sexta-feira, 29 de maio de 2015

O assalto contra os professores brasileiros


* Por Urariano Mota


Os conservadores, unidos na extrema-direita, disputam no congresso o troféu de quem é o autor da maior barbárie.

Comecemos pelo deputado federal Izalci Ferreira, do Distrito Federal.

Ele é autor do projeto de leii 867/2015, que inclui entre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional o “Programa Escola Sem Partido”. O referido PL se encontra desde 6 de abril na Comissão de Educação e fixa como princípio legal, no artigo 3º, que “ São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”.

Embora o projeto de lei na Câmara dos Deputados esteja ainda tramitando, como uma ascensão geral da direita em diversos municípios brasileiros leis semelhantes estão sendo apresentadas, como em Santa Cruz de Monte Castelo/PR que “se tornou o primeiro município brasileiro a possuir uma lei contra a doutrinação política e ideológica”, estando agora esperando sanção.

A isso se soma:

O Projeto de Lei 1411/2015 ,do deputado Rogério Marinho, do PSDB do Rio Grande do Norte, que prevê detenção de três meses a um ano, mais multa, a quem for enquadrado pelo novo ataque policial.  Se o "criminoso" for um profissional da educação, a pena será endurecida e aumentará em 1/3. Se um aluno alegar que teve notas baixas, que optou por abandonar o curso ou foi reprovado "em função do assédio ideológico", a punição será aumentada em 50%.  Imaginem vocês o grau de chantagem e calúnia que se arma contra os mestres realizada por filhinhos de papai relapsos e preguiçosos.

Esses projetos, essas disputas, há quem os considere bobagens, idiotices. Mas isso não é uma besteira. É mais que besteira. Lembro que Hitler, no começo, também não era levado a sério. Por isso insisto: esses assaltos à inteligência, à civilização de humanismo e humanidades têm que ser levado a sério, muito a sério, a peito e inteligência.

Tentemos, na medida da pressa e das minhas limitações intelectuais, analisar rápido e breve alguns pontos dessa maré de conservadorismo que se alevanta no congresso nacional, que se tornou um congresso de volta ao século dezenove. Comecemos pelo projeto de lei do senhor Izalci, que perpetra o coice a seguir, com rima e tudo:

“São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.”

Primeiro, o deputado não sabe, ou finge, e finge mal, não saber que em todo conhecimento existe ideologia, até mesmo nas mais abstratas ciências exatas. Pois o que deseja o conhecimento mais científico da natureza? – A verdade do mundo. E para que serve isso? Para o benefício e grandeza do próprio homem universal. Mas isso já é ideologia, e ele finge não saber. Em segundo lugar, observo que mestres sem conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais dos estudantes é a própria negação do processo de ensino. Imaginem, por exemplo, o papel de professores que no sertão nordestino dessem legitimidade ao velho hábito de cicatrizar o umbigo de recém-nascido com fezes de gado. Ou que sacramentassem a morte de anjinhos, nome piedoso para a velha mortalidade infantil, com o ditado de que Deus quis assim, foi Deus quem transformou meu filho num anjinho.     

Pior, qual o papel dos mestres diante da falta de humanidade secular de pais que  espancam e torturam filhos? Fazerem de conta de que nada sabem das contusões dos meninos e meninas que chegam às salas de aula marcados? Sim, pelo projeto deveriam até mesmo dizer: “todo pai tem o direito sagrado de matar os filhos”. É bíblico, está no sacrifício de Abrahão que tentou oferecer o sangue do próprio filho, como se fosse um bezerro, ao Senhor, ao supremo Deus. O que dizer, ainda, dos preconceitos seculares contra a fé do povo nos terreiros de xangô ou candomblé? Que são, os cultos aos orixás, a força do demônio? Ou deveriam, como deve ser o papel de um educador, pregar o respeito às crenças dos marginalizados, e mais, punir com severidade qualquer expressão de zombaria aos descendentes africanos? Não, pelo projeto de Izalci, os professores devem ficar em paz com as ideias mais atrasadas e retrógradas que os alunos trazem de casa. Assim, devem fazer que não veem o bullying contra alunos menos viris, o insulto contra os diferentes, contra os gordos, miseráveis e deficientes físicos.   Mas aí, essa ausência de conflito com o bárbaro, essa paz com o opressor, será ainda educação? Será o processo de educação apenas uma técnica de B com A beabá?

Mas observem que o projeto desse, desse Izalci, é mais ambicioso em sua prática de fundamentalismo, como um  Estado Islâmico nacional: ele quer a censura, o expurgo de livros didáticos nas escolas brasileiras. Não basta ainda que a nossa pedagogia escolar não tenha assimilado a denúncia dos crimes e assassinatos dos anos da ditadura. Não, o projeto vai ao ponto de matar as conquistas dos primeiros anos de redemocratização – a saber, textos didáticos que não repetem mais as teorias do século dezenove. Insatisfeito, estende seus tentáculos até as avaliações de estudantes para o ingresso no ensino superior, aos vestibulares, e vai até as provas de concurso para o ingresso na carreira docente nas universidades. Como bem informa a Associação Nacional dos Professores Universitários de História: “O projeto de lei propõe diretrizes para o exercício das funções pelo professor, estabelece canais de recebimento de denúncias”.  O que é isso? É a volta, por decreto, do Estado Policial. É a perda da autonomia do ensino universitário, que será acoelhado, ajoelhado sob e sobre ferros.  Daí chegamos, ou somos empurrados para o talvez pior, o Projeto de Lei 1411/2015, do deputado Rogério Marinho, do PSDB do Rio Grande do Norte. Fala ele:

“A escola e o ambiente acadêmico precisam ser blindados de qualquer assédio ideológico e partidário, um crime covarde. É preciso garantir a liberdade de aprender. Praticar o assédio ideológico, impor a hegemonia, é total desrespeito e afronta ao direito do aprendiz em formar suas convicções a partir de experiências pessoais e baseadas na formação provida pela família e pela religião que adota”, escreveu, em sua página no Facebook.

Notem que aqui, mais uma vez, a educação universal é posta em oposição à chamada formação da família e da religião. E tem que ser disciplinada, a educação, ora, ora. Para maior ironia, esse projeto foi apresentado no dia 13 de maio deste 2015. Como ainda não havia quórum para derrubar a Lei da Abolição da Escravatura, para que voltasse a ser proclamada a escravidão, o projeto do tucano que envergonha o  Rio Grande do Norte  prevê a  detenção de três meses a um ano, e mais multa, a quem for enquadrado pela lei. Se o "criminoso" for um profissional da educação, a pena será endurecida e aumentará em 1/3. Se o aluno alegar que teve notas baixas, optou por abandonar o curso ou foi reprovado "em função do assédio ideológico", a punição será aumentada em 50%.

Quem pensou que essa câmara de deputados de Eduardo Cunha houvesse chegado ao fundo do poço com a terceirização geral de trabalhadores, saiba que estamos dando uma volta total no relógio da história. A direita nacional está saudosa e em marcha. Pelo projetos que apontam no horizonte, falar em Marx, em Darwin, será crime. Quem falar da grande revolta e literatura de Lima Barreto será banido das escolas, das universidades e preso. Mencionar Solano Trindade? Nem pensar. Abaixo Paulo Freire e tudo que leve o seu rastro de civilização. Os mestres hoje têm uma guerra absoluta pela frente: melhores e mais dignos salários, condições humanas de ensino, uma guerra total pela educação, enfim, antes do fim.

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.


  

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