Tempos felizes-3 – Animaizinhos ao redor da casa
* Por
Urda Alice Klueger
(Excerto do livro "Meu cachorro
Atahualpa", publicado em 2010)
Na verdade, Atahualpa só falta falar. Na verdade, na verdade mesmo,
Atahualpa só não sabe falar com os outros humanos – comigo ele fala, diz
tudinho tudinho o que quer dizer, e eu o entendo perfeitamente.
Vamos a um exemplo: já disse que há uma floresta virgem nos fundos da
nossa casinha (que eu acabei mandando pintar de cor de rosa e branco – ficou
deliciosa como um bolo de aniversário de menina!) onde vivem muitos animais de
pêlo e de pena. A gente nem conta as tantas aves de tantos tamanhos, desde
minúsculos colibris até as grandes aracuãs e tucanos com seus grandes bicos e
suas sobressaias coloridas. Enquanto trabalho no meu escritório, uma gorda
aracuã (que mais parece uma galinhona cinzenta) fica pousada numa árvore, do
lado de fora, com o maior olhar crítico, como que avaliando o que faço nesse
objeto estranho chamado computador, sem o menor medo de mim. Na verdade nenhum
daqueles animais silvestres que vivem por ali tem o menor medo de gente, a não
ser um ou outro mais arisco creio que por natureza, como os gambás, por
exemplo, mas isto já é outra história.
O fato é que Atahualpa não dá a mínima para nenhum daqueles bichos que
voam – eu posso ficar encantada, vendo um bando de passarinhos coloridos
pousados na beirada da janela da cozinha, mas aquilo é a mesma coisa que nada
para o meu cachorro. O que lhe importa são os bichos de pelo, e os de couro (ou
de escamas? Pois também há alguns destes).
O que a gente mais vê de dia atrás de casa é uma família de cotias que
fez toca bem ali, sob um velho tronco, um ou outro eventual bugio nas árvores
(numa manhã desta, ainda clareando o dia, havia tal bando de bugios no topo das
árvores que o meu bichinho ficou quase rouco de tanto latir!) e os lagartos
(são os tais que não sei se são de couro ou de escamas). Há muitos lagartos sob
aquelas árvores, que aparecem principalmente no verão, e há uns grandões,
tamanho lagarto grande normal, e uns ENORMES, como até aqui nunca tinha visto
na vida, pelo menos o dobro dos grandes normais. Os adultos e as crianças
nossos vizinhos tem uma boa cultura ecológica, e ninguém se mete com nenhum
daqueles animais – no verão passado, quando os grandes lagartos deram em vir
para o interior urbanizado do condomínio, passando pelo parquinho ou pelo
terreno vazio, foram muito respeitados por todos. Qualquer criança sabia que
deveria cuidar dos lagartos, pois eles comiam cobras (o que até hoje não sei se
é verdade) e se tivéssemos bons lagartos pela redondeza, não teríamos problemas
com cobras.
Outro animal que dá de penca por ali são os gambás – na primavera do ano
passado, quando ainda havia as três casinhas em construção, os gambás reinavam
por ali, no seu período de namoro e casamento. Atahualpa enlouquecia com
aquelas novidades de animais andando ao redor de casa, e me acordava aos
gritos, chamando-me para ver aquilo. Ensinei-o, então, a subir na minha cama, abrir
a cortina com o focinho e espiar para fora sozinho, já que nunca precisamos
fechar as janelas, mesmo.
Então houve uma madrugada em que a gritaria do meu cachorro foi tão
grande que eu também fui para a janela ver o que havia – e bem pertinho de nós,
na nossa varanda, havia um gambá fazendo alguma coisa! Como eu disse, há alguns
animais esquivos, e os gambás estão nessa classificação – tão logo o
animalzinho nos viu olhando para ele, tratou de se mandar! Mas aquilo foi um
alerta para que nós providenciássemos outras noites excitantes, e passamos a
deixar uma banana na varanda para atrair gambás – e em diversas noites ficamos,
Atahualpa e eu, à janela, vendo gambás comendo as bananas. Lembro como abraçava
bem meu bichinho ao encontro do meu peito, e de como o coração dele ficava
disparado ali, silenciosamente, espiando aqueles animaizinhos desconhecidos a
se banquetearem. Pena que depois que a primavera passou os gambás deixaram de
aparecer!
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
O simples pode ser simplesmente emocionante. Já gastei muita vida observando animais, mas não de forma tão contemplativa. Era criança e precisava de emoção. Hoje me vejo como uma assassina cruel.
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