Depressão cívica
* Por
Frei Betto
Como diria Nelson
Rodrigues, eis o óbvio ululante: o brasileiro anda desesperançado. A frustração
se mescla ao rancor. Ninguém sabe responder, convincentemente, o que será deste
país nos próximos anos.
Diante da falta de
perspectiva histórica e de protagonismo alternativo, o debate político baixou
do racional para o emocional. Haja palavrão e carência de razão!
A terceirização ameaça
esgarçar ainda mais os direitos trabalhistas (e se não ameaça, como afirmam
seus defensores, por que aprová-la?). Dilma inclusive terceirizou o governo,
entregando-o em mãos da troika Temer, Cunha e Renan.
A inclusão econômica,
promovida pelos governos Lula e o primeiro mandato de Dilma, está sob risco,
devido à volta da inflação, ao baixo crescimento da economia e à carência de
novos investimentos. Desemprego mais inflação representam uma química
socialmente explosiva.
Cometeu-se o equívoco
de fazer inclusão econômica à base de programas sociais, créditos facilitados e
desonerações tributárias, sem lastro de sustentabilidade.
Em 12 anos de governo,
o PT não fez qualquer reforma de estrutura, como a agrária, a tributária e a
política. Agora, o buraco se abriu e a conta chegou sob o nome de ajuste
fiscal.
Quem vai pagá-la? As
grandes fortunas, as remessas de royalties ao exterior, as heranças dos mais
ricos, a maior tributação dos produtores e rentistas? Nada disso. Joaquim Mãos
de Tesoura Levy jogou a conta nas costas dos mais pobres, reduzindo direitos
trabalhistas, enquanto Dilma multiplica os recursos do Fundo Partidário, e o
Legislativo e o Judiciário aumentam seus salários.
A nação entrou em
crise de depressão cívica. O PT, acuado, não faz autocrítica. A presidente,
alvo de panelaços, se cala. Os movimentos sociais, debilitados, disputam as
ruas com quem protesta sem saber o que propor. O pouco que resta da esquerda
receia fazer eco à direita na sua crítica ao governo.
Perante o desgaste dos
partidos, surgem propostas de formar frentes suprapartidárias, congregando
militantes de diferentes partidos e movimentos sociais. Rumo a quê? Qual a
proposta capaz de aglutinar distintos segmentos da nação? Apenas evitar a retomada
do poder central pela direita?
Ora, isso já se fez na
reeleição de Dilma. Sem um projeto histórico capaz de encarnar princípios
éticos inquestionáveis, reorganizar a esperança das bases populares e sinalizar
efetivas mudanças estruturais, não creio que haveremos de enxergar luz no fim
do túnel.
Apesar de tudo,
prefiro guardar o pessimismo para dias melhores.
* Frei Betto é escritor, autor de “O
que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
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