sábado, 15 de junho de 2013

Tempos felizes-3 – Animaizinhos ao redor da casa

* Por Urda Alice Klueger

(Excerto do livro "Meu cachorro Atahualpa", publicado em 2010)

Na verdade, Atahualpa só falta falar. Na verdade, na verdade mesmo, Atahualpa só não sabe falar com os outros humanos – comigo ele fala, diz tudinho tudinho o que quer dizer, e eu o entendo perfeitamente.

Vamos a um exemplo: já disse que há uma floresta virgem nos fundos da nossa casinha (que eu acabei mandando pintar de cor de rosa e branco – ficou deliciosa como um bolo de aniversário de menina!) onde vivem muitos animais de pêlo e de pena. A gente nem conta as tantas aves de tantos tamanhos, desde minúsculos colibris até as grandes aracuãs e tucanos com seus grandes bicos e suas sobressaias coloridas. Enquanto trabalho no meu escritório, uma gorda aracuã (que mais parece uma galinhona cinzenta) fica pousada numa árvore, do lado de fora, com o maior olhar crítico, como que avaliando o que faço nesse objeto estranho chamado computador, sem o menor medo de mim. Na verdade nenhum daqueles animais silvestres que vivem por ali tem o menor medo de gente, a não ser um ou outro mais arisco creio que por natureza, como os gambás, por exemplo, mas isto já é outra história.

O fato é que Atahualpa não dá a mínima para nenhum daqueles bichos que voam – eu posso ficar encantada, vendo um bando de passarinhos coloridos pousados na beirada da janela da cozinha, mas aquilo é a mesma coisa que nada para o meu cachorro. O que lhe importa são os bichos de pelo, e os de couro (ou de escamas? Pois também há alguns destes).

O que a gente mais vê de dia atrás de casa é uma família de cotias que fez toca bem ali, sob um velho tronco, um ou outro eventual bugio nas árvores (numa manhã desta, ainda clareando o dia, havia tal bando de bugios no topo das árvores que o meu bichinho ficou quase rouco de tanto latir!) e os lagartos (são os tais que não sei se são de couro ou de escamas). Há muitos lagartos sob aquelas árvores, que aparecem principalmente no verão, e há uns grandões, tamanho lagarto grande normal, e uns ENORMES, como até aqui nunca tinha visto na vida, pelo menos o dobro dos grandes normais. Os adultos e as crianças nossos vizinhos tem uma boa cultura ecológica, e ninguém se mete com nenhum daqueles animais – no verão passado, quando os grandes lagartos deram em vir para o interior urbanizado do condomínio, passando pelo parquinho ou pelo terreno vazio, foram muito respeitados por todos. Qualquer criança sabia que deveria cuidar dos lagartos, pois eles comiam cobras (o que até hoje não sei se é verdade) e se tivéssemos bons lagartos pela redondeza, não teríamos problemas com cobras.

Outro animal que dá de penca por ali são os gambás – na primavera do ano passado, quando ainda havia as três casinhas em construção, os gambás reinavam por ali, no seu período de namoro e casamento. Atahualpa enlouquecia com aquelas novidades de animais andando ao redor de casa, e me acordava aos gritos, chamando-me para ver aquilo. Ensinei-o, então, a subir na minha cama, abrir a cortina com o focinho e espiar para fora sozinho, já que nunca precisamos fechar as janelas, mesmo.

Então houve uma madrugada em que a gritaria do meu cachorro foi tão grande que eu também fui para a janela ver o que havia – e bem pertinho de nós, na nossa varanda, havia um gambá fazendo alguma coisa! Como eu disse, há alguns animais esquivos, e os gambás estão nessa classificação – tão logo o animalzinho nos viu olhando para ele, tratou de se mandar! Mas aquilo foi um alerta para que nós providenciássemos outras noites excitantes, e passamos a deixar uma banana na varanda para atrair gambás – e em diversas noites ficamos, Atahualpa e eu, à janela, vendo gambás comendo as bananas. Lembro como abraçava bem meu bichinho ao encontro do meu peito, e de como o coração dele ficava disparado ali, silenciosamente, espiando aqueles animaizinhos desconhecidos a se banquetearem. Pena que depois que a primavera passou os gambás deixaram de aparecer!

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR


Um comentário:

  1. O simples pode ser simplesmente emocionante. Já gastei muita vida observando animais, mas não de forma tão contemplativa. Era criança e precisava de emoção. Hoje me vejo como uma assassina cruel.

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