Biógrafos e biografias
As biografias refletem com fidelidade a vida dos
biografados? Antes de responder, o leitor atento certamente irá ponderar:
depende do biógrafo. Como em tudo o que se faz na vida, há os competentes e os
nem tanto. Há os honestos que se apegam ferrenhamente à verdade e a buscam
obsessivamente e os que não têm essa preocupação. E vai por aí afora. Da minha
parte, eu responderia a essa pergunta com enfático e sonoro “não”!!!
Não se trata de questionar competência e honestidade do
biógrafo. Mas a lógica me diz que é impossível relatar, com absoluta
fidelidade, uma vida, e que nem precisa ser tão longa, em, digamos, 300 ou 400
páginas. E nem mesmo em milhares delas. Sequer quem redige autobiografias
consegue essa façanha, não, pelo menos, com absoluta fidelidade aos fatos. Ora
interpreta os episódios mais polêmicos invariavelmente pelo aspecto mais
favorável, deixando-se levar pela vaidade. Ora é autocrítico além da conta.
Estas considerações vêm a propósito do livro “Nada como o
sol”, do britânico Anthony Burgess. Para ser preciso, devo destacar que não se
trata, propriamente, de uma biografia. É um romance, em que o autor de “Laranja
mecânica” se propõe a relatar a vida amorosa de William Shakespeare. O autor
assegurou que seu relato, romanceado, baseou-se em fontes históricas. Só não
convence o crítico sobre quais são tais referências, que nenhum estudioso sério
da vida do bardo inglês nunca encontrou e qual sua veracidade e credibilidade. Há
quem goste da sua narrativa e até a aceite como lídima expressão da verdade. Eu
não!
Não sou o único (longe disso) a acreditar que biografias
nunca relatam com fidelidade a vida dos biografados. Há quem reverencie
exageradamente a figura sobre a qual escrevem a ponto de santificá-la. Óbvio
que ninguém é santo. Todos temos (uns mais e outros menos) nossos “esqueletos
no armário”. No outro extremo, há os que a demonize e busque o que há de
escabroso e ruim na vida do biografado, os que não têm o menor escrúpulo em
destruir sua imagem. Se não encontram nada de desabonador, inventam. Claro que
há os ponderados, os equilibrados, os honestos. Mas como distingui-los?
George Bernard Shaw escreveu a propósito: “Ao ler uma
biografia, recordai que a verdade nunca se presta a publicação”. Acaso se
presta? É sempre o aspecto mais interessante da vida do biografado? É capaz de
despertar o interesse e de prender a atenção do leitor, promovendo, destarte,
grande venda do livro? Dificilmente. Mas não foi somente Shaw que revelou seu
ceticismo a propósito. Outro escritor, que sempre primou pelo humor ácido e
implacável, o norte-americano Samuel Clemens, que se consagrou com o pseudônimo
Mark Twain, igualmente mostrou-se descrente a respeito desse tipo de
literatura. Escreveu: “As biografias são apenas as roupas e os botões da
pessoa. A vida da própria pessoa não pode ser escrita”. É exatamente o que
penso, afirmo e reitero. Daí não embarcar na onda das várias biografias de
William Shakespeare. Prefiro saborear e valorizar sua obra.
Em vez de dar crédito a determinados “biógrafos”, que
especulam com uma suposta relação homossexual do bardo inglês, por exemplo, com
base, somente, na desastrosa interpretação de um de seus poemas, prefiro
deliciar-me com pérolas de sabedoria e de sensibilidade, como esta, do “Soneto
116”:
“De almas sinceras a união sincera.
Nada há que impeça: amor não é amor.
Se quando encontra obstáculos se
altera,
ou se vacila ao mínimo temor.
Amor é um marco eterno, dominante,
que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante,
cujo valor se ignora, lá na altura.
Amor não teme o tempo, muito embora
seu alfange não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,
antes se afirma para a eternidade.
Se isso é falso, e que é falso alguém
provou,
eu não sou poeta, e ninguém nunca amou”.
Infelizmente, não consegui apurar quem foi o tradutor dessa
maravilha. Quanto ao livro de Burgess, tenho alguns comentários a fazer, o que
farei oportunamente. Adianto, porém, que a impressão que ele me deixou dá razão
ao humorista peruano Sofocleto (pseudônimo de Luís Felipe Angell), que
sentenciou: “Os biógrafos e os abutres alimentam-se de cadáveres”. Para não
generalizar, eu acrescentaria: mas há exceções (posto que não muitas). Nada
como os humoristas para rasgos de sinceridade. Afinal, é rindo, é em tom de
galhofa e de brincadeira, que se dizem as grandes verdades.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
A exatidão nos falha até mesmo quando tentamos refazer um diálogo vivido por nós horas antes.
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