domingo, 31 de maio de 2015

Ofélia


* Por Artur Rimbaud

I

Na onda calma e negra, entre os astros e os céus,
a branca Ofélia, como um grande lírio, passa:
flutua lentamente e dorme em longos véus...
--- Longe, no bosque, o caçador chamando a caça...

Mais de mil anos faz que a triste Ofélia abraça,
fantasma branco, o rio negro em que perdura.
Mais de mil anos: toda noite ela repassa
à brisa a romança que em delírio murmura.

Beija-lhe o seio o vento e liberta em corola
os grandes véus nas águas acalentadoras;
sobre os seus ombros o salgueiro se desola,
reclina-se o caniço à fronte sonhadora.

Nenúfares feridos suspiram por perto;
às vezes ela acorda, em vidoeiro ocioso
um ninho de onde vem tremor de um vôo incerto...
--- de astros dourados desce um canto misterioso...

II

Morreste sim, menina que um rio carrega,
ó pálida Ofélia, tão bela como a neve!
--- É que algum vento montanhês da Noruega
contou que a liberdade é rude, mas é leve;

--- é que um sopro liberta a cabeleira presa,
em teu espírito estranhos sons fez nascer
e em teu coração logo ouviste a Natureza
no queixume da árvore e do anoitecer.

--- É que a voz do mar furioso, tumulto impávido,
rasgou teu seio de menina, humano e doce;
--- em manhã de abril, certo cavalheiro pálido,
um belo e pobre louco, aos teus pés ajoelhou-se.

E aí o céu, o amor: --- que sonho, pobre louca!
Ante ele eras a neve, desmaiando à luz;
visões estrangulavam-te a fala na boca,
o infinito aterrava os teus olhos azuis!

III

--- E o poeta diz que sob os raios das estrelas
procuras toda noite as flores em delírio
e diz que viu na água, entre véus, a colhê-las
vogar a branca Ofélia como um grande lírio.


* Poeta simbolista francês, um dos membros do grupo conhecido como “Os cinco poetas malditos”    


Nenhum comentário:

Postar um comentário