Encarando dilemas
O célebre monólogo criado por William Shakespeare no ato 3,
cena 1 da peça “A trágica história de Hamlet, príncipe da Dinamarca”, vai além,
muito além de sua função específica nesse famoso drama. É uma grande metáfora
dos dilemas que todos vivemos, em todos os momentos do cotidiano, mesmo que não
nos demos conta. Alguns (a maioria), é verdade, são insignificantes. Tanto que
sequer deixam qualquer marca ou reles lembrança em nossa mente e em nosso
espírito. Isso, mesmo que façamos escolhas erradas que, neste caso, são
irrelevantes, por não gerarem conseqüências irreparáveis. Implicam, é verdade,
em perdas, mas estas são tão pequenas que nem mesmo as levamos em consideração.
Há, todavia, sempre um dilema maiúsculo (e às vezes mais de
um) e que determina se seremos vencedores ou perdedores na batalha da vida. Não
raro, a decisão que tomarmos então irá determinar até nossa sobrevivência
física, ou nossa extinção, dependendo da correção ou do erro da escolha que
fizermos. Para fazermos a opção correta, precisamos ter todas as informações, e
todas rigorosamente exatas, do dilema (ou dos dilemas) posto diante de nós.
Devemos analisar friamente cada uma das alternativas existentes, com as
respectivas consequências. Em suma, temos que “ser” ou “não ser”, dependendo do
que as circunstâncias exijam para que a escolha seja a única adequada.
O dilema, criado por Shakespeare, para o jovem Hamlet, tão
logo descobriu que a morte do pai não se deu por causas naturais, como até
então supunha, mas que ele foi assassinado pelo tio, com a cumplicidade da mãe,
é uma grande metáfora dos tantos que enfrentamos em alguma época da vida e que
exigem de nós decisões corretas, sob pena de fracassarmos em nossas pretensões.
Qual o curso a seguir: o de engenharia, atividade para a qual me sinto vocacionado,
ou de medicina, para atender expectativas dos pais? Devo ou não devo me casar
com essa mulher, que acredito que me ame e me complete e à qual creio amar e
completar, a despeito da nossa incompatibilidade de temperamentos? Enfrento ou
não enfrento o grandalhão que me ameaça? E os desafios, de todos os tamanhos,
naturezas e importâncias, multiplicam-se, exigindo de nós escolhas corretas. "Ser
ou não ser, eis a questão”.
Destaque-se que as peças de Shakespeare são muito mais do
que parecem ser aos desavisados. Não se destinavam a simplesmente entreter ou
divertir os espectadores, como por muito tempo se pensou. Não foi, é verdade, a
visão que se teve delas na época em que foram encenadas. Façam, todavia,
criteriosa análise dos 37 dramas que nos legou e concluirão que todos contam, á
sua maneira, mais do que meras e interessantes histórias dramáticas, dessas que
nos divertem, mas que na sequência esquecemos. São mais, muito mais do que simples
entretenimento. São repletas de metáforas, recheadas de significados ocultos e
de questões que surgem nas entrelinhas. Creiam-me que o "Ser ou não
ser" vai muito além do que simples frase de efeito para demonstrar o
momento terrível que o jovem príncipe da Dinamarca estava vivendo.
Um detalhe que chama a atenção de poucos, mas que é dos mais
relevantes, é o do significado do nome Hamlet. Em inglês, a palavra significa
"pequena aldeia rural". Creio que Shakespeare, ao optar por essa
denominação para o principal personagem, teve a intenção de sugerir que ele
tinha olhar ingênuo, crédulo, estreito, diria “caipira” da realidade. Mas
somente até a revelação da verdade, vinda da parte do “fantasma do pai”.
Destaco que essa ingenuidade, essa falta de malícia que caracteriza algumas (a
maioria?) das pessoas que vivam em áreas rurais, e em pequenas vilas
interioranas, pode ser catalogada, até, como virtude. Constitui-se, porém, em
desvantagem quando confrontada com a experiência dos moradores das grandes
cidades, que têm visão mais realista, desconfiada e alerta e, por isso, menos limitada e pequena
do mundo.
Entendo que Shakespeare, ao denominar dessa forma (Hamlet”) seu
principal personagem, recorreu a uma metáfora de alguém que estava enxergando a
vida de forma limitada e ingênua. Mas isto chegou ao fim no exato dia em que,
confrontado com a verdade dita pelo fantasma do pai, caiu na real. Por isto, é
que só depois de saber dos fatos como aconteceram foi que pode escolher "ser"
ou “não ser”. Seu
dilema tornou-se "vingar ou não vingar a morte do
rei". A decisão que viesse a tomar implicaria em quem "seria".
Se vingasse o pai, "seria" assassino. Caso contrário,
"seria" covarde, ou, no mínimo, conivente com seu assassinato. Fez a
primeira opção, embora matando a pessoa errada. E isso determinou o que Hamlet
veio a ser. É como observou o saudoso escritor português Vergílio Ferreira: “
Só numa situação concreta sabemos o que realmente somos”. E o trágico príncipe
da Dinamarca soube assim.
Boa leitura.
O Editor.
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Triste final.
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