O assalto contra os professores brasileiros
* Por
Urariano Mota
Os conservadores, unidos
na extrema-direita, disputam no congresso o troféu de quem é o autor da maior
barbárie.
Comecemos pelo
deputado federal Izalci Ferreira, do Distrito Federal.
Ele é autor do projeto
de leii 867/2015, que inclui entre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional o
“Programa Escola Sem Partido”. O referido PL se encontra desde 6 de abril na
Comissão de Educação e fixa como princípio legal, no artigo 3º, que “ São
vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem
como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar
em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis
pelos estudantes”.
Embora o projeto de
lei na Câmara dos Deputados esteja ainda tramitando, como uma ascensão geral da
direita em diversos municípios brasileiros leis semelhantes estão sendo
apresentadas, como em Santa Cruz de Monte Castelo/PR que “se tornou o primeiro
município brasileiro a possuir uma lei contra a doutrinação política e
ideológica”, estando agora esperando sanção.
A isso se soma:
O Projeto de Lei
1411/2015 ,do deputado Rogério Marinho, do PSDB do Rio Grande do Norte, que
prevê detenção de três meses a um ano, mais multa, a quem for enquadrado pelo
novo ataque policial. Se o
"criminoso" for um profissional da educação, a pena será endurecida e
aumentará em 1/3. Se um aluno alegar que teve notas baixas, que optou por
abandonar o curso ou foi reprovado "em função do assédio ideológico",
a punição será aumentada em 50%.
Imaginem vocês o grau de chantagem e calúnia que se arma contra os
mestres realizada por filhinhos de papai relapsos e preguiçosos.
Esses projetos, essas
disputas, há quem os considere bobagens, idiotices. Mas isso não é uma
besteira. É mais que besteira. Lembro que Hitler, no começo, também não era
levado a sério. Por isso insisto: esses assaltos à inteligência, à civilização
de humanismo e humanidades têm que ser levado a sério, muito a sério, a peito e
inteligência.
Tentemos, na medida da
pressa e das minhas limitações intelectuais, analisar rápido e breve alguns
pontos dessa maré de conservadorismo que se alevanta no congresso nacional, que
se tornou um congresso de volta ao século dezenove. Comecemos pelo projeto de
lei do senhor Izalci, que perpetra o coice a seguir, com rima e tudo:
“São vedadas, em sala
de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação
de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as
convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes.”
Primeiro, o deputado
não sabe, ou finge, e finge mal, não saber que em todo conhecimento existe
ideologia, até mesmo nas mais abstratas ciências exatas. Pois o que deseja o
conhecimento mais científico da natureza? – A verdade do mundo. E para que
serve isso? Para o benefício e grandeza do próprio homem universal. Mas isso já
é ideologia, e ele finge não saber. Em segundo lugar, observo que mestres sem
conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais dos estudantes é a
própria negação do processo de ensino. Imaginem, por exemplo, o papel de
professores que no sertão nordestino dessem legitimidade ao velho hábito de
cicatrizar o umbigo de recém-nascido com fezes de gado. Ou que sacramentassem a
morte de anjinhos, nome piedoso para a velha mortalidade infantil, com o ditado
de que Deus quis assim, foi Deus quem transformou meu filho num anjinho.
Pior, qual o papel dos
mestres diante da falta de humanidade secular de pais que espancam e torturam filhos? Fazerem de conta
de que nada sabem das contusões dos meninos e meninas que chegam às salas de
aula marcados? Sim, pelo projeto deveriam até mesmo dizer: “todo pai tem o
direito sagrado de matar os filhos”. É bíblico, está no sacrifício de Abrahão
que tentou oferecer o sangue do próprio filho, como se fosse um bezerro, ao
Senhor, ao supremo Deus. O que dizer, ainda, dos preconceitos seculares contra
a fé do povo nos terreiros de xangô ou candomblé? Que são, os cultos aos orixás,
a força do demônio? Ou deveriam, como deve ser o papel de um educador, pregar o
respeito às crenças dos marginalizados, e mais, punir com severidade qualquer
expressão de zombaria aos descendentes africanos? Não, pelo projeto de Izalci,
os professores devem ficar em paz com as ideias mais atrasadas e retrógradas
que os alunos trazem de casa. Assim, devem fazer que não veem o bullying contra
alunos menos viris, o insulto contra os diferentes, contra os gordos,
miseráveis e deficientes físicos. Mas
aí, essa ausência de conflito com o bárbaro, essa paz com o opressor, será
ainda educação? Será o processo de educação apenas uma técnica de B com A
beabá?
Mas observem que o
projeto desse, desse Izalci, é mais ambicioso em sua prática de
fundamentalismo, como um Estado Islâmico
nacional: ele quer a censura, o expurgo de livros didáticos nas escolas
brasileiras. Não basta ainda que a nossa pedagogia escolar não tenha assimilado
a denúncia dos crimes e assassinatos dos anos da ditadura. Não, o projeto vai
ao ponto de matar as conquistas dos primeiros anos de redemocratização – a
saber, textos didáticos que não repetem mais as teorias do século dezenove.
Insatisfeito, estende seus tentáculos até as avaliações de estudantes para o
ingresso no ensino superior, aos vestibulares, e vai até as provas de concurso
para o ingresso na carreira docente nas universidades. Como bem informa a
Associação Nacional dos Professores Universitários de História: “O projeto de
lei propõe diretrizes para o exercício das funções pelo professor, estabelece
canais de recebimento de denúncias”. O
que é isso? É a volta, por decreto, do Estado Policial. É a perda da autonomia
do ensino universitário, que será acoelhado, ajoelhado sob e sobre ferros. Daí chegamos, ou somos empurrados para o talvez
pior, o Projeto de Lei 1411/2015, do deputado Rogério Marinho, do PSDB do Rio
Grande do Norte. Fala ele:
“A escola e o ambiente
acadêmico precisam ser blindados de qualquer assédio ideológico e partidário,
um crime covarde. É preciso garantir a liberdade de aprender. Praticar o
assédio ideológico, impor a hegemonia, é total desrespeito e afronta ao direito
do aprendiz em formar suas convicções a partir de experiências pessoais e
baseadas na formação provida pela família e pela religião que adota”, escreveu,
em sua página no Facebook.
Notem que aqui, mais
uma vez, a educação universal é posta em oposição à chamada formação da família
e da religião. E tem que ser disciplinada, a educação, ora, ora. Para maior
ironia, esse projeto foi apresentado no dia 13 de maio deste 2015. Como ainda
não havia quórum para derrubar a Lei da Abolição da Escravatura, para que
voltasse a ser proclamada a escravidão, o projeto do tucano que envergonha
o Rio Grande do Norte prevê a
detenção de três meses a um ano, e mais multa, a quem for enquadrado
pela lei. Se o "criminoso" for um profissional da educação, a pena
será endurecida e aumentará em 1/3. Se o aluno alegar que teve notas baixas,
optou por abandonar o curso ou foi reprovado "em função do assédio ideológico",
a punição será aumentada em 50%.
Quem pensou que essa
câmara de deputados de Eduardo Cunha houvesse chegado ao fundo do poço com a
terceirização geral de trabalhadores, saiba que estamos dando uma volta total
no relógio da história. A direita nacional está saudosa e em marcha. Pelo
projetos que apontam no horizonte, falar em Marx, em Darwin, será crime. Quem
falar da grande revolta e literatura de Lima Barreto será banido das escolas,
das universidades e preso. Mencionar Solano Trindade? Nem pensar. Abaixo Paulo
Freire e tudo que leve o seu rastro de civilização. Os mestres hoje têm uma
guerra absoluta pela frente: melhores e mais dignos salários, condições humanas
de ensino, uma guerra total pela educação, enfim, antes do fim.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho
renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros.
Não imaginava que essa marcha estava nesse pé.
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