Devaneios de uma roqueira
* Por
Fernando Yanmar Narciso
CAPÍTULO 1 (PARTE 1)
Há dois meses o mesmo
sonho vem me acordar quase toda manhã, antes mesmo do despertador do celular e
dos vaqueiros com seus berrantes. Penduro a guita nas costas, amarro meu trapo
favorito na testa e subo os três degraus de metal que levam ao palco, os urros
ensandecidos pelo meu nome ficam cada vez mais altos. Mal abro caminho até os
holofotes e todos aqueles flashes me fulminam. Como se estivesse diante de um
pelotão de fuzilamento. Nem tenho tempo de esboçar alguma reação.
Hoje não foi
diferente. E além do sonho, fui despertada pela boa e velha ressaca, com a qual
convivo há anos, e por uma sensação horrível que me sobe pelas costas. E lá vêm
o berrante! Poucos têm o privilégio de ser despertados com um coral de ‘abôios’
toda manhã... Mas por que eu não ouvi o alarme tocar? Faz tempo que coloquei os
berros de Kurt ao vivo como ringtone do despertador, até as vacas acordam com
ele! Well, whatever...
Coragem, Lexi, ‘ocê’
consegue levantar. Coragem, ‘galega cabelo de fogo’! Ai, como tudo em mim
dói... Gente, olha só essa bagunça no quarto! ‘Devia ter vergonha na cara,
Alexia, sua porca!’, como diria minha (ahem) doce e amada mãezinha... Tudo
jogado no chão, meus discos, revistas, roupa suja... Latinha de vinho, de
cerveja, pizza velha... Aquela lagartixa que eu peguei atrás da cômoda
terça-feira, affff, que fedor!
Deve ter sido mesmo
uma farra monstruosa, até acordei sem roupa... Ih, é mesmo, tô pelada! Como
desgraça pouca é bobagem, ainda tem esse fogo comendo minhas costas, como se
tivessem passado a noite me chibatando e depois me dado um banho de água do mar
fervendo com limão. Por que elas ardem tanto? Não, Lexi, sem tempo pra pensar
nisso! Deixa ver que horas...
- QUÊ? MEIO-DIA E
MEIA?- Meu berro chegou a descolar o pôster do Dennis Lyxzen da parede. Como
ele é lindo!- ‘Bão’, sorte que hoje é domingo e... SEGUNDA-FEIRA?- O calendário
do meu Nokia parece rir da minha cara- TÔ DORMINDO DESDE SÁBADO? MAS QUE...!- E
o celular voou pela janela...
Que será que aconteceu
comigo pra me derrubar por quase dois dias inteiros? Que foi que eu e
Bárbara... Ah, fuck it! Tenho só mais uma hora pra chegar ao conservatório, o
tempo é um cadafalso! Kurt Cobain, que bafo de zumbi! Também, dois dias sem
escovar os dentes... Se eu ao menos pudesse lembrar o que foi que rolou... Já
vi que vai ser uma daquelas tardes!
Pega uma roupa
qualquer e sai voando, Lexi! Não dá pra perder mais tempo, menina! Visto um
tubinho branco de frente única, saia vermelha, sandálias de salto de madeira,
minha coleirinha de espetos de estimação, que ganhei daquela argentina esposa
do João Gordo, as boas e velhas pulseirinhas douradas encardidas que ganhei de
presente do Iggy Pop quando fui groupie dele e, claro, minha bandana preta que
comprei por três reais quando fugi de casa.
Dizem que ela me deixa
a cara do Jack Sparrow quando eu encho a cara, but I don’t care. Só um
perfuminho pra tentar disfarçar, um ‘cadim’ de pó nas bochechas sardentas, um
batonzinho roxo e voilá! Cá estou eu, vestida, lustrada e ‘joiada’, pronta pra
batalha!
- E ‘ocê’, meu beloso?
Também teve uma noite horrorosa? Como eu tenho orgulho de ti, beloso!
Acaricio
apaixonadamente minha maçaroca, que viu um pente pela última vez quando eu
‘tava’ na 4ª série. Sem minhas paixões eu seria um saco sem fundo. Meu Kurt,
sexo, minha velha guita Schecter e minha juba flamejante... Mesmo imundo e
amarfanhado, é o cabelo mais lindo do mundo!
- Então é isso... Me
arrumei em 15 minutos, tempo recorde. Abraço, meu gatão!- A piscadela e o
selinho habitual na minha pintura do Kurt, a razão pela qual continuo acordando
toda manhã- A gente se vê à noite!
Sol de meio-dia...
Aqui, perto do Sul, sentir um solão desses em qualquer época do ano é mais
difícil que achar disco do Guitar Wolf no Brasil. Ih, já vi que a Barbie
acordou atacada hoje também... Não sei por que ainda me surpreendo quando desço
as escadas do hotel e vejo minha prima protagonizando com os bebuns do restaurante
essas cenas que não fariam feio nos filmes do Guy Ritchie.
Pôs a cabeça do cara
no banquinho, segurou suas costas com o joelho e dá nele com a bandeja de metal
como se jogasse tênis com as orelhas dele. Os outros três fregueses se
atocaiaram no canto do balcão, apavorados e chorando como se fossem vítimas de
um estuprador. Ah, Bárbara, pra que tudo isso?
(CONTINUA...)
PRÓLOGO AQUI:
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* Escritor e designer
gráfico. Contatos:
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http://www.facebook.com/umdiacomooutroqualquer
Uma roqueira convencional.
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