quarta-feira, 20 de maio de 2015

Três personagens dos sonetos de Shakespeare

Os 154 sonetos de William Shakespeare, que compõem seu único livro escrito com essa forma de compor, publicado em 1609, apresentam três personagens aos quais se dirigem a maioria das composições. Um deles é apresentado como um “formoso jovem”, que ficou conhecido como “Fair Youth”, a propósito do qual foram tecidas milhares de fantasias, que os oportunistas tentam passar como “verdades históricas”, mesmo não contando com a mínima prova e sequer remota evidência. O segundo personagem presente em diversos sonetos é um poeta rival. A este intruso competidor pelos favores da desejada donzela do poeta os estudiosos e pesquisadores da obra shakespeariana convencionaram chamar (de modo para lá de óbvio), de “Rival Poet”. Finalmente, há a tal dama morena (ou seria negra?), sobre a qual teci alguns comentários em texto anterior, batizada de “Dark Lady”.

Fica a pergunta que não quer calar: essas figuras existiram mesmo, em carne e osso, com nome e sobrenome e biografias, ou não passaram de frutos da imaginação de Shakespeare? Esse é mais um dos tantos enigmas que cercam a vida e a obra desse polêmico, posto que genial, dramaturgo e poeta. Não ponho minha mão no fogo por nenhuma das duas teses. Aliás, afirmo, sem qualquer receio de ser contestado e mesmo ridicularizado, que no mínimo noventa por cento (se não mais) das milhares de biografias escritas a propósito dessa misteriosa e fascinante figura não passam de ficção. E no que me baseio paras firmar essa convicção? Na puríssima lógica.

Raciocinem comigo. Como alguém pode retratar 52 anos de vida de uma pessoa tendo em mãos pouco mais de vinte documentos? Pois é isso o que há referente a William Shakespeare. E estes não são conclusivos e nem reveladores. O que há é apenas um certificado de batismo, seu testamento, dois ou três registros de imóveis que ele comprou e vendeu e uma ou outra menção à sua carreira, feita, por sinal, por pessoas não confiáveis, suas inimigas. Só isso! Não há nenhum diário, por exemplo, escrito por ele ou por alguém que lhe fosse próximo e nem qualquer depoimento de quem tenha convivido com ele. Nem mesmo a data exata de seu nascimento está registrada em qualquer documento.

A única prova a que os biógrafos se apegam é á sua certidão de batismo, que pode ter ocorrido próximo à época em que nasceu, como pode, também, ter acontecido semanas ou meses depois. Por isso não estranho (embora considere absurda) a tese de que ele sequer existiu e de que seu nome não é mais do que pseudônimo de algum figurão da nobreza, que teria produzido sua assombrosa obra, mas que não quis se identificar. Mas isso faz algum sentido? Afinal, não há nada de comprometedor, ou mesmo de ridículo, em nenhuma de suas 37 peças, 154 sonetos e uma meia dúzia de poemas longos que dele restaram. Muito pelo contrário!  Claro, portanto, que suposição desse tipo se trata de grande bobagem. Afinal, há, pelo menos, a tal certidão de batismo, além de cerca de vinte outros documentos, atestando que houve, de fato, um sujeito chamado William Shakespeare, nascido na cidadezinha rural de Stratford-Upon-Avon, filho de um fabricante de luvas. 
        
Outra controvérsia que persiste é a que se refere ao tal   "Fair Youth". Trata-se de um jovem sem nome a quem são dirigidos os sonetos que vão do 1 ao 126. O poeta descreve esse rapaz – que ninguém sabe sequer se existiu ou se é fruto da imaginação de Shakespeare – com uma linguagem romântica e carinhosa. Para quê?!!! Foi o que bastou para os detratores da reputação alheia, os tais que vibram com escândalos, que se não existem eles inventam, insinuassem (e muitos não insinuam, mas afirmam) uma relação homossexual entre o sonetista e o anônimo personagem. E há estúpido que leva esses caras a sério! Os primeiro poemas da coleção sequer sugerem relação pessoal estreita com o “Fair Youth”. Pelo contrário, neles se recomendam os benefícios do matrimônio e de se ter filhos.

É verdade que o tom muda com o famoso soneto 18 ("Shall I compare thee to a summer's day", cuja tradução é “deveria comparar-te a um dia de verão”), O tratamento passa a ser íntimo. E o soneto 20 é aquele a que os que vislumbram suposta homossexualidade de Shakespeare se apegam. Nele o poeta se lamenta explicitamente de que o jovem não seja uma mulher. Só isso, que pode não somente ter sido mal interpretado, como mal traduzido (afinal, como todas as línguas o inglês também se transformou bastante em quatro séculos), bastou para que os amantes de escândalo chegassem à sua estúpida conclusão.

A maioria dos sonetos que se seguem descreve os altos e baixos de um relacionamento, culminando com um caso entre o poeta e a Dark Lady. A relação parece terminar quando o Fair Youth sucumbe aos encantos da dama. Lembro que a linguagem lírica é assexuada. Posso expressar admiração pela beleza de alguém do próprio sexo sem sentir a mais remota atração por essa figura. É mera questão estética. Quem relaciona uma coisa com outra, desconfio, tem, ele sim, tendência à homossexualidade. Considero inclusive, que essa preferência é direito de quem a tem, questão de opção, que ninguém tem nada a ver, mesmo não concordando com ela. O que contesto é o fato desse alguém atribuir essa escolha a outrem, e com base, exclusivamente, em alguns sonetos, ou trechos deles, que podem, perfeitamente, (como suponho ser o caso) nem terem ao menos compreendido, como fazem com Shakespeare. Concordam?

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Como todo o restante da história dele, em que tudo pode ser ou não ser (eis a questão), estas aqui podem ser confissões homossexuais ou não. A homossexualidade é figura marcante em tantas épocas e civilizações, que não me causa surpresa alguma caso seja o fato de fato. O que não acho adequado é forçar a interpretação num sentido ou no outro.

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