furto a um colega de trabalho.

- Bah, velho! Nem sabe o que me aconteceu ontem. Furtaram o rádio do meu carro...
- Putz! Capaz? Onde?
- Lá em frente ao apartamento do Michel.
- Bem no Centro?
- Pior...
- Não tem mais lugar seguro nesta cidade mesmo... Mas tu deste sorte...
- Por quê?
- Porque só levaram o rádio. De um conhecido levaram o rádio e o estepe...
- Sério? Putz! Eu não olhei se o estepe estava no lugar. Vamos ao estacionamento olhar comigo?
- Vamos.

Dez minutos depois a dupla retorna, com Marcelo esbravejando contra tudo e todos:

- Que cambada de filho da puta! Eu pego um desgraçado desse... Olha! Eu mato! Com certeza eu mato! Não tenho pena de vagabundo! O cara trabalha uma vida inteira para ter os troços para malandro levar em cinco minutos... E esse governo não faz nada! Nada! Pelo contrário, passa a mão em cima de vagabundo! Bando de...

O estado irritadiço de Marcelo permaneceu no segundo dia após o furto. Contava o episódio eloquentemente para um vizinho e que gastaria mais de R$ 500 para repor o rádio e estepe. Foi então que o vizinho questionou:

- Não levaram o teu extintor? A onda agora é furtar extintores ABC...

Em dúvida, Marcelo se dirigiu até o carro para verificar e logo depois, um grito ecoou pela quadra inteira:

- Caralhooooo!

* Jornalista e contista gaúcho


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