segunda-feira, 18 de maio de 2015

Cântico dos cânticos



* Por Daniel Santos



De alguma potável quimera, de um sítio recôndito onde iaras e oxuns abrem seu primeiro olho, a água vaza por entre moitas de taioba e de caninha-do-brejo, numa emissão irregular, rala, só depois encorpa.

De início, silva, às vezes roufenha, de outras até gutural, como a experimentar vozes. Não há ainda o rio discursivo, o acervo manancial, o remanso generoso onde se abebera o gado, mas gotas do que é já bênção.

Abro a torneira de manhã e ela flui, enfim, canora num gorgolejante cantochão. Estendo a palma emocionada e ela se aninha na concha, miúda como no início, quando largou das distâncias para me acudir.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Um comentário: