quinta-feira, 28 de maio de 2015

Biógrafos e biografias


As biografias refletem com fidelidade a vida dos biografados? Antes de responder, o leitor atento certamente irá ponderar: depende do biógrafo. Como em tudo o que se faz na vida, há os competentes e os nem tanto. Há os honestos que se apegam ferrenhamente à verdade e a buscam obsessivamente e os que não têm essa preocupação. E vai por aí afora. Da minha parte, eu responderia a essa pergunta com enfático e sonoro “não”!!!

Não se trata de questionar competência e honestidade do biógrafo. Mas a lógica me diz que é impossível relatar, com absoluta fidelidade, uma vida, e que nem precisa ser tão longa, em, digamos, 300 ou 400 páginas. E nem mesmo em milhares delas. Sequer quem redige autobiografias consegue essa façanha, não, pelo menos, com absoluta fidelidade aos fatos. Ora interpreta os episódios mais polêmicos invariavelmente pelo aspecto mais favorável, deixando-se levar pela vaidade. Ora é autocrítico além da conta.

Estas considerações vêm a propósito do livro “Nada como o sol”, do britânico Anthony Burgess. Para ser preciso, devo destacar que não se trata, propriamente, de uma biografia. É um romance, em que o autor de “Laranja mecânica” se propõe a relatar a vida amorosa de William Shakespeare. O autor assegurou que seu relato, romanceado, baseou-se em fontes históricas. Só não convence o crítico sobre quais são tais referências, que nenhum estudioso sério da vida do bardo inglês nunca encontrou e qual sua veracidade e credibilidade. Há quem goste da sua narrativa e até a aceite como lídima expressão da verdade. Eu não!

Não sou o único (longe disso) a acreditar que biografias nunca relatam com fidelidade a vida dos biografados. Há quem reverencie exageradamente a figura sobre a qual escrevem a ponto de santificá-la. Óbvio que ninguém é santo. Todos temos (uns mais e outros menos) nossos “esqueletos no armário”. No outro extremo, há os que a demonize e busque o que há de escabroso e ruim na vida do biografado, os que não têm o menor escrúpulo em destruir sua imagem. Se não encontram nada de desabonador, inventam. Claro que há os ponderados, os equilibrados, os honestos. Mas como distingui-los?

George Bernard Shaw escreveu a propósito: “Ao ler uma biografia, recordai que a verdade nunca se presta a publicação”. Acaso se presta? É sempre o aspecto mais interessante da vida do biografado? É capaz de despertar o interesse e de prender a atenção do leitor, promovendo, destarte, grande venda do livro? Dificilmente. Mas não foi somente Shaw que revelou seu ceticismo a propósito. Outro escritor, que sempre primou pelo humor ácido e implacável, o norte-americano Samuel Clemens, que se consagrou com o pseudônimo Mark Twain, igualmente mostrou-se descrente a respeito desse tipo de literatura. Escreveu: “As biografias são apenas as roupas e os botões da pessoa. A vida da própria pessoa não pode ser escrita”. É exatamente o que penso, afirmo e reitero. Daí não embarcar na onda das várias biografias de William Shakespeare. Prefiro saborear e valorizar sua obra.

Em vez de dar crédito a determinados “biógrafos”, que especulam com uma suposta relação homossexual do bardo inglês, por exemplo, com base, somente, na desastrosa interpretação de um de seus poemas, prefiro deliciar-me com pérolas de sabedoria e de sensibilidade, como esta, do “Soneto 116”:

“De almas sinceras a união sincera.
Nada há que impeça: amor não é amor.
Se quando encontra obstáculos se altera,
ou se vacila ao mínimo temor.

Amor é um marco eterno, dominante,
que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante,
cujo valor se ignora, lá na altura.

Amor não teme o tempo, muito embora
seu alfange não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,
antes se afirma para a eternidade.

Se isso é falso, e que é falso alguém provou,
eu não sou poeta, e ninguém nunca amou”.

Infelizmente, não consegui apurar quem foi o tradutor dessa maravilha. Quanto ao livro de Burgess, tenho alguns comentários a fazer, o que farei oportunamente. Adianto, porém, que a impressão que ele me deixou dá razão ao humorista peruano Sofocleto (pseudônimo de Luís Felipe Angell), que sentenciou: “Os biógrafos e os abutres alimentam-se de cadáveres”. Para não generalizar, eu acrescentaria: mas há exceções (posto que não muitas). Nada como os humoristas para rasgos de sinceridade. Afinal, é rindo, é em tom de galhofa e de brincadeira, que se dizem as grandes verdades.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. A exatidão nos falha até mesmo quando tentamos refazer um diálogo vivido por nós horas antes.

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